segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Não se sacrifique



Enquanto estamos envolvidos amorosamente com alguém, acreditamos que qualquer sacrifício vale a pena. Que só o fato de merecer atenção e afeto justificam o desvelo, a total abnegação. É assim entre apaixonados, entre pais e filhos. E o mesmo se pode dizer daqueles amigos que têm uma alma parecida com a nossa. Mas o tempo passa e tudo arrefece. O que antes foi motivo de exultação e felicidade pode se transformar em indiferença ou, em casos mais extremos, em ódio – vide o que ocorre em algumas separações conjugais. Talvez seja a causa de eu nunca ter invejado amores viscerais, esses que nos deslocam de nossa órbita existencial. Primeiro: é uma situação em que precisamos fazer uma escolha, uma única escolha, em detrimento de tantas outras que se apresentam a nossa frente. Segundo: é sempre perigoso colocar muitas expectativas em alguém. A intimidade acaba gerando, inevitavelmente, algumas decepções. E a consequência imediata é a de uma cobrança descomunal: “Eu, que fiz tudo por você, só recebo em troca ingratidão.” Parece letra de bolero, mas muitas vezes ela é dita com insistência assustadora.

Por isso me encantam mais os sentimentos discretos, amenos, esses que não precisam ser gritados nas esquinas para todo mundo ouvir. Amor bom vai se espalhando mansamente, sem a pretensão de virar roteiro de filme, no gênero drama. Passar a vida abdicando do que é importante para nós, oferecendo incondicionalmente dedicação e zelo, não costuma trazer bons resultados a longo prazo. Em algum momento, que pode ser daqui a seis meses ou vinte anos, pouco importa, sacaremos do bolso a conta e cobraremos com juros e correção monetária. Atire a primeira pedra quem nunca agiu assim. Tudo que sentimos vai oscilando, mudando de intensidade. Raros conseguem doar-se sem o desejo da reciprocidade. Não resta dúvida que alguns seres mais elevados sabem praticar a abnegação irrestrita. Fazem isso e, assim que percebem que sua presença não é mais desejada, assinam a carta de alforria. De ambos. Aprenderam a sair de cena sem apresentar a fatura do seu amor. Mas é preciso muito treino para se chegar a esse estado de evolução.

Somos criaturas que acumulam não somente objetos materiais, mas também o invisível que se esconde nas dobras do nosso pensamento. É difícil saber o quanto de entrega deve acontecer para não contaminar, futuramente, o que hoje nos parece um encontro movido pelo desinteresse. É um campo em que a ânsia de permanência encontra pesadas barreiras, a começar pela rotina e pela necessidade de preenchermos as horas com atividades que nos garantam a sobrevivência. Talvez seja melhor buscar o equilíbrio, traduzido em pequenas doses diárias de afeto, nada muito avassalador. Não perceber os componentes mesquinhos e interesseiros que também fazem parte dos contatos entre os seres humanos é puro auto-engano. Aceitável somente em alguns momentos de fragilidade emocional.

Se a nossa vontade é de dilatar através dos anos a ligação que temos com parentes, amigos e amores, é bom ir aprendendo desde já a praticar a parcimônia. Evitaremos muitas brigas e, o melhor de tudo, não avaliaremos em gramas o que estamos doando. É só olhar ao redor para descobrir como isso atrasa o nosso crescimento. Ficamos parecendo essas crianças que, diante de um parque repleto de brinquedos novos, se recusa a largar o seu, por mais puído que esteja.

Resista à tentação de se tornar um mártir. É puro masoquismo, ninguém vai valorizar isso, muito menos o seu terapeuta. Já dei muita escorregadela por aí, mas felizmente as escoriações foram superficiais. Hoje sou gato escaldado e penso duas vezes antes de proferir essa frase: “Eu faria qualquer coisa por você.” Não faça. Estabeleça um limite e sele o pacto consigo mesmo. Isso é gostar. Precisamos ter cuidado e não pesar uma tonelada para os outros. A palavra mágica continua sendo essa: leveza.

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