terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Autodefesa
Pense duas vezes antes de querer descobrir algum segredo. Você pode não estar preparado para certas revelações. Isso se chama autodefesa, o saudável mecanismo que muitas vezes precisamos usar para nos proteger de nós mesmos. O exemplo mais comum é o de casais que atropelam o seu amor em busca de uma evidência de que estão sendo traídos. Hoje em dia ficou muito mais fácil monitorar os passos de quem está ao nosso lado. Um celular esquecido sobre a mesa, o computador distraidamente aberto numa página pessoal. Pronto. Suas dúvidas se transformam em certeza numa fração de segundo. Estou sendo enganado. E agora? O que fazer com essa constatação? Poucos estão aptos a lidar emocionalmente com tal descoberta. O desejo de exclusividade nos lança em busca de provas. Mas esquecemos de perguntar a nós mesmos se essa vigilância ostensiva não vai se transformar numa espécie de veneno, num dardo que cravamos em nossa própria carne.
Este é apenas um exemplo de situação em que, no ímpeto de ter razão, buscamos desvendar certas áreas obscuras, provocando uma dor que não estava lá. Somos tentados o tempo todo a nos apoderar da intimidade alheia, sem levar em conta que há pântanos que só podem ser habitados por quem conhece muito bem o lodo. Não quero dizer com isso que a melhor solução seja ignorar o que eventualmente nos machuca. No campo amoroso, sobretudo, a sinceridade é um ingrediente essencial para a criação de laços mais efetivos. Mas não devemos esquecer que nem sempre conseguimos manter o comando do que se passa em nosso coração ou mesmo no cérebro. Então, uma pequena miopia pode ser muito bem-vinda. Costuma ser contraindicado testar nossos limites emocionais. As prisões estão repletas de pessoas que perderam o controle e a razão em casos assim.
Essa regra pode ser ampliada para diversas áreas. Quando deixamos de lado a arrogância, a pretensão de monitorar a vida alheia, passamos a viver mais confortavelmente, sem tanta tensão. Afinal, o que vemos é o resultado das ações, nunca os motivos que as geraram. E cada um pode apresentá-los quase que em ordem alfabética. Até os assassinos confessos. Tenho tentado observar mais e interferir menos. Compreender, quando o bom senso me permite, que há espaços dentro de cada um que não podem ser mapeados. Eles simplesmente estão aí e cabe a nós aceitá-los. Pensemos no processo de negação. Quando uma coisa é muito dolorosa para ser vivenciada sem anestesia, fechamos os olhos e nos recusamos a ver o que grita diante de nós. Claro que depois o arrependimento toma conta e tentamos entender como pudemos ser tão tolos, não percebendo o que era absurdamente óbvio. Mas quem sabe isso também não seja outra vertente da autodefesa. Quando não podemos suportar algo, fazemos de conta que isso não existe. Injetamos uma espécie de morfina de efeito psíquico para não enlouquecer.
Ao invés de procurar inimigos do lado de fora, primeiro é necessário investigar dentro de nós o mal que estamos nos causando. A pretensão de tudo saber, colocando uma lupa sobre cada pegada, pode resultar mais em tristeza do que em satisfação. Estamos perdidos num mar revolto que tanto mais nos engole quanto mais nos debatemos. Quando aprendemos a ficar bem quietos, buscando entender determinadas atitudes, contribuímos para o fim de muita violência emocional. Podemos e devemos erguer barricadas se o material em estudo formos nós mesmos. Ensaiar coragem, pôr limites toda vez que nos aproximamos do abismo.
Enquanto nos preocuparmos tanto com o que os outros imaginam e dizem a nosso respeito estaremos fadados à inquietação, à raiva e ao desejo de moldar nossa imagem ao que eles esperam. Nesse caso, melhor é pensar que daqui a pouco vamos todos morrer e o julgamento alheio não tem importância alguma. O que vale é como vemos a nós mesmos. E para limpar essa imagem - a única que conta, afinal – seria bom começar desde já a criar uma discreta película. Proteja-se: a salvação, muitas vezes, está em enganar a si próprio. Cada um deve descobrir a dose de verdade que consegue suportar. O contrário disso chama-se masoquismo.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Autismo emocional
O cenário: um homem e uma mulher conversando no café de uma livraria. Num tom de voz um pouco acima do que se convencionou chamar de normal, discutem alegremente sobre situações corriqueiras. Estou sentado próximo e uma distância muito pequena me separa dos dois. Impossível não ouvir parte do enredo. Tudo muito prosaico. Nada teria me distraído, se não fosse por um detalhe: nenhum dos dois prestava a menor atenção às palavras que eram ditas pelo outro. Se um espesso muro fosse erguido entre eles, não teria feito diferença alguma. Eram dois surdos-mudos estabelecendo, supostamente, um diálogo. O limite verbal foi sendo dado pela discreta pausa entre um relato e outro. Tempo suficiente para o que estava na frente continuar falando. Porém, sem a mínima conexão com o assunto que havia sido comentado.
Enquanto folheava um livro, fiquei refletindo em como estamos nos transformando em autistas emocionais. Precisamos do outro simplesmente como um espelho, alguém que seja o receptáculo de nossas dores e alegrias cotidianas. Raramente alguém se dispõe a acolher com verdadeira atenção qualquer história que não lhe interesse pessoalmente. Todos nós fazemos isso em diferentes graus. E o motivo é sempre o mesmo: não me diz respeito. Sempre foi assim e sempre será. Mas talvez estejamos ultrapassando o limite do permitido para que as relações entre as pessoas continuem recebendo esse nome: relações. O que vemos por aí é uma série de indivíduos enclausurados dentro de seu microuniverso, tendo a certeza de que o que dizem é de interesse geral e irrestrito.
O simpático casal de amigos desdobrou em diversos atos a ação da peça que estavam encenando. Como eu estava na plateia, achei que seria educativo acompanhar tudo, do início ao fim. Em alguns momentos o gancho para uma nova frase era, sim, o final do assunto em pauta, mas continuava sempre dessa maneira: “Pois então deixa eu te contar o que aconteceu comigo.” Acredito que nenhum dos dois sofria de asma, pois teriam ficado sem fôlego já nos primeiros quinze minutos. O que estará nos levando a esse tipo de comportamento? É bem provável que, depois de sete ou oito horas diante de uma tela de computador, sintamos uma necessidade irrefreável de contar o nosso modesto dia para quem a isso se dispuser.
Mas há também outro elemento a ser levado em conta. Somos incitados constantemente a olhar para o próprio umbigo. Assista TV durante algum tempo e você verá como as propagandas e muitos programas autorizam e até promovem esse tipo de egoísmo. Altruísmo e generosidade são raramente distribuídos no mercado. Em primeiro lugar vem sempre a minha satisfação. Depois a gente vê como fica o resto. E isso acaba se refletindo na maneira como vamos construindo as nossas teias afetivas. Repare: mesmo quando estamos em casa, é comum nos trancarmos no quarto, distante dos demais para, finalmente, podermos entrar em alguma rede social. Agregue-se a isso o fascínio pelo celular e temos o perfil de uma geração que já não vê com bons olhos os contatos tridimensionais.
É difícil abdicar da importância que nos atribuímos. Mais difícil ainda é compreender as necessidades e carências das pessoas próximas a nós. Porém, se não fizermos um esforço para caminhar no sentido contrário, estaremos fadados a continuar sendo portadores desse tipo de patologia. O que pode nos ajudar a quebrar essa postura é colocar uma mordaça imaginária na boca antes de despejar diante do primeiro passante os nossos pequenos e comezinhos dramas. Perceber que quase nada do que entronizamos num altar é realmente importante. Mudar o foco. Ou, numa perspectiva mais radical, procurar ajuda terapêutica, se persistirem os sintomas.
Toda a natureza, exceto a do homem, se inclina para o silêncio. Sejamos também nós interlocutores que sabem, com certo grau de sabedoria, ouvir o que aflige quem está ao nosso lado. Que nossa presença não seja percebida apenas fisicamente. Existem diversas maneiras de nos desconectarmos do nosso pequeno eu. Vamos continuar escrevendo nossa história pessoal sem tanta estridência. Caso contrário, naufragaremos numa solidão repleta de testemunhas.
Enquanto folheava um livro, fiquei refletindo em como estamos nos transformando em autistas emocionais. Precisamos do outro simplesmente como um espelho, alguém que seja o receptáculo de nossas dores e alegrias cotidianas. Raramente alguém se dispõe a acolher com verdadeira atenção qualquer história que não lhe interesse pessoalmente. Todos nós fazemos isso em diferentes graus. E o motivo é sempre o mesmo: não me diz respeito. Sempre foi assim e sempre será. Mas talvez estejamos ultrapassando o limite do permitido para que as relações entre as pessoas continuem recebendo esse nome: relações. O que vemos por aí é uma série de indivíduos enclausurados dentro de seu microuniverso, tendo a certeza de que o que dizem é de interesse geral e irrestrito.
O simpático casal de amigos desdobrou em diversos atos a ação da peça que estavam encenando. Como eu estava na plateia, achei que seria educativo acompanhar tudo, do início ao fim. Em alguns momentos o gancho para uma nova frase era, sim, o final do assunto em pauta, mas continuava sempre dessa maneira: “Pois então deixa eu te contar o que aconteceu comigo.” Acredito que nenhum dos dois sofria de asma, pois teriam ficado sem fôlego já nos primeiros quinze minutos. O que estará nos levando a esse tipo de comportamento? É bem provável que, depois de sete ou oito horas diante de uma tela de computador, sintamos uma necessidade irrefreável de contar o nosso modesto dia para quem a isso se dispuser.
Mas há também outro elemento a ser levado em conta. Somos incitados constantemente a olhar para o próprio umbigo. Assista TV durante algum tempo e você verá como as propagandas e muitos programas autorizam e até promovem esse tipo de egoísmo. Altruísmo e generosidade são raramente distribuídos no mercado. Em primeiro lugar vem sempre a minha satisfação. Depois a gente vê como fica o resto. E isso acaba se refletindo na maneira como vamos construindo as nossas teias afetivas. Repare: mesmo quando estamos em casa, é comum nos trancarmos no quarto, distante dos demais para, finalmente, podermos entrar em alguma rede social. Agregue-se a isso o fascínio pelo celular e temos o perfil de uma geração que já não vê com bons olhos os contatos tridimensionais.
É difícil abdicar da importância que nos atribuímos. Mais difícil ainda é compreender as necessidades e carências das pessoas próximas a nós. Porém, se não fizermos um esforço para caminhar no sentido contrário, estaremos fadados a continuar sendo portadores desse tipo de patologia. O que pode nos ajudar a quebrar essa postura é colocar uma mordaça imaginária na boca antes de despejar diante do primeiro passante os nossos pequenos e comezinhos dramas. Perceber que quase nada do que entronizamos num altar é realmente importante. Mudar o foco. Ou, numa perspectiva mais radical, procurar ajuda terapêutica, se persistirem os sintomas.
Toda a natureza, exceto a do homem, se inclina para o silêncio. Sejamos também nós interlocutores que sabem, com certo grau de sabedoria, ouvir o que aflige quem está ao nosso lado. Que nossa presença não seja percebida apenas fisicamente. Existem diversas maneiras de nos desconectarmos do nosso pequeno eu. Vamos continuar escrevendo nossa história pessoal sem tanta estridência. Caso contrário, naufragaremos numa solidão repleta de testemunhas.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Eu sou assim !
Eu sou assim!
Sempre proferimos esta frase em nossa defesa, quando precisamos de uma justificativa para algum tipo de posicionamento que possa merecer críticas: “Eu sou assim!” Sucedida por ponto de exclamação. Ou vários. Não simpatizo com essa afirmação categórica, mesmo sabendo que os condicionamentos têm um poder avassalador sobre nossa forma de pensar e quase todas as decisões que tomamos. Conformar-se com essa pseudoverdade é concluir que somos seres acabados, que não há mais nenhuma brecha por onde possa entrar o novo, algo de inédito para inaugurar outra fisionomia. Deve ser muito cansativo passar meses, quando não anos, repetindo isso como uma espécie de mantra, algo que nos redima do pecado de cristalizar os mesmos tipos de pensamentos dentro de nós.
Dizemos, também, como outro salvo-conduto para nossas ações, que o hábito é uma segunda pele. Sou mais radical: acho que o hábito é a própria pele. E como é difícil se desfazer dele, seja pela circunstância trágica da morte de um ser com quem partilhamos um cotidiano carregado de abençoadas repetições, seja pela lucidez que nasce depois de um longo processo de análise em busca de novos caminhos para seguir. O fato é que, por preguiça ou incapacidade de mudar, nos aferramos à ideia da imutabilidade de certas coisas. Esse conformismo nos impede de superar o que incomoda, o que raspa uma camada muito tênue dentro da gente. Mas que pode ser alcançável pela disposição e boa vontade.
O abandono, muitas vezes, é mais benéfico que o acolhimento. Não falo de pessoas, mas desse suposto autoconhecimento. Ele nos priva de desbravar o diferente, o que nunca participou do nosso rosário doméstico. Claro que perdas são difíceis de absorver e mudanças de assimilar. Ninguém gosta de se sentir órfão. Queremos o conforto macio das situações já conhecidas, a segurança tépida das estações sem temporal. Olhando em retrospecto para o que vivi, descubro mais escombros do que construções a serem inauguradas. E me sinto feliz que assim seja. Se há algo que se possa chamar de crescimento, sua origem está na ousadia em derrubar, assimilando pedaços de horizontes que a vista não alcançava. Tenho dores que não posso dividir com ninguém. Enfrentei meus medos até descobrir que não existe nada além do medo, sempre tão frágil e movediço quando o encaramos nos olhos. Fugir é nossa primeira tentação, deixando que o animal manso se transforme num monstro com mil tentáculos. Abrir o quarto e enfrentar a solidão de uma cama que já não é mais habitada por quem amamos pode ser o melhor antídoto para escapar da tentação do acomodamento, quando não da desistência.
As impressionantes modificações que se operam em nós ao longo da vida acabam deixando um gosto de manhã que nasce, de discreta surpresa por estarmos vivos. Porém, é preciso ter cuidado: muito do que sentimos tem um sabor póstumo. Um sabor inútil. Distinguir aquilo que importa do que é superficial, mera convenção, é salvador. Que prazer conseguir descartar, dizer não, acolher o que nos deixa tranquilos, longe das obrigações e dos compromissos. Minha meta é atravessar o ano com a agenda cada vez mais vazia. Registro apenas na minha mente o que preciso fazer num futuro breve, bem breve. Aliás, nada tem me agradado mais do que essa despreocupação longamente ansiada por esgotar meu único pertencimento: o agora. Corro o risco de parecer óbvio. Que seja. Passei a desconfiar das grandes especulações metafísicas, dos projetos mirabolantes que acabam quase sempre esbarrando em algum interdito. Aprendi a me reconhecer somente dentro do momento. Encurto minha ansiedade toda vez que consigo dormir sem pensar em nada além do mergulho em um sono reparador.
Talvez amanhã eu seja outro, bem diverso do que sou hoje. Bendigo a maleabilidade da minha alma, tão duramente conquistada. Como disse Nietzsche, quem ama os abismos precisa criar asas. Fico encantado diante de toda nova possibilidade de ser, mas não me deixo seduzir por nenhuma utopia. Gosto da palavra movimento. Gosto da palavra lentidão. Juntas elas se transformam nessas asas que me afastam da comodidade de ser sempre eu mesmo. Daqui a pouco partirei. Não sem antes reconhecer que não preciso estar preso a nada. Preciso, sim, da contradição para me salvar. Eu não sou assim!
Dizemos, também, como outro salvo-conduto para nossas ações, que o hábito é uma segunda pele. Sou mais radical: acho que o hábito é a própria pele. E como é difícil se desfazer dele, seja pela circunstância trágica da morte de um ser com quem partilhamos um cotidiano carregado de abençoadas repetições, seja pela lucidez que nasce depois de um longo processo de análise em busca de novos caminhos para seguir. O fato é que, por preguiça ou incapacidade de mudar, nos aferramos à ideia da imutabilidade de certas coisas. Esse conformismo nos impede de superar o que incomoda, o que raspa uma camada muito tênue dentro da gente. Mas que pode ser alcançável pela disposição e boa vontade.
O abandono, muitas vezes, é mais benéfico que o acolhimento. Não falo de pessoas, mas desse suposto autoconhecimento. Ele nos priva de desbravar o diferente, o que nunca participou do nosso rosário doméstico. Claro que perdas são difíceis de absorver e mudanças de assimilar. Ninguém gosta de se sentir órfão. Queremos o conforto macio das situações já conhecidas, a segurança tépida das estações sem temporal. Olhando em retrospecto para o que vivi, descubro mais escombros do que construções a serem inauguradas. E me sinto feliz que assim seja. Se há algo que se possa chamar de crescimento, sua origem está na ousadia em derrubar, assimilando pedaços de horizontes que a vista não alcançava. Tenho dores que não posso dividir com ninguém. Enfrentei meus medos até descobrir que não existe nada além do medo, sempre tão frágil e movediço quando o encaramos nos olhos. Fugir é nossa primeira tentação, deixando que o animal manso se transforme num monstro com mil tentáculos. Abrir o quarto e enfrentar a solidão de uma cama que já não é mais habitada por quem amamos pode ser o melhor antídoto para escapar da tentação do acomodamento, quando não da desistência.
As impressionantes modificações que se operam em nós ao longo da vida acabam deixando um gosto de manhã que nasce, de discreta surpresa por estarmos vivos. Porém, é preciso ter cuidado: muito do que sentimos tem um sabor póstumo. Um sabor inútil. Distinguir aquilo que importa do que é superficial, mera convenção, é salvador. Que prazer conseguir descartar, dizer não, acolher o que nos deixa tranquilos, longe das obrigações e dos compromissos. Minha meta é atravessar o ano com a agenda cada vez mais vazia. Registro apenas na minha mente o que preciso fazer num futuro breve, bem breve. Aliás, nada tem me agradado mais do que essa despreocupação longamente ansiada por esgotar meu único pertencimento: o agora. Corro o risco de parecer óbvio. Que seja. Passei a desconfiar das grandes especulações metafísicas, dos projetos mirabolantes que acabam quase sempre esbarrando em algum interdito. Aprendi a me reconhecer somente dentro do momento. Encurto minha ansiedade toda vez que consigo dormir sem pensar em nada além do mergulho em um sono reparador.
Talvez amanhã eu seja outro, bem diverso do que sou hoje. Bendigo a maleabilidade da minha alma, tão duramente conquistada. Como disse Nietzsche, quem ama os abismos precisa criar asas. Fico encantado diante de toda nova possibilidade de ser, mas não me deixo seduzir por nenhuma utopia. Gosto da palavra movimento. Gosto da palavra lentidão. Juntas elas se transformam nessas asas que me afastam da comodidade de ser sempre eu mesmo. Daqui a pouco partirei. Não sem antes reconhecer que não preciso estar preso a nada. Preciso, sim, da contradição para me salvar. Eu não sou assim!
terça-feira, 30 de outubro de 2012
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
A moda incomoda
Perdoem-me os moderninhos de plantão, mas poucas coisas são mais “estranhas” do que a moda. Mais por força de circunstâncias profissionais do que por desejo pessoal, circulo em lugares considerados propícios à proliferação dos que a seguem. Onde todos têm a obrigação de parecer diferentes, embora absolutamente padronizados dentro do seu gueto. Trapinhos, sim, trapinhos viram bolsas de grife de estratosférico valor. Cabelos que clamam por uma guilhotina causam suspiros entre seus pares. Botas que se adequariam perfeitamente às lides rurais são exibidas como verdadeiras obras de arte. E o preto! Valei-me, o preto é o Manto Sagrado contemporâneo que todos reverenciam. Uma espécie de cortejo fúnebre esfuziante ocupa os melhores ambientes. Ah, e muito importante: nessas reuniões, precisa-se mostrar certo ar de tédio. Um bocejo discreto sempre é recomendável.
Confesso que me sinto um alienígena quando estou entre essas criaturas pós, ultra, mega-antenadas. O que esperam de você? Sorrisos e elogios a granel. Diga que estão deslumbrantes e seu nome merecerá ser incluído em sua exclusivíssima agenda. Fale qualquer coisa do tipo “que incrível, onde você comprou isso?” e algo parecido com uma iluminação religiosa poderá ser detectada em suas faces. Mas, atenção, você corre o risco de receber um curso intensivo, em dez lições, de como se vestir bem, de como não fazer feio em meio a tanta gente fashion. Você, coitadinho, que ainda se veste como uma pessoa comum, normal, previsível. Que se recusa a pagar mil reais por uma calça. Ou quinhentos por um acessório. Que prefere ficar olhando esse desfile incessante de esquisitices em vez de fazer parte do espetáculo. Olha aí outra palavra adorada por toda a turma: espetáculo. O palco tem de ser deles, de preferência com luzes piscando incessantemente sobre suas cabeças.
Não sei bem por que, mas tenho sentido algo parecido com constrangimento quando testemunho esses simulacros e afetações que muitas festinhas estimulam. É tudo tão artificial, tudo sem pudor algum. Os gestos exagerados, as vozes que gritam, ultrapassando o ambiente, até alcançar a rua. Comecei falando em moda e agora percebo que o que mais me incomoda é o jeito com que muitos se expõem nesses grupos considerados de vanguarda. Aliás, ainda posso usar esse vocábulo? Tudo acontece tão rápido que o novo já nasce velho. Todos citam muito o estilo, mas é o que menos tenho visto. Elegância é privilégio de poucos. Não pode ser comprada em lojas, já o sabemos. Tenho algumas amigas que poderiam subir em qualquer passarela com garantia de sucesso. Mas raramente são vistas farfalhando por aí. Resisto em usar a palavra fauna, mas é nela que penso toda vez que desenho mentalmente alguns locais onde os que ditam a moda fazem seus rasantes. Se eu conseguisse ser um pouco menos crítico certamente me divertiria mais. Preciso treinar o papel do alienado feliz. Só acho difícil ceder a essas tentações que desfalcam consideravelmente a nossa conta bancária.
Pergunta: será que se permitem repetir algum look? A autocensura não deve ver com bons olhos esse pecado estético. Todos precisam se sentir exclusivos, sob pena de terem seus nomes riscados da próxima lista vip. Certo, certo, sei que o mundo ainda não virou uma Daslu com ares de Dallas, embora muitas vezes pareça. Mas não estamos muito longe disso, penso. Por ora são nichos, só isso. O futuro nos dirá. Cuidar de si, praticar moderadamente a vaidade é outra coisa, senhores.
Para que todos não entremos nessa espécie de obsessão, uma rápida olhada no espelho antes de sair de casa pode ser de grande valia. Não deixe que ninguém determine o que deve ser usado ou descartado. É possível até seguir as tendências da estação, mas sem perder de vista que não vale para todos e todas, indiscriminadamente. Porque senão vira ditadura. Desde que aprendemos a nos enfeitar para seduzir, a moda ganhou um status quase divino. Mas não esqueça esse mandamento básico: ela evapora rapidamente. O ridículo, nem sempre.
Confesso que me sinto um alienígena quando estou entre essas criaturas pós, ultra, mega-antenadas. O que esperam de você? Sorrisos e elogios a granel. Diga que estão deslumbrantes e seu nome merecerá ser incluído em sua exclusivíssima agenda. Fale qualquer coisa do tipo “que incrível, onde você comprou isso?” e algo parecido com uma iluminação religiosa poderá ser detectada em suas faces. Mas, atenção, você corre o risco de receber um curso intensivo, em dez lições, de como se vestir bem, de como não fazer feio em meio a tanta gente fashion. Você, coitadinho, que ainda se veste como uma pessoa comum, normal, previsível. Que se recusa a pagar mil reais por uma calça. Ou quinhentos por um acessório. Que prefere ficar olhando esse desfile incessante de esquisitices em vez de fazer parte do espetáculo. Olha aí outra palavra adorada por toda a turma: espetáculo. O palco tem de ser deles, de preferência com luzes piscando incessantemente sobre suas cabeças.
Não sei bem por que, mas tenho sentido algo parecido com constrangimento quando testemunho esses simulacros e afetações que muitas festinhas estimulam. É tudo tão artificial, tudo sem pudor algum. Os gestos exagerados, as vozes que gritam, ultrapassando o ambiente, até alcançar a rua. Comecei falando em moda e agora percebo que o que mais me incomoda é o jeito com que muitos se expõem nesses grupos considerados de vanguarda. Aliás, ainda posso usar esse vocábulo? Tudo acontece tão rápido que o novo já nasce velho. Todos citam muito o estilo, mas é o que menos tenho visto. Elegância é privilégio de poucos. Não pode ser comprada em lojas, já o sabemos. Tenho algumas amigas que poderiam subir em qualquer passarela com garantia de sucesso. Mas raramente são vistas farfalhando por aí. Resisto em usar a palavra fauna, mas é nela que penso toda vez que desenho mentalmente alguns locais onde os que ditam a moda fazem seus rasantes. Se eu conseguisse ser um pouco menos crítico certamente me divertiria mais. Preciso treinar o papel do alienado feliz. Só acho difícil ceder a essas tentações que desfalcam consideravelmente a nossa conta bancária.
Pergunta: será que se permitem repetir algum look? A autocensura não deve ver com bons olhos esse pecado estético. Todos precisam se sentir exclusivos, sob pena de terem seus nomes riscados da próxima lista vip. Certo, certo, sei que o mundo ainda não virou uma Daslu com ares de Dallas, embora muitas vezes pareça. Mas não estamos muito longe disso, penso. Por ora são nichos, só isso. O futuro nos dirá. Cuidar de si, praticar moderadamente a vaidade é outra coisa, senhores.
Para que todos não entremos nessa espécie de obsessão, uma rápida olhada no espelho antes de sair de casa pode ser de grande valia. Não deixe que ninguém determine o que deve ser usado ou descartado. É possível até seguir as tendências da estação, mas sem perder de vista que não vale para todos e todas, indiscriminadamente. Porque senão vira ditadura. Desde que aprendemos a nos enfeitar para seduzir, a moda ganhou um status quase divino. Mas não esqueça esse mandamento básico: ela evapora rapidamente. O ridículo, nem sempre.
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Arquivos mentais
- -
- Depois de uma série de pequenos e turbulentos desastres domésticos, meu amigo desabafa: “Só pode ser olho grande, inveja, sei lá. Só isso para explicar tanta coisa ruim acontecendo na minha vida.” Fazemos uma rápida retrospectiva e descobrimos que esses incidentes estão muito mais relacionados a uma sucessão de descuidos, ao acaso, do que a algo maléfico planejado por terceiros. O mundo não conspira contra nós, acredite. Fiquei com a impressão de não tê-lo convencido totalmente, embora suas convicções talvez tenham sido sutilmente arranhadas. No caminho para casa, pensei no quanto esse tipo de crença é recorrente. Poucos escapam dessa armadilha. Não sou um dos felizardos, embora em diversas circunstâncias eu consiga trocar o embotamento por algumas doses de consciência. Mas nem sempre. Quando algo dá errado, é mais fácil culpar o vizinho, o suposto inimigo, o desafeto. Assim nos isentamos da responsabilidade. E há todo um entorno social que endossa essa postura. Aliás, há um mercado bastante lucrativo que estimula esse tipo de pensamento.
Algo anda mal com você? Recorra a um pai de santo, a uma cartomante, faça uma macumba. Reze. Pague para sair dessa, se preciso for. Nada contra. Pode ser um recurso legítimo, mas o efeito se parece mais com o de um placebo. O que a gente não costuma fazer é acessar o nosso arquivo mental e tentar descobrir onde está a falha, a desconexão. Porque é certo que quando tudo parece desandar as causas estão bem mais próximas do que imaginamos. Mas é difícil fazer esse mapeamento e assumir culpas. Mais: admitir certos boicotes, que costumam resultar da fragilidade típica de quem se habituou a se sentir vítima de tudo e de todos. As palavras redentoras são essas: os outros. Com isso não preciso fazer nada além de lamentar o meu infortúnio, pobre ser chicoteado pelo destino. E não importa o tamanho da injustiça que sofremos. Na contabilidade final, permanece a certeza de que não merecíamos passar por isso.
Talvez a porta de entrada para o mundo adulto se encontre exatamente aí: na percepção de que somos os artífices da maioria das coisas que acontecem conosco. É difícil traduzir isso através da linguagem. Pode ser que a expressão correta seja simplesmente essa: assumir nossos atos. Mesmo quando os efeitos são desastrosos e os fatores que os provocaram pareçam desconhecidos. Ao ampliar as investigações, descobrimos que bem e mal são conceitos que não transcendem o nosso próprio eu. E é dentro do movimento sutil de cada dia que vamos encontrar respostas. Ou, pelo menos, uma tranquilidade que exonere as culpas. E a pior delas é a terceirizada. Os pilares de muitas religiões são colocados exatamente nesse terreno. E quem sou eu para negar o conforto que conseguem dar a tantos órfãos de um sentido para a existência.
Permanecer de olhos abertos não é fácil. Mas se fechar em dogmas equivale a colocar um par de algemas em si mesmo. Até somos capazes de continuar caminhando, mas uma boa parte da nossa liberdade foi perdida. Eu continuo me deseducando. E nesse processo está a vontade de recuperar alguns campos que não estão definitivamente contaminados pela lógica e pelos precários cinco sentidos. Existe algo lá fora, afinal? Não sei, mas me agrada a ideia de conseguir suportar esse hiato de solidão, ancorado na coragem e no desafio. Continuo caminhando no deserto, mas com a convicção de que uma terra prometida poderá ser avistada algum dia.
Voltando ao amigo perseguido por forças ocultas, posso dizer que hoje, passados alguns meses, uma camada muito tênue de comprometimento já se torna perceptível nele. Disse-me que chama isso de efeito bumerangue. De alguma maneira, as coisas voltam. Há uma circularidade impressionante em tudo. E para descobrir isso, não recorreu a nenhum expediente de ordem espiritual. Ele simplesmente está aprendendo a difícil arte da autoanálise. Nem sempre é muito bonito o que encontramos nessas escavações. Mas é a única maneira de parar de gritar contra Deus e o mundo sobre aquilo que nos acontece. Virtude e recompensa nem sempre andam juntas. Superstição e fracasso, sim.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Ponto de impacto fulminante de um recomeço
Se quer finjir que esse desprezo é verdade,
da pra notar,seu sorriso esconde lágrimas de saudade
Se fosse mesmo somente uma mentira
aceite os fatos,o que eu coloquei em você,nada tira
Com a clareza das mudanças,tudo pode acontecer
e o anjo que eu cultivei fez um demônio nascer,
o medo anda lado a lado com a insegurança,
e a cada passo assustado,cai no esquecimento a lembrança
Mas guerreiros foram feitos pra suportar a dor,
apenas com a motivação de que nada supera o amor.
Tudo que é perfeito não passa de ilusão,
e se amar for um defeito,não existe perfeição.
Toda ação tem sua consequência num momento
e o mal que passou hoje,vem de volta com o vento
só olhos de dor conseguem ver o mal,
e o erro da incompreenção é sempre fatal.
Não existe mal tão grande que não va acabar,
nem bem tão intacto que sempre va durar.
A vida tem o costume de tentar nos derrubar,
e poucos tem o dom de cair,levantar e recomeçar...
quantas vezes forem necessárias até o sonho esperado alcançar.
Sidney Lobo Jr
Se quer finjir que esse desprezo é verdade,
da pra notar,seu sorriso esconde lágrimas de saudade
Se fosse mesmo somente uma mentira
aceite os fatos,o que eu coloquei em você,nada tira
Com a clareza das mudanças,tudo pode acontecer
e o anjo que eu cultivei fez um demônio nascer,
o medo anda lado a lado com a insegurança,
e a cada passo assustado,cai no esquecimento a lembrança
Mas guerreiros foram feitos pra suportar a dor,
apenas com a motivação de que nada supera o amor.
Tudo que é perfeito não passa de ilusão,
e se amar for um defeito,não existe perfeição.
Toda ação tem sua consequência num momento
e o mal que passou hoje,vem de volta com o vento
só olhos de dor conseguem ver o mal,
e o erro da incompreenção é sempre fatal.
Não existe mal tão grande que não va acabar,
nem bem tão intacto que sempre va durar.
A vida tem o costume de tentar nos derrubar,
e poucos tem o dom de cair,levantar e recomeçar...
quantas vezes forem necessárias até o sonho esperado alcançar.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Não se sacrifique
Enquanto estamos envolvidos amorosamente com alguém, acreditamos que qualquer sacrifício vale a pena. Que só o fato de merecer atenção e afeto justificam o desvelo, a total abnegação. É assim entre apaixonados, entre pais e filhos. E o mesmo se pode dizer daqueles amigos que têm uma alma parecida com a nossa. Mas o tempo passa e tudo arrefece. O que antes foi motivo de exultação e felicidade pode se transformar em indiferença ou, em casos mais extremos, em ódio – vide o que ocorre em algumas separações conjugais. Talvez seja a causa de eu nunca ter invejado amores viscerais, esses que nos deslocam de nossa órbita existencial. Primeiro: é uma situação em que precisamos fazer uma escolha, uma única escolha, em detrimento de tantas outras que se apresentam a nossa frente. Segundo: é sempre perigoso colocar muitas expectativas em alguém. A intimidade acaba gerando, inevitavelmente, algumas decepções. E a consequência imediata é a de uma cobrança descomunal: “Eu, que fiz tudo por você, só recebo em troca ingratidão.” Parece letra de bolero, mas muitas vezes ela é dita com insistência assustadora.
Por isso me encantam mais os sentimentos discretos, amenos, esses que não precisam ser gritados nas esquinas para todo mundo ouvir. Amor bom vai se espalhando mansamente, sem a pretensão de virar roteiro de filme, no gênero drama. Passar a vida abdicando do que é importante para nós, oferecendo incondicionalmente dedicação e zelo, não costuma trazer bons resultados a longo prazo. Em algum momento, que pode ser daqui a seis meses ou vinte anos, pouco importa, sacaremos do bolso a conta e cobraremos com juros e correção monetária. Atire a primeira pedra quem nunca agiu assim. Tudo que sentimos vai oscilando, mudando de intensidade. Raros conseguem doar-se sem o desejo da reciprocidade. Não resta dúvida que alguns seres mais elevados sabem praticar a abnegação irrestrita. Fazem isso e, assim que percebem que sua presença não é mais desejada, assinam a carta de alforria. De ambos. Aprenderam a sair de cena sem apresentar a fatura do seu amor. Mas é preciso muito treino para se chegar a esse estado de evolução.
Somos criaturas que acumulam não somente objetos materiais, mas também o invisível que se esconde nas dobras do nosso pensamento. É difícil saber o quanto de entrega deve acontecer para não contaminar, futuramente, o que hoje nos parece um encontro movido pelo desinteresse. É um campo em que a ânsia de permanência encontra pesadas barreiras, a começar pela rotina e pela necessidade de preenchermos as horas com atividades que nos garantam a sobrevivência. Talvez seja melhor buscar o equilíbrio, traduzido em pequenas doses diárias de afeto, nada muito avassalador. Não perceber os componentes mesquinhos e interesseiros que também fazem parte dos contatos entre os seres humanos é puro auto-engano. Aceitável somente em alguns momentos de fragilidade emocional.
Se a nossa vontade é de dilatar através dos anos a ligação que temos com parentes, amigos e amores, é bom ir aprendendo desde já a praticar a parcimônia. Evitaremos muitas brigas e, o melhor de tudo, não avaliaremos em gramas o que estamos doando. É só olhar ao redor para descobrir como isso atrasa o nosso crescimento. Ficamos parecendo essas crianças que, diante de um parque repleto de brinquedos novos, se recusa a largar o seu, por mais puído que esteja.
Resista à tentação de se tornar um mártir. É puro masoquismo, ninguém vai valorizar isso, muito menos o seu terapeuta. Já dei muita escorregadela por aí, mas felizmente as escoriações foram superficiais. Hoje sou gato escaldado e penso duas vezes antes de proferir essa frase: “Eu faria qualquer coisa por você.” Não faça. Estabeleça um limite e sele o pacto consigo mesmo. Isso é gostar. Precisamos ter cuidado e não pesar uma tonelada para os outros. A palavra mágica continua sendo essa: leveza.
Por isso me encantam mais os sentimentos discretos, amenos, esses que não precisam ser gritados nas esquinas para todo mundo ouvir. Amor bom vai se espalhando mansamente, sem a pretensão de virar roteiro de filme, no gênero drama. Passar a vida abdicando do que é importante para nós, oferecendo incondicionalmente dedicação e zelo, não costuma trazer bons resultados a longo prazo. Em algum momento, que pode ser daqui a seis meses ou vinte anos, pouco importa, sacaremos do bolso a conta e cobraremos com juros e correção monetária. Atire a primeira pedra quem nunca agiu assim. Tudo que sentimos vai oscilando, mudando de intensidade. Raros conseguem doar-se sem o desejo da reciprocidade. Não resta dúvida que alguns seres mais elevados sabem praticar a abnegação irrestrita. Fazem isso e, assim que percebem que sua presença não é mais desejada, assinam a carta de alforria. De ambos. Aprenderam a sair de cena sem apresentar a fatura do seu amor. Mas é preciso muito treino para se chegar a esse estado de evolução.
Somos criaturas que acumulam não somente objetos materiais, mas também o invisível que se esconde nas dobras do nosso pensamento. É difícil saber o quanto de entrega deve acontecer para não contaminar, futuramente, o que hoje nos parece um encontro movido pelo desinteresse. É um campo em que a ânsia de permanência encontra pesadas barreiras, a começar pela rotina e pela necessidade de preenchermos as horas com atividades que nos garantam a sobrevivência. Talvez seja melhor buscar o equilíbrio, traduzido em pequenas doses diárias de afeto, nada muito avassalador. Não perceber os componentes mesquinhos e interesseiros que também fazem parte dos contatos entre os seres humanos é puro auto-engano. Aceitável somente em alguns momentos de fragilidade emocional.
Se a nossa vontade é de dilatar através dos anos a ligação que temos com parentes, amigos e amores, é bom ir aprendendo desde já a praticar a parcimônia. Evitaremos muitas brigas e, o melhor de tudo, não avaliaremos em gramas o que estamos doando. É só olhar ao redor para descobrir como isso atrasa o nosso crescimento. Ficamos parecendo essas crianças que, diante de um parque repleto de brinquedos novos, se recusa a largar o seu, por mais puído que esteja.
Resista à tentação de se tornar um mártir. É puro masoquismo, ninguém vai valorizar isso, muito menos o seu terapeuta. Já dei muita escorregadela por aí, mas felizmente as escoriações foram superficiais. Hoje sou gato escaldado e penso duas vezes antes de proferir essa frase: “Eu faria qualquer coisa por você.” Não faça. Estabeleça um limite e sele o pacto consigo mesmo. Isso é gostar. Precisamos ter cuidado e não pesar uma tonelada para os outros. A palavra mágica continua sendo essa: leveza.
sábado, 18 de agosto de 2012
Conforme o entendimento
Se eu olhar para o meu passado na tentativa de descobrir porque agi dessa ou daquela maneira em determinado momento, é provável que as razões me escapem. Estamos fadados a não compreender nossas motivações quando esquecemos o que as gerou. E aí surge a inevitável pergunta: por que será que fiz essa escolha e não outra? Pequenos martírios começam a invadir nossa mente, sempre inúteis, pois o que somos hoje se sobrepõe, e muitas vezes apaga, o que queríamos e pensávamos outrora. É por isso que essas revisões analíticas às vezes fracassam. Sob a luz da psicanálise, tais incursões podem nos ajudar a desvendar comportamentos atuais, mapeando algumas áreas sombrias do nosso ser. Para uns funciona; para outros acaba somente gerando mais culpa.
Talvez a beleza da existência resida exatamente nisso: na descoberta de que estamos à deriva. Não há bússola condutora e é destino de todos seguir tateando aleatoriamente em busca de uma porta, de uma saída. Investigações interiores podem ganhar significação na medida em que aceitamos o equívoco como um elemento fundamental do enredo que continuamos escrevendo. Para o budismo, a consciência é fruto direto do grau de entendimento que temos da realidade que nos cerca. Dou-me como exemplo: quando criança, fazia pequenas armadilhas com galhos cobertos por visgo que retirava de uma árvore. Assim que um pássaro pousasse nele ficava preso até que eu fosse lá e o “libertasse”, rumo a uma gaiola. Menino criado no interior, agia mais por impulso e repetindo o que via no mundo adulto do que por um desejo pessoal de me apropriar dessas pequenas criaturas que eu acabava privando do céu. Havia maldade premeditada nisso? Provavelmente não. E assim também é quando, movidos por algum tipo de ignorância, acabamos involuntariamente causando sofrimento.
Viver é acumular experiências, mas é também aprender a selecionar. Hoje sei com mais clareza o que provoca dano e o que é inofensivo. Espero saber um pouco mais amanhã. Se eu escolher o caminho da agressão, da violência calculada, aí sim serei plenamente responsável. Mas tento aceitar o equívoco e me perdoar sempre que não houve dolo, não houve intenção de ferir. A clareza é resultado direto do cuidado que temos em preservar e respeitar o que sente e respira. E, numa perspectiva mais poética, podemos acreditar que nem as pedras são privadas de um certo tipo de “sensibilidade”. Esse é um dos grandes pecados dos dias atuais: achar que o mundo está a nosso serviço, quando é exatamente o contrário. Na semana passada, andando pelas ruas centrais da cidade, surpreendi-me olhando para os passantes com interesse filosófico, por assim dizer. Sentia-me bastante melancólico e, envolto em mim mesmo, doía-me a indiferença do mundo. Porém, na medida em que fui me fixando nos rostos alheios, percebendo que alguns também demonstravam igual estado, dei-me conta da insignificância deste autocentramento. Por outro lado, essa percepção teve um caráter quase religioso, pois me colocou em conexão com pessoas que até então nada significavam para mim.
Uma simples mudança de perspectiva pode aniquilar a dor, fazendo-nos compreender o quanto somos levados a atribuir importância a coisas e situações que não a têm. A verdade é que a gente sempre faz o que pode. Do jeito que pode, na hora que pode. Mesmo nos munindo de toda a disposição, não conseguimos ir além do que conhecemos e acreditamos no momento. Não é de se estranhar que os grandes mestres repitam: “Atenção, atenção, atenção!” O equívoco é sempre fruto da distração, da nossa tendência em ficar olhando para o lado, quando o mais importante acontece diante e dentro de nós. Não sei se a morte é um fim, um começo ou um meio. Mesmo que tudo se esgote aqui, precisamos escolher com o máximo de lucidez. E agir. Os santos e os assassinos em algum momento se igualam: ambos fazem o que é possível com o que extraíram da vida. O horror e a beleza acabam se misturando nessa misteriosa viagem que começa e termina tão rapidamente. Vale lembrar uma exortação que se encontra na Bíblia: “O que te vier à mão para fazer, faze-o conforme tuas forças, pois na sepultura não há obra nem sabedoria alguma.”
Não desprezemos o erro: ele é o degrau mais seguro para ver um pouco acima, um pouco além, através de tudo.
Talvez a beleza da existência resida exatamente nisso: na descoberta de que estamos à deriva. Não há bússola condutora e é destino de todos seguir tateando aleatoriamente em busca de uma porta, de uma saída. Investigações interiores podem ganhar significação na medida em que aceitamos o equívoco como um elemento fundamental do enredo que continuamos escrevendo. Para o budismo, a consciência é fruto direto do grau de entendimento que temos da realidade que nos cerca. Dou-me como exemplo: quando criança, fazia pequenas armadilhas com galhos cobertos por visgo que retirava de uma árvore. Assim que um pássaro pousasse nele ficava preso até que eu fosse lá e o “libertasse”, rumo a uma gaiola. Menino criado no interior, agia mais por impulso e repetindo o que via no mundo adulto do que por um desejo pessoal de me apropriar dessas pequenas criaturas que eu acabava privando do céu. Havia maldade premeditada nisso? Provavelmente não. E assim também é quando, movidos por algum tipo de ignorância, acabamos involuntariamente causando sofrimento.
Viver é acumular experiências, mas é também aprender a selecionar. Hoje sei com mais clareza o que provoca dano e o que é inofensivo. Espero saber um pouco mais amanhã. Se eu escolher o caminho da agressão, da violência calculada, aí sim serei plenamente responsável. Mas tento aceitar o equívoco e me perdoar sempre que não houve dolo, não houve intenção de ferir. A clareza é resultado direto do cuidado que temos em preservar e respeitar o que sente e respira. E, numa perspectiva mais poética, podemos acreditar que nem as pedras são privadas de um certo tipo de “sensibilidade”. Esse é um dos grandes pecados dos dias atuais: achar que o mundo está a nosso serviço, quando é exatamente o contrário. Na semana passada, andando pelas ruas centrais da cidade, surpreendi-me olhando para os passantes com interesse filosófico, por assim dizer. Sentia-me bastante melancólico e, envolto em mim mesmo, doía-me a indiferença do mundo. Porém, na medida em que fui me fixando nos rostos alheios, percebendo que alguns também demonstravam igual estado, dei-me conta da insignificância deste autocentramento. Por outro lado, essa percepção teve um caráter quase religioso, pois me colocou em conexão com pessoas que até então nada significavam para mim.
Uma simples mudança de perspectiva pode aniquilar a dor, fazendo-nos compreender o quanto somos levados a atribuir importância a coisas e situações que não a têm. A verdade é que a gente sempre faz o que pode. Do jeito que pode, na hora que pode. Mesmo nos munindo de toda a disposição, não conseguimos ir além do que conhecemos e acreditamos no momento. Não é de se estranhar que os grandes mestres repitam: “Atenção, atenção, atenção!” O equívoco é sempre fruto da distração, da nossa tendência em ficar olhando para o lado, quando o mais importante acontece diante e dentro de nós. Não sei se a morte é um fim, um começo ou um meio. Mesmo que tudo se esgote aqui, precisamos escolher com o máximo de lucidez. E agir. Os santos e os assassinos em algum momento se igualam: ambos fazem o que é possível com o que extraíram da vida. O horror e a beleza acabam se misturando nessa misteriosa viagem que começa e termina tão rapidamente. Vale lembrar uma exortação que se encontra na Bíblia: “O que te vier à mão para fazer, faze-o conforme tuas forças, pois na sepultura não há obra nem sabedoria alguma.”
Não desprezemos o erro: ele é o degrau mais seguro para ver um pouco acima, um pouco além, através de tudo.
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
O QUE NÃO É AMOR
Já falou-se tanto em amor, amizade e paixão,
mas não se fala do que não é amor.
Se você precisa de alguém para ser feliz,
isso não é amor.
Já falou-se tanto em amor, amizade e paixão,
mas não se fala do que não é amor.
Se você precisa de alguém para ser feliz,
isso não é amor.
É carência!
Se você tem ciúme, insegurança e faz qualquer coisa para conservar alguém ao seu lado, mesmo sabendo que não é amado e ainda diz que confia nessa pessoa, mas não nos outros, que lhe parecem todos rivais,
isso não é amor.
É falta de amor próprio!
Se você acredita que " ruim com ela(e), pior sem ela(e) ", e sua vida fica vazia sem essa pessoa, não consegue se imaginar sozinho(a) e mantém um relacionamento que já acabou só porque não tem vida própria - existe em função do outro -
isso não é amor.
É dependência!
Se você acha que o ser amado lhe pertence,
sente-se dono (a) e senhor(a) de sua vida e de seu corpo, não lhe dá o direito de se expressar, de ter escolhas, só para afirmar seu domínio,
isso não é amor.
É egoísmo!
Se você não sente desejo, não se realiza sexualmente, prefere nem ter relações sexuais com essa pessoa, porém sente algum prazer em estar ao lado dela,
isso não é amor.
É amizade!
Se vocês discutem por qualquer motivo,
morrem de ciúmes um do outro e brigam por qualquer coisa, nem sempre fazem os mesmos planos, discordam em diversas situações,
não gostam de fazer as mesmas coisas
ou ir aos mesmos lugares,
mas sexualmente combinam perfeitamente,
isso não é amor.
É desejo!
Se seu coração palpita mais forte,
o suor torna-se intenso, sua temperatura sobe
e desce vertiginosamente,
apenas em pensar na outra pessoa,
isso não é amor.
É paixão!
Agora, sabendo o que não é amor,
fica mais fácil analisar,
verificar o que está acontecendo
e procurar resolver a situação
ou se programar para atrair alguém por quem sinta carinho e desejo, que sinta o mesmo por você, para que possam construir um relacionamento equilibrado.
Aí sim, este é o Verdadeiro e Eterno Amor!
Meu pai me disse um dia:
"Filho... você terá três tipos de pessoa
na sua vida:
- Um amigo, aquela pessoa que você terá sempre em grande estima, que você sabe que poderá contar sempre; que bastará você insinuar que está precisando de ajuda e a ajuda está sendo dada;
- Uma amante, aquela pessoa que faz o seu coração pulsar; que fará com que você flutue e nada importará quando vocês estiverem juntos;
- Uma paixão, aquela pessoa que você amará, desejará incondicionalmente, às vezes nem lhe importando se ela lhe quer ou não, e talvez ela nem fique sabendo disso.
Mas, se você conseguir reunir essa três pessoas numa só - pode ter certeza meu filho:
- Você encontrou a Felicidade."
(Augusto Schimanski)
Se você tem ciúme, insegurança e faz qualquer coisa para conservar alguém ao seu lado, mesmo sabendo que não é amado e ainda diz que confia nessa pessoa, mas não nos outros, que lhe parecem todos rivais,
isso não é amor.
É falta de amor próprio!
Se você acredita que " ruim com ela(e), pior sem ela(e) ", e sua vida fica vazia sem essa pessoa, não consegue se imaginar sozinho(a) e mantém um relacionamento que já acabou só porque não tem vida própria - existe em função do outro -
isso não é amor.
É dependência!
Se você acha que o ser amado lhe pertence,
sente-se dono (a) e senhor(a) de sua vida e de seu corpo, não lhe dá o direito de se expressar, de ter escolhas, só para afirmar seu domínio,
isso não é amor.
É egoísmo!
Se você não sente desejo, não se realiza sexualmente, prefere nem ter relações sexuais com essa pessoa, porém sente algum prazer em estar ao lado dela,
isso não é amor.
É amizade!
Se vocês discutem por qualquer motivo,
morrem de ciúmes um do outro e brigam por qualquer coisa, nem sempre fazem os mesmos planos, discordam em diversas situações,
não gostam de fazer as mesmas coisas
ou ir aos mesmos lugares,
mas sexualmente combinam perfeitamente,
isso não é amor.
É desejo!
Se seu coração palpita mais forte,
o suor torna-se intenso, sua temperatura sobe
e desce vertiginosamente,
apenas em pensar na outra pessoa,
isso não é amor.
É paixão!
Agora, sabendo o que não é amor,
fica mais fácil analisar,
verificar o que está acontecendo
e procurar resolver a situação
ou se programar para atrair alguém por quem sinta carinho e desejo, que sinta o mesmo por você, para que possam construir um relacionamento equilibrado.
Aí sim, este é o Verdadeiro e Eterno Amor!
Meu pai me disse um dia:
"Filho... você terá três tipos de pessoa
na sua vida:
- Um amigo, aquela pessoa que você terá sempre em grande estima, que você sabe que poderá contar sempre; que bastará você insinuar que está precisando de ajuda e a ajuda está sendo dada;
- Uma amante, aquela pessoa que faz o seu coração pulsar; que fará com que você flutue e nada importará quando vocês estiverem juntos;
- Uma paixão, aquela pessoa que você amará, desejará incondicionalmente, às vezes nem lhe importando se ela lhe quer ou não, e talvez ela nem fique sabendo disso.
Mas, se você conseguir reunir essa três pessoas numa só - pode ter certeza meu filho:
- Você encontrou a Felicidade."
(Augusto Schimanski)
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
"Gostaríamos de compartilhar que depois de um período separados e de grande reflexão, de ambos os lados, estamos juntos novamente.
Acreditamos no amor que sentimos um pelo outro, e queremos passar por todas as dificuldades juntos. Todos erramos, uns mais, outros menos, e vivemos para aprender e crescer com esses erros.
Amar é aparar arestas, e estamos passando por mais um obstáculo, difícil e doloroso, em nossas vidas, mas não impossível.
Queremos agradecer a todos que nos apoiaram juntos ou individualmente."
Acreditamos no amor que sentimos um pelo outro, e queremos passar por todas as dificuldades juntos. Todos erramos, uns mais, outros menos, e vivemos para aprender e crescer com esses erros.
Amar é aparar arestas, e estamos passando por mais um obstáculo, difícil e doloroso, em nossas vidas, mas não impossível.
Queremos agradecer a todos que nos apoiaram juntos ou individualmente."
sexta-feira, 27 de julho de 2012
O amor vagava por dentro
Mais forte do que você
Mais forte do que eu
E agora que ele aconteceu
Não podemos voltar
Só podemos nos tornar um
Refrão:
E eu nunca estarei longe
demais para sentir você
E não hesitarei de jeito nenhum
Sempre que você chamar
E sempre lembrarei
Daquela parte de você tão terna
Eu serei aquela que apanhará sua queda
Sempre que você chamar
E estou verdadeiramente inspirada
Encontrando minha alma lá nos seus olhos
E você abriu meu coração
E me levantou por dentro
Mostrando-se a mim sem disfarce
E eu rezarei por você a cada dia
Confortarei você por toda a dor
Gentilmente darei um beijo de adeus aos seus medos
Você pode se virar para mim e chorar
Entenda sempre que eu
Lhe dou tudo que tenho dentro de mim
Mais forte do que você
Mais forte do que eu
E agora que ele aconteceu
Não podemos voltar
Só podemos nos tornar um
Refrão:
E eu nunca estarei longe
demais para sentir você
E não hesitarei de jeito nenhum
Sempre que você chamar
E sempre lembrarei
Daquela parte de você tão terna
Eu serei aquela que apanhará sua queda
Sempre que você chamar
E estou verdadeiramente inspirada
Encontrando minha alma lá nos seus olhos
E você abriu meu coração
E me levantou por dentro
Mostrando-se a mim sem disfarce
E eu rezarei por você a cada dia
Confortarei você por toda a dor
Gentilmente darei um beijo de adeus aos seus medos
Você pode se virar para mim e chorar
Entenda sempre que eu
Lhe dou tudo que tenho dentro de mim
segunda-feira, 23 de julho de 2012
A natureza do mal
Durante muito tempo resisti em definir as pessoas como boas ou ruins, simplesmente. Preferia adotar um sistema de classificação pessoal que me permitisse ver a todos como uma mescla de comportamentos que ora pendiam para um lado, ora para o outro. Não gosto dessas visões reducionistas, que traduzem tudo como preto ou branco. Sem nuances. Motivados por interesses individuais, cada um de nós manifesta suas características positivas ou nefastas ao sabor das circunstâncias. Nem nos preocupamos muito em controlá-las. Geralmente são inofensivas ou, quanto muito, de curto alcance, visando prejudicar algum desafeto do momento.
A convivência quase que diária com alguém que se inclina claramente para o mal está fazendo com que eu mude de opinião. Sim, em algum instante de nossa vida acabamos esbarrando em criaturas que se comprazem em prejudicar os outros, que se nutrem de ressentimento e têm um total descaso pela dor que estão provocando. Criam um inferno ao seu redor unicamente por existirem. E assim o é porque fazem todo o esforço possível para escurecer o espaço que ocupam. São muito infelizes e projetam seu rancor sobre colegas e até desconhecidos.
Penso nesse ser embrutecido que, por enquanto, sou obrigado a suportar. À luz da psiquiatria, poderia ser catalogado como um psicopata. Tudo está bem desde que não seja contrariado. Porém, diante da menor adversidade, da discordância saudável que muitas vezes o contato mais próximo gera, o monstro que dorme dentro dele desperta. Muitas vezes não se dá em forma de agressividade, mas de ironia, de frases de sentido dúbio, de sorrisos debochados. Exercita sua crueldade sem perder a calma. Desconfio que seria capaz de matar alguém com uma frieza digna de um personagem de Hitchcock.
Sem poder, já tem se revelado perigoso. Fico imaginando se tivesse algum cargo, como se deleitaria em espalhar terror e medo a quilômetros de distância. Muitas vezes me ponho a observar o tipo de linguagem que usa, como se veste, os amigos ao redor de quem gravita. Tento traçar um perfil mais exato na tentativa quase desesperada de me proteger. Tudo em vão, pois se há uma característica que define essas almas doentias é a inteligência ou, mais precisamente, a astúcia. Costumam ser excelentes profissionais, os primeiros a chegar e os últimos a sair de sua sala de trabalho. Aparentemente amam o que fazem, mas o propósito é outro. Ao se excederem em suposta dedicação nada mais pretendem do que abocanhar todo conhecimento possível para que ele não seja dividido com mais ninguém. O nome correto que se deve dar a isso é egoísmo.
Gostaria de estar, por algumas horas, dentro de sua cabeça psiquicamente deformada. Será que sente remorso? A dor dos outros o deixa indiferente? Pode-se esperar que mude? Questões para as quais acredito não obterei resposta alguma. Enquanto isso, reflito sobre a natureza do mal, sobre o que nos leva a sentir prazer em humilhar quem partilha conosco a alegria de estar produzindo, de estar em contato com quem pode nos ensinar a alquimia da existência.
Talvez um dia os laboratórios farmacêuticos consigam inventar um remédio que cure esta patologia. O pequeno consolo que nos resta é saber que provavelmente todo o veneno que destilam também circula em suas veias. Imagino-os retorcendo-se interiormente em busca de novas ideias maquiavélicas. O cansaço que isso deve dar! Que os deuses nos protejam de quem se compraz em matar. Mesmo que seja só com palavras.
A convivência quase que diária com alguém que se inclina claramente para o mal está fazendo com que eu mude de opinião. Sim, em algum instante de nossa vida acabamos esbarrando em criaturas que se comprazem em prejudicar os outros, que se nutrem de ressentimento e têm um total descaso pela dor que estão provocando. Criam um inferno ao seu redor unicamente por existirem. E assim o é porque fazem todo o esforço possível para escurecer o espaço que ocupam. São muito infelizes e projetam seu rancor sobre colegas e até desconhecidos.
Penso nesse ser embrutecido que, por enquanto, sou obrigado a suportar. À luz da psiquiatria, poderia ser catalogado como um psicopata. Tudo está bem desde que não seja contrariado. Porém, diante da menor adversidade, da discordância saudável que muitas vezes o contato mais próximo gera, o monstro que dorme dentro dele desperta. Muitas vezes não se dá em forma de agressividade, mas de ironia, de frases de sentido dúbio, de sorrisos debochados. Exercita sua crueldade sem perder a calma. Desconfio que seria capaz de matar alguém com uma frieza digna de um personagem de Hitchcock.
Sem poder, já tem se revelado perigoso. Fico imaginando se tivesse algum cargo, como se deleitaria em espalhar terror e medo a quilômetros de distância. Muitas vezes me ponho a observar o tipo de linguagem que usa, como se veste, os amigos ao redor de quem gravita. Tento traçar um perfil mais exato na tentativa quase desesperada de me proteger. Tudo em vão, pois se há uma característica que define essas almas doentias é a inteligência ou, mais precisamente, a astúcia. Costumam ser excelentes profissionais, os primeiros a chegar e os últimos a sair de sua sala de trabalho. Aparentemente amam o que fazem, mas o propósito é outro. Ao se excederem em suposta dedicação nada mais pretendem do que abocanhar todo conhecimento possível para que ele não seja dividido com mais ninguém. O nome correto que se deve dar a isso é egoísmo.
Gostaria de estar, por algumas horas, dentro de sua cabeça psiquicamente deformada. Será que sente remorso? A dor dos outros o deixa indiferente? Pode-se esperar que mude? Questões para as quais acredito não obterei resposta alguma. Enquanto isso, reflito sobre a natureza do mal, sobre o que nos leva a sentir prazer em humilhar quem partilha conosco a alegria de estar produzindo, de estar em contato com quem pode nos ensinar a alquimia da existência.
Talvez um dia os laboratórios farmacêuticos consigam inventar um remédio que cure esta patologia. O pequeno consolo que nos resta é saber que provavelmente todo o veneno que destilam também circula em suas veias. Imagino-os retorcendo-se interiormente em busca de novas ideias maquiavélicas. O cansaço que isso deve dar! Que os deuses nos protejam de quem se compraz em matar. Mesmo que seja só com palavras.
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Tempo...
Quando você encontrar a outra metade da sua alma, você vai entender porque todos os outros amores deixaram você ir. Quando você encontrar a pessoa que realmente merece o seu coração, você vai entender porque as coisas não funcionaram com todos os outros..
O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina."
Rubem Alves
O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina."
Rubem Alves
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mario Quintana
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mario Quintana
domingo, 15 de julho de 2012
Coisas velhas
Somos vistos com desconfiança por quem é praticante da velocidade, da urgência, das novas estratégias
Troco qualquer casa nova por uma antiga. Adoro porões, sótãos, corredores... Gosto do que tem cheiro de tempo, do que é rugoso, áspero, manchado. O que reluz tem sua beleza, ninguém há de negar, mas não possui a força do que é lentamente macerado pelas horas, acumulando em suas dobras feições definitivas. O novo movimenta o mundo, seduz pelo brilho, pela intensidade de tons. Mas não há nada que se compare a um cartaz desbotado, um homem vergado caminhando lentamente por uma rua, uma toalha com seus bordados descoloridos.
Há uma espécie de conspiração pairando no ar. Esconde-se o que já foi usado sob o risco de parecer anacrônico. Somos analisados, aprovados ou rejeitados, pela possibilidade que temos de adquirir bens. Lojas lançam campanhas para nos mostrar que estamos ultrapassados, guardando objetos com mais de seis meses de uso. Publicitários eficientíssimos no convencimento alheio afiam sua criatividade para nos provar que espertos são os que olham para frente, se possível prevendo, imaginando, intuindo o que nos agradará. Nada de ficar parado, devaneando. Nada de ficar acariciando o que tem alguma marca, sulcos que mostram resquícios de uma memória feita de presenças indeléveis.
Preciso desafiar essa ditadura branda, pois corro o risco de me perder nesse mar de ofertas. Quero me debruçar atentamente sobre o que me acompanha há vinte, trinta anos. A página amarelada de um livro, uma camiseta gasta, um sofá esquecido num canto e aquela árvore que parece ter estado sempre ali, gravitando em meio a sua sombra. Pratico com meus amigos a fidelidade dos amantes apaixonados. Acumulo palavras, choros, mortes e nascimentos, uma alegria que não cabe no corpo. E enquanto olho para as estradas soterradas sob o asfalto, busco o perdido som que os sapatos faziam em contato com a terra. Uma pequena rachadura mostra um broto que se esgueira em busca de sol. Não posso comprar em nenhum mercado essa sensação de eternidade, de algo que não terminará jamais dentro de mim.
Penso nesses amores pueris que duram duas ou três semanas. Jovens conhecendo o cansaço antes da descoberta. Eu sei, eu sei, quem de nós já não foi seduzido e logo se enfarou? O que me entristece é ver que continuamos nos enfastiando rapidamente aos sessenta, setenta anos de idade. Daqui a pouco daremos o mesmo destino das coisas a quem cometeu o pecado de envelhecer. Até o que digo soa tão ultrapassado... O desejo da permanência é confessado discretamente, com medo de sermos punidos por esse crime execrado pelos guardiões do que reluz.
Remanescentes de uma época que idolatra o progresso, somos vistos com desconfiança por quem é praticante da velocidade, da urgência, das novas estratégias. Oradores de voz inflada nos incitam a jogar fora tudo o que não tem mais utilidade. Sim, esvaziar gavetas é um ato de sanidade mental. Mas precisamos nos desfazer de tudo, tudo mesmo? Como jogar fora aquele bilhete cheio de pequenos corações e frases banhadas de adolescência? E o estojo de lápis de cor que ainda guarda em suas pontas arco-íris, florestas, riachos amanhecendo? E, diga-me, o que faço senão amar sigilosamente o poema de Cecília que carrego desde sempre em minha pasta?
Guardar, que é diferente de acumular, passou a ser um ato quase subversivo. Mas não há traição maior do que etiquetar como inútil tudo o que não tem valor prático. Quero um museu para colocar em prateleiras de vidro todas as lembranças que vão envelhecendo comigo. Não pretendo ser um homem sem passado. Irei caminhando ao encontro dos dias com a certeza de que terei sempre perto de mim um imenso baú para adormecer a saudade.
Troco qualquer casa nova por uma antiga. Adoro porões, sótãos, corredores... Gosto do que tem cheiro de tempo, do que é rugoso, áspero, manchado. O que reluz tem sua beleza, ninguém há de negar, mas não possui a força do que é lentamente macerado pelas horas, acumulando em suas dobras feições definitivas. O novo movimenta o mundo, seduz pelo brilho, pela intensidade de tons. Mas não há nada que se compare a um cartaz desbotado, um homem vergado caminhando lentamente por uma rua, uma toalha com seus bordados descoloridos.
Há uma espécie de conspiração pairando no ar. Esconde-se o que já foi usado sob o risco de parecer anacrônico. Somos analisados, aprovados ou rejeitados, pela possibilidade que temos de adquirir bens. Lojas lançam campanhas para nos mostrar que estamos ultrapassados, guardando objetos com mais de seis meses de uso. Publicitários eficientíssimos no convencimento alheio afiam sua criatividade para nos provar que espertos são os que olham para frente, se possível prevendo, imaginando, intuindo o que nos agradará. Nada de ficar parado, devaneando. Nada de ficar acariciando o que tem alguma marca, sulcos que mostram resquícios de uma memória feita de presenças indeléveis.
Preciso desafiar essa ditadura branda, pois corro o risco de me perder nesse mar de ofertas. Quero me debruçar atentamente sobre o que me acompanha há vinte, trinta anos. A página amarelada de um livro, uma camiseta gasta, um sofá esquecido num canto e aquela árvore que parece ter estado sempre ali, gravitando em meio a sua sombra. Pratico com meus amigos a fidelidade dos amantes apaixonados. Acumulo palavras, choros, mortes e nascimentos, uma alegria que não cabe no corpo. E enquanto olho para as estradas soterradas sob o asfalto, busco o perdido som que os sapatos faziam em contato com a terra. Uma pequena rachadura mostra um broto que se esgueira em busca de sol. Não posso comprar em nenhum mercado essa sensação de eternidade, de algo que não terminará jamais dentro de mim.
Penso nesses amores pueris que duram duas ou três semanas. Jovens conhecendo o cansaço antes da descoberta. Eu sei, eu sei, quem de nós já não foi seduzido e logo se enfarou? O que me entristece é ver que continuamos nos enfastiando rapidamente aos sessenta, setenta anos de idade. Daqui a pouco daremos o mesmo destino das coisas a quem cometeu o pecado de envelhecer. Até o que digo soa tão ultrapassado... O desejo da permanência é confessado discretamente, com medo de sermos punidos por esse crime execrado pelos guardiões do que reluz.
Remanescentes de uma época que idolatra o progresso, somos vistos com desconfiança por quem é praticante da velocidade, da urgência, das novas estratégias. Oradores de voz inflada nos incitam a jogar fora tudo o que não tem mais utilidade. Sim, esvaziar gavetas é um ato de sanidade mental. Mas precisamos nos desfazer de tudo, tudo mesmo? Como jogar fora aquele bilhete cheio de pequenos corações e frases banhadas de adolescência? E o estojo de lápis de cor que ainda guarda em suas pontas arco-íris, florestas, riachos amanhecendo? E, diga-me, o que faço senão amar sigilosamente o poema de Cecília que carrego desde sempre em minha pasta?
Guardar, que é diferente de acumular, passou a ser um ato quase subversivo. Mas não há traição maior do que etiquetar como inútil tudo o que não tem valor prático. Quero um museu para colocar em prateleiras de vidro todas as lembranças que vão envelhecendo comigo. Não pretendo ser um homem sem passado. Irei caminhando ao encontro dos dias com a certeza de que terei sempre perto de mim um imenso baú para adormecer a saudade.
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.
Vinícius de MoraesEu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma...
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.
Ser feliz é encontrar força no perdão, esperanças nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros. É agradecer a Deus a cada minuto pelo milagre da vida.
Fernando Pessoaquinta-feira, 5 de julho de 2012
A MORTE NÃO É NADA - SANTO AGOSTINHO
A morte não é nada.
Apenas passei ao outro mundo.
Eu sou eu. Tu és tu.
O que fomos um para o outro ainda o somos.
Dá-me o nome que sempre me deste.
Fala-me como sempre me falaste.
Não mudes o tom a um triste ou solene.
Continua rindo com aquilo que nos fazia rir juntos.
Reza, sorri, pensa em mim, reza comigo.
Que o meu nome se pronuncie em casa
como sempre se pronunciou.
Sem nenhuma ênfase, sem rosto de sombra.
A vida continua significando o que significou:
continua sendo o que era.
O cordão de união não se quebrou.
Porque eu estaria for a de teus pensamentos,
apenas porque estou fora de tua vista ?
Não estou longe,
Somente estou do outro lado do caminho.
Já verás, tudo está bem.
Redescobrirás o meu coração,
e nele redescobrirás a ternura mais pura.
Seca tuas lágrimas e se me amas,
não chores mais.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Você sempre será especial !!!!!!
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
terça-feira, 3 de julho de 2012
''Saudade é amar um passado que ainda não passou,
É recusar um presente que nos machuca,
É não ver o futuro que nos convida.''
Pablo Neruda
É recusar um presente que nos machuca,
É não ver o futuro que nos convida.''
Pablo Neruda
segunda-feira, 2 de julho de 2012
Se fosse comigo...
Comigo e contigo – um mundo separa estas duas palavras
Sempre temos a solução ideal para os problemas dos outros. Quantas vezes, diante de um amigo que nos confidencia suas angústias, espantamo-nos como ele pode não encontrar a solução para o que o aflige. Tão simples, meu Deus, porque não faz isso, e mais isso, e mais aquilo. Ah, se fosse comigo... Tornamo-nos experts em conselhos que raramente usamos nas situações que nos envolvem. E o mais grave neste tipo de postura é que costumamos legislar sobre fatos que passam longe da nossa experiência. Somos grandes teóricos. Enchemos a boca com frases de efeito para propor o caminho ideal. Tenho aprendido, com alguns desvios de rota, que só temos o direito de falar sobre aquilo que já vivenciamos. E com restrições, pois cada um de nós reage de forma diferente, embora o roteiro pareça prosaicamente igual.
Imaginamos ser tão fácil (quando não é com a gente) superar o fim de um longo relacionamento, a morte de uma pessoa querida, a demissão de um emprego, a longa viagem de um filho. Nossa tendência imediata é sacar da manga uma fórmula quase sempre decorrente de uma observação ligeira, extraída de algo que vimos ou ouvimos falar. Ao longo dos anos, tenho tentado me omitir de dar opiniões levianas. Isso exige uma boa disciplina e um autocontrole maior ainda. Mas o resultado é uma boa dose de prudência na avaliação do humano e suas vicissitudes. Até porque quase nunca alcançamos as motivações que freiam ou impulsionam o comportamento alheio. Nem um profissional do campo psíquico, treinado ao longo dos anos, consegue sempre induzir seu paciente nas escolhas mais acertadas. Somos essa montanha de subjetividade que obedece a critérios individuais. O que vale pra mim, não vale pra ti. O previsível desaparece diante das emoções. Tolo aquele que, ao ser indagado sobre como reagiria frente a um assalto, por exemplo, tem uma resposta pronta, longe do sombreamento da dúvida e da elevada pulsação cardíaca que dele provavelmente se apoderaria.
Faço um exame de consciência e descubro que, na maioria das vezes em que pedi a opinião de alguma pessoa para elucidar uma dúvida ou encontrar um norte, segui o oposto do sugerido. Queremos, quanto muito, um ouvido atento para o que nos aflige. O passo seguinte, o da decisão, já não pertence mais a terceiros. Ao dizer isso, não me furto em reconhecer a importância de uma presença amiga. Não quero defender aqui a tese da autossuficiência. Há uma impressionante interdependência em tudo, sempre nos ensinaram os grandes iniciados das tradições religiosas. Claro que deletamos isso rapidamente, arvorando-nos poderes absolutos de decisão. Esquecemos, no entanto, que tudo aquilo que não sangra a alma está fadado a se tornar mera especulação.
Cada um sabe onde fica o seu nó górdio. O que desmente o poder de qualquer estatística. Não importa se oitenta por cento das pessoas reagem assim, eu tenho todo o direito de escolher o contrário. Se alguém se divorciou no mês passado e já está em busca de uma nova parceira na noite, ótimo para ele. Sinal que seu poder de recuperação afetiva é muito rápido. Ou não – pode ser uma reação desesperada para fugir da solidão que não conhecia há tantos anos. Como vamos saber? Deixemos que use os instrumentos interiores de que dispõe para amenizar um momento tão dramático como é o de uma ruptura amorosa. O mesmo vale para o luto. Uns se recuperam rapidamente. Outros precisam de meses, quando não de anos, para ressignificar a existência. Vamos repetir: só devemos falar daquilo que se conhece organicamente.
Comigo e contigo – um mundo separa essas duas palavras, essas duas identidades. O histórico de cada um costuma ser determinante para explicar muitas escolhas. Mas há uma área secreta onde deveríamos nos abrigar toda vez que desmoronamos. Nem sempre é possível encontrar uma voz sábia pronta a nos orientar em momentos difíceis. Mas ao mergulhar nesse misterioso espaço onde habitam os nossos fantasmas (o inconsciente ou o espírito, é somente uma questão de nome) estaremos inclinados a compreender melhor o silêncio e a prisão em que cada um está encerrado. Conhecemos pouco de nós e menos ainda dos que nos cercam. Ignorar isso é o primeiro passo para matar a tolerância e a compaixão.
Sempre temos a solução ideal para os problemas dos outros. Quantas vezes, diante de um amigo que nos confidencia suas angústias, espantamo-nos como ele pode não encontrar a solução para o que o aflige. Tão simples, meu Deus, porque não faz isso, e mais isso, e mais aquilo. Ah, se fosse comigo... Tornamo-nos experts em conselhos que raramente usamos nas situações que nos envolvem. E o mais grave neste tipo de postura é que costumamos legislar sobre fatos que passam longe da nossa experiência. Somos grandes teóricos. Enchemos a boca com frases de efeito para propor o caminho ideal. Tenho aprendido, com alguns desvios de rota, que só temos o direito de falar sobre aquilo que já vivenciamos. E com restrições, pois cada um de nós reage de forma diferente, embora o roteiro pareça prosaicamente igual.
Imaginamos ser tão fácil (quando não é com a gente) superar o fim de um longo relacionamento, a morte de uma pessoa querida, a demissão de um emprego, a longa viagem de um filho. Nossa tendência imediata é sacar da manga uma fórmula quase sempre decorrente de uma observação ligeira, extraída de algo que vimos ou ouvimos falar. Ao longo dos anos, tenho tentado me omitir de dar opiniões levianas. Isso exige uma boa disciplina e um autocontrole maior ainda. Mas o resultado é uma boa dose de prudência na avaliação do humano e suas vicissitudes. Até porque quase nunca alcançamos as motivações que freiam ou impulsionam o comportamento alheio. Nem um profissional do campo psíquico, treinado ao longo dos anos, consegue sempre induzir seu paciente nas escolhas mais acertadas. Somos essa montanha de subjetividade que obedece a critérios individuais. O que vale pra mim, não vale pra ti. O previsível desaparece diante das emoções. Tolo aquele que, ao ser indagado sobre como reagiria frente a um assalto, por exemplo, tem uma resposta pronta, longe do sombreamento da dúvida e da elevada pulsação cardíaca que dele provavelmente se apoderaria.
Faço um exame de consciência e descubro que, na maioria das vezes em que pedi a opinião de alguma pessoa para elucidar uma dúvida ou encontrar um norte, segui o oposto do sugerido. Queremos, quanto muito, um ouvido atento para o que nos aflige. O passo seguinte, o da decisão, já não pertence mais a terceiros. Ao dizer isso, não me furto em reconhecer a importância de uma presença amiga. Não quero defender aqui a tese da autossuficiência. Há uma impressionante interdependência em tudo, sempre nos ensinaram os grandes iniciados das tradições religiosas. Claro que deletamos isso rapidamente, arvorando-nos poderes absolutos de decisão. Esquecemos, no entanto, que tudo aquilo que não sangra a alma está fadado a se tornar mera especulação.
Cada um sabe onde fica o seu nó górdio. O que desmente o poder de qualquer estatística. Não importa se oitenta por cento das pessoas reagem assim, eu tenho todo o direito de escolher o contrário. Se alguém se divorciou no mês passado e já está em busca de uma nova parceira na noite, ótimo para ele. Sinal que seu poder de recuperação afetiva é muito rápido. Ou não – pode ser uma reação desesperada para fugir da solidão que não conhecia há tantos anos. Como vamos saber? Deixemos que use os instrumentos interiores de que dispõe para amenizar um momento tão dramático como é o de uma ruptura amorosa. O mesmo vale para o luto. Uns se recuperam rapidamente. Outros precisam de meses, quando não de anos, para ressignificar a existência. Vamos repetir: só devemos falar daquilo que se conhece organicamente.
Comigo e contigo – um mundo separa essas duas palavras, essas duas identidades. O histórico de cada um costuma ser determinante para explicar muitas escolhas. Mas há uma área secreta onde deveríamos nos abrigar toda vez que desmoronamos. Nem sempre é possível encontrar uma voz sábia pronta a nos orientar em momentos difíceis. Mas ao mergulhar nesse misterioso espaço onde habitam os nossos fantasmas (o inconsciente ou o espírito, é somente uma questão de nome) estaremos inclinados a compreender melhor o silêncio e a prisão em que cada um está encerrado. Conhecemos pouco de nós e menos ainda dos que nos cercam. Ignorar isso é o primeiro passo para matar a tolerância e a compaixão.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
A Dor da Separação
Quem está passando por uma separação parece que tudo se torna difícil de ser realizado. Perde-se a vontade de fazer qualquer coisa que seja por si mesma, ainda mais participar ou manter uma reeducação alimentar.
Isso pode ocorrer porque a pessoa acaba por se sentir tão sem valor, que não encontra forças para fazer algo por ela ou ainda, não acredita ser merecedora de nada que possa fazê-la sentir-se bem, como se houvesse uma culpa oculta por seus sentimentos. Mas podemos, e devemos, fazer algo para que consigamos suportar esse momento tão cruel e que parece não ter fim.
Separar-se de quem se ama não é uma tarefa das mais fáceis. É um momento de muita dor, como se tivessem atingido a nossa própria alma, que agora sangra de tal forma que parece não irá se cicatrizar nunca. As emoções ficam mais expostas e a razão parece sequer existir. Ficamos totalmente sem defesas e, assim, sem proteção. E o que mais nos pedem é que sejamos racionais. Como, quando tudo é sentido com tal intensidade que parece não existir espaço para a razão?
Quando a decisão pela separação é tomada pelos dois, que concordam ser esse o melhor caminho por não haver mais amor, respeito, amizade, objetivos em comum, já é difícil por todo o processo em si que envolve esse momento. Mas existem casos em que a separação acontece quando um, ou muitas vezes, os dois, ainda se amam, mas determinada situação os forçam a se separar.
Ou, ainda, há aquelas que são literalmente abandonadas, sem sequer ter participado da decisão ou sabem os reais fatores que levaram o outro a ir embora. O fato é que a separação quando existe amor é uma fase que machuca demais os envolvidos, não atingindo apenas quem já não sente mais amor, ou quem já está com outra pessoa em seu coração.
Para quem ainda ama, requer muito esforço voltar a sentir prazer pela vida. Afinal, que vida, se sentimos que quem foi levou um pedaço de nós? Dizem que o tempo é o melhor remédio, mas o tempo parece se intensificar e prolongar ainda mais o que tanto dói.
Hoje, sequer existem amigos para dividir esse momento e, muitas vezes, não há família, ou seja, não há ninguém com quem dividir a tristeza, a saudade, com quem falar das dúvidas e perguntas sem fim. Não há quem suporte ao nosso lado e preencha esse vazio tão intenso deixado por quem se foi e por tudo que se acreditou.
É exatamente isso que dá a sensação de vazio, os planos feitos, os sonhos que jamais serão realizados, ao menos com quem se acreditou que seriam. Tudo isso acabou! Acabou o nós e é preciso de novo voltar a dizer eu. Não há mais a nossa casa e sim, a minha. Não há mais as ligações diárias, os jantares a dois, os momentos de prazer, as preocupações divididas. Tudo agora terá que ser feito só.
A certeza de ter alguém que nos espere, que se preocupe, que nos ame, nos dá muitas vezes a segurança para continuar mais um dia e, que, de repente, não sentimos mais. Ficamos inseguras, frágeis, sensíveis e apenas com uma certeza: não somos amadas como esperávamos ser. E isso acaba por se refletir em todas as outras áreas de nossa vida, comprometendo nossa concentração, criatividade, o trabalho e até a própria saúde.
A tendência nesse momento é lembrar apenas de tudo que havia de bom, dos momentos de alegria. Mas será que era mesmo assim? Se fosse, haveria a separação? É preciso analisar todo o relacionamento para identificar o que era desejo, idealização e o que era realidade. A outra pessoa estava correspondendo aquilo que você esperava dela?
Será que nos últimos meses tudo era mesmo feito junto e com satisfação para ambos? Quem acabava sempre cedendo para agradar apenas ao outro? Quanto será que você não relevou, deixou para lá, não esperou que o outro mudasse? Quais eram os motivos dos desentendimentos, discussões e brigas? Os objetivos de cada um continuavam a ser os mesmos? Os valores também?
Existiam demonstrações constantes de amor? Os dois se sentiam amados e valorizados? O que levou ao distanciamento? Havia diálogo, trocas constante de carinho, cuidado com o outro? Ou será que as palavras de carinho começaram a dar lugar a ofensas e mágoas? Algumas palavras ditas ferem como arma afiada que penetram no mais íntimo de nosso ser, provocando feridas invisíveis, mas que dificilmente cicatrizam. Como e quando as coisas mudaram? Por que não se conseguiu evitar a separação?
Acaba sendo instintivo julgar o outro como responsável pelo nosso sofrimento em função de sua ausência. Mas será que agora você não está tão sozinha quando estavam juntos? Todos esses sentimentos, muitas vezes, contraditórios, podem nos deixar mais confusas ainda, quando o que mais precisamos é de serenidade e confiança.
Sentimos medo de errar de novo, de ficar sozinha, de ninguém mais querer dividir a vida conosco. De não ser mais amada, desejada. De não conseguir superar mais essa perda e, assim, nos isolamos, culpamos-nos pelo que fizemos e deixamos de fazer. E tudo parece não ter mais vida e nem sentido para se continuar vivendo. Será que está sentindo tudo isso porque o outro não está mais ao seu lado ou por que abandonou a si mesma há muito tempo?
É importante nesse momento você responder a si mesma todas essas perguntas com sinceridade para que possa entender todo esse processo e voltar a perceber o valor que com certeza você tem. Confrontar-se com os sentimentos que mais doem dentro de você é o caminho mais certo para buscar a força interior que tem e é o que mais precisa nesse momento.
Assinar:
Postagens (Atom)