O cenário: um homem e uma mulher conversando no café de uma livraria. Num tom de voz um pouco acima do que se convencionou chamar de normal, discutem alegremente sobre situações corriqueiras. Estou sentado próximo e uma distância muito pequena me separa dos dois. Impossível não ouvir parte do enredo. Tudo muito prosaico. Nada teria me distraído, se não fosse por um detalhe: nenhum dos dois prestava a menor atenção às palavras que eram ditas pelo outro. Se um espesso muro fosse erguido entre eles, não teria feito diferença alguma. Eram dois surdos-mudos estabelecendo, supostamente, um diálogo. O limite verbal foi sendo dado pela discreta pausa entre um relato e outro. Tempo suficiente para o que estava na frente continuar falando. Porém, sem a mínima conexão com o assunto que havia sido comentado.
Enquanto folheava um livro, fiquei refletindo em como estamos nos transformando em autistas emocionais. Precisamos do outro simplesmente como um espelho, alguém que seja o receptáculo de nossas dores e alegrias cotidianas. Raramente alguém se dispõe a acolher com verdadeira atenção qualquer história que não lhe interesse pessoalmente. Todos nós fazemos isso em diferentes graus. E o motivo é sempre o mesmo: não me diz respeito. Sempre foi assim e sempre será. Mas talvez estejamos ultrapassando o limite do permitido para que as relações entre as pessoas continuem recebendo esse nome: relações. O que vemos por aí é uma série de indivíduos enclausurados dentro de seu microuniverso, tendo a certeza de que o que dizem é de interesse geral e irrestrito.
O simpático casal de amigos desdobrou em diversos atos a ação da peça que estavam encenando. Como eu estava na plateia, achei que seria educativo acompanhar tudo, do início ao fim. Em alguns momentos o gancho para uma nova frase era, sim, o final do assunto em pauta, mas continuava sempre dessa maneira: “Pois então deixa eu te contar o que aconteceu comigo.” Acredito que nenhum dos dois sofria de asma, pois teriam ficado sem fôlego já nos primeiros quinze minutos. O que estará nos levando a esse tipo de comportamento? É bem provável que, depois de sete ou oito horas diante de uma tela de computador, sintamos uma necessidade irrefreável de contar o nosso modesto dia para quem a isso se dispuser.
Mas há também outro elemento a ser levado em conta. Somos incitados constantemente a olhar para o próprio umbigo. Assista TV durante algum tempo e você verá como as propagandas e muitos programas autorizam e até promovem esse tipo de egoísmo. Altruísmo e generosidade são raramente distribuídos no mercado. Em primeiro lugar vem sempre a minha satisfação. Depois a gente vê como fica o resto. E isso acaba se refletindo na maneira como vamos construindo as nossas teias afetivas. Repare: mesmo quando estamos em casa, é comum nos trancarmos no quarto, distante dos demais para, finalmente, podermos entrar em alguma rede social. Agregue-se a isso o fascínio pelo celular e temos o perfil de uma geração que já não vê com bons olhos os contatos tridimensionais.
É difícil abdicar da importância que nos atribuímos. Mais difícil ainda é compreender as necessidades e carências das pessoas próximas a nós. Porém, se não fizermos um esforço para caminhar no sentido contrário, estaremos fadados a continuar sendo portadores desse tipo de patologia. O que pode nos ajudar a quebrar essa postura é colocar uma mordaça imaginária na boca antes de despejar diante do primeiro passante os nossos pequenos e comezinhos dramas. Perceber que quase nada do que entronizamos num altar é realmente importante. Mudar o foco. Ou, numa perspectiva mais radical, procurar ajuda terapêutica, se persistirem os sintomas.
Toda a natureza, exceto a do homem, se inclina para o silêncio. Sejamos também nós interlocutores que sabem, com certo grau de sabedoria, ouvir o que aflige quem está ao nosso lado. Que nossa presença não seja percebida apenas fisicamente. Existem diversas maneiras de nos desconectarmos do nosso pequeno eu. Vamos continuar escrevendo nossa história pessoal sem tanta estridência. Caso contrário, naufragaremos numa solidão repleta de testemunhas.
Enquanto folheava um livro, fiquei refletindo em como estamos nos transformando em autistas emocionais. Precisamos do outro simplesmente como um espelho, alguém que seja o receptáculo de nossas dores e alegrias cotidianas. Raramente alguém se dispõe a acolher com verdadeira atenção qualquer história que não lhe interesse pessoalmente. Todos nós fazemos isso em diferentes graus. E o motivo é sempre o mesmo: não me diz respeito. Sempre foi assim e sempre será. Mas talvez estejamos ultrapassando o limite do permitido para que as relações entre as pessoas continuem recebendo esse nome: relações. O que vemos por aí é uma série de indivíduos enclausurados dentro de seu microuniverso, tendo a certeza de que o que dizem é de interesse geral e irrestrito.
O simpático casal de amigos desdobrou em diversos atos a ação da peça que estavam encenando. Como eu estava na plateia, achei que seria educativo acompanhar tudo, do início ao fim. Em alguns momentos o gancho para uma nova frase era, sim, o final do assunto em pauta, mas continuava sempre dessa maneira: “Pois então deixa eu te contar o que aconteceu comigo.” Acredito que nenhum dos dois sofria de asma, pois teriam ficado sem fôlego já nos primeiros quinze minutos. O que estará nos levando a esse tipo de comportamento? É bem provável que, depois de sete ou oito horas diante de uma tela de computador, sintamos uma necessidade irrefreável de contar o nosso modesto dia para quem a isso se dispuser.
Mas há também outro elemento a ser levado em conta. Somos incitados constantemente a olhar para o próprio umbigo. Assista TV durante algum tempo e você verá como as propagandas e muitos programas autorizam e até promovem esse tipo de egoísmo. Altruísmo e generosidade são raramente distribuídos no mercado. Em primeiro lugar vem sempre a minha satisfação. Depois a gente vê como fica o resto. E isso acaba se refletindo na maneira como vamos construindo as nossas teias afetivas. Repare: mesmo quando estamos em casa, é comum nos trancarmos no quarto, distante dos demais para, finalmente, podermos entrar em alguma rede social. Agregue-se a isso o fascínio pelo celular e temos o perfil de uma geração que já não vê com bons olhos os contatos tridimensionais.
É difícil abdicar da importância que nos atribuímos. Mais difícil ainda é compreender as necessidades e carências das pessoas próximas a nós. Porém, se não fizermos um esforço para caminhar no sentido contrário, estaremos fadados a continuar sendo portadores desse tipo de patologia. O que pode nos ajudar a quebrar essa postura é colocar uma mordaça imaginária na boca antes de despejar diante do primeiro passante os nossos pequenos e comezinhos dramas. Perceber que quase nada do que entronizamos num altar é realmente importante. Mudar o foco. Ou, numa perspectiva mais radical, procurar ajuda terapêutica, se persistirem os sintomas.
Toda a natureza, exceto a do homem, se inclina para o silêncio. Sejamos também nós interlocutores que sabem, com certo grau de sabedoria, ouvir o que aflige quem está ao nosso lado. Que nossa presença não seja percebida apenas fisicamente. Existem diversas maneiras de nos desconectarmos do nosso pequeno eu. Vamos continuar escrevendo nossa história pessoal sem tanta estridência. Caso contrário, naufragaremos numa solidão repleta de testemunhas.
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