quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Nos Braços do Anjo

Perca seu tempo esperando por uma segunda chance
Para o intervalo que aliviará isso
Lá há sempre uma razão para não se sentir suficientemente bem
E é difícil no fim do dia
Eu preciso de alguma distração oh lindo desprendimento
Memórias se infiltram pelas minhas veias
Elas talvez sejam vazias e leves, e talvez
Eu encontre alguma paz esta noite

Nos braços de um Anjo, voar para bem longe daqui
Desta escuridão, quarto gelado de hotel e o infinito que você teme
Você fora dos destroços do seu devaneio silencioso
Você está nos braços de um Anjo, talvez encontre algum conforto aqui

Tão cansado co caminho reto, e para todo lugar que você olha
Há abutres e ladrões nas suas costas
A tempestade continua destruindo, você continua construindo mentiras
Você se redime com todos de quem precisa
Não faz diferença, escapar uma última vez
É mais fácil acreditar
Nesta doce loucura, esta tristeza gloriosa
Que me deixa de joelhos

Nos braços de um Anjo longe daqui
Desta escuridão, quarto gelado de hotel e o infinito que você teme
Você fora dos destroços do seu devaneio silencioso
Você está nos braços de um Anjo, talvez encontre algum conforto aqui

Você está nos braços de um Anjo, talvez encontre algum conforto aqui

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A nova aldeia


Não apreciaria viver dentro de uma reluzente caixa de vidro

Um modismo invade as grandes cidades: a construção de complexos residenciais que são muito mais do que um simples lugar para se morar. No entorno, uma vasta rede de estabelecimentos comerciais e de lazer permite aos financeiramente afortunados desenvolver todas as suas atividades profissionais e sociais dentro do mesmo quarteirão. Não é mais preciso se expor aos perigos de um cotidiano carregado de violência. Descobriu-se a forma definitiva de blindar alguns eleitos com a tão sonhada segurança máxima. Adeus carro, adeus poluição e trânsito congestionado, adeus filas.

Por trás de conceitos ultramodernos de bem-estar existe mais uma razão para se buscar essa maneira inédita de nos relacionarmos com os outros: o desejo de pertencer novamente a uma aldeia. É a vontade de não ser um estranho entre estranhos, fato que tem permeado quase todas as relações com vizinhos e até colegas de trabalho. Ao longo do tempo e comprometidos com um fazer alucinante que cobra produtividade cada vez maior, fomos deixando de lado o prazer de uma boa conversa. Precisamos de atividades lúdicas que nos permitam suportar com menos amargura uma realidade nem sempre próxima da sonhada. Estes espaços prometem um contato mais íntimo e a reinauguração de laços que foram perdidos no momento em que nos tornamos seres urbanos.

Ainda é cedo para saber se essa experiência tornará as pessoas mais gregárias ou egoístas. A disposição quase ilimitada de recursos tecnológicos tem nos deixado preguiçosos e acomodados, transferindo todo o movimento do corpo para um único dedo. Claro, compensa-se isso sofrendo em academias. Caso contrário, fica difícil acomodar silenciosamente dentro de nós a sensação de culpa por tanta inércia. Mas aqui se perde algo que pertence à nossa natureza – um certo resquício de nomadismo, que ainda deve estar carimbado no código genético. Mais: ao propor essa condição de autossuficiência, empilhando pessoas dentro de um espaço criado artificialmente (embora de luxo), rouba-se um desejo mais largo de movimentação, de busca do desconhecido. Sem esse sentimento estamos fadados a viver num Big Brother. Mais sofisticado, mas ainda assim repleto de olhares profissionais que velam pela nossa tranquilidade.

Tudo isso representa, no mínimo, um alerta, um sinalizador do nosso cansaço, de como estamos nos sentindo perdidos nesse mundo que solapou a intimidade. Que só reconhece o valor que temos pela quantidade de mercadorias que o trabalho pode gerar. Criamos pequenos nichos para nos proteger. E aí está o horror e a maravilha: somos peritos em destruição, mas conseguimos, quase que simultaneamente, gerar novas e requintadas formas de realidade, que reduzem o perigo de sermos extintos.

Será que eu me sentiria feliz nesses espaços assépticos, projetados com uma simetria próxima do totalitarismo? A desordem faz bem à alma. Ela nos obriga a investigar medos e inseguranças, fundamental para o processo de evolução interior. Todo o conforto que o dinheiro pode pagar, sim. Tudo à disposição 24 horas por dia, também, que seja. Mas esse excesso de comodidade não quebrará a nossa espinha a ponto de nos tornar seres letárgicos, quase vegetativos? O bom, quando é muito bom, pode ser um veneno, porque amolece o corpo. Expor-se é necessário para quem está interessado em estabelecer uma relação mais profunda consigo mesmo.

Gosto do imprevisto, da surpresa, do que não foi matematicamente planejado. Por isso, sei que não apreciaria viver dentro de uma reluzente caixa de vidro. Minha aldeia preferida tem gramados, árvores e bichos. E gente que ri, relaxada e solta. Procurarei estes produtos em outro mercado imobiliário.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Poço



Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.

Pablo Neruda

Assaltando o paraíso


Deve ser muito cansativo querer ter a fisionomia de Deus

Gosto dessa expressão, que roubo do filósofo Luiz Felipe Pondé: “somos todos assaltantes do paraíso.” Todos buscando o sublime, o perfeito, o eterno. O que não existe. Criamos mitos sustentados pelo desejo de pureza, de higiene da alma. Poucos têm a coragem de olhar para o abismo. A busca de um sentido para as coisas é destino comum aos homens. Falsificamos a verdade sempre que possível. Ainda bem. Não conseguiríamos suportar o peso que é conviver constantemente com a ideia do próprio fim. A felicidade se torna mais acessível para quem ignora. O sentimento do trágico, no entanto, pode nos salvar. A consciência do absurdo e a tentativa de ultrapassá-lo é o que sustenta as religiões. Um homem sem medo transforma-se facilmente num monstro. Por que não matar, não roubar, não trair, se não sofrerei nenhuma punição? A fé é uma droga legítima para nos livrar do desespero. Sem ela habitamos o deserto.

Falo de mim. Cresci com síndrome de perfeição. Nunca gostei de rascunhos. Ou era capaz de fazer a edição definitiva ou nem tentava. Depois de alguns anos de terapia, de ler dezenas, se não centenas de livros, hoje me sinto um ex-adicto. Mas que precisa ainda de supervisão para não reincidir. Já consigo gostar do imperfeito, da fissura, da desordem. Porém, guardo alguns resquícios: não suporto louça suja na pia, dobro a roupa sobre a banqueta, torturo-me com os atrasos, meus e alheios. Sempre fui meu pior algoz. Mas melhorei muito. Já não assalto o paraíso com tanta frequência.

Aprendi a rir, a pensar com o lápis, em mais uma expressão feliz do Pondé. Se não deu certo, apago e tento novamente. Já me permito isso. Sei o quanto me esforço. Não sou preguiçoso, embora ainda busque um certo parentesco com o ideal. Que eu espero nunca alcançar. É muito cansativo querer ter a fisionomia de Deus. Aprendi que tudo é empréstimo e desaparece rapidamente, à nossa revelia. Amores terminam, festas terminam, amizades terminam. Motivo para me sentir triste? Ao contrário, percebo o pouco que sou, a fragilidade do meu corpo e a indiferença do universo. E é nesse esvaziamento que alicerço minha vontade quase sobrenatural de mastigar a vida em grandes bocados.

Muitas vezes não sei o que fazer com a minha liberdade. Mas sei, depois de muitos choros e raivas incontidas, que não preciso ceder sempre a códigos sociais, imposturas coletivas que estão na base de toda traição moral e ética. Abri o cadeado e não lembro onde o deixei. Quero o cotidiano que lambe a alma e a conforta. Mas não desprezo o inédito, a busca de toda a forma de beleza. É um lenitivo para o que se esfuma.

Uma frase pode me fazer feliz durante uma semana. Mas um abraço também. Creio que a filosofia me tornou mais lúcido, mas não mais triste, como geralmente acontece. Não sou um homem de Academia. Gosto das ruas, das praças, de ver as pessoas procurando, colocando sua assinatura em contratos de afeto: casamento, filhos, trabalho. O que seria de nós sem isso? Muitas vezes não dá certo, ou não dura o quanto gostaríamos, mas os vincos de luz que marcam nosso corpo e nosso espírito justificam o fim da juventude, da pele doce, dos dias de esplendor. Reconhecer isso é dar bom-dia à existência, nada mais.

Embora continue brigando com Freud, sei que somos mais pulsão e instintos incontroláveis do que donos do nosso querer e sentir. Entrego-me a essa verdade sem me torturar. Não recuso o animal que há em mim. Quero o descontrole quando o assunto é amor, sexo, paixão. Saúdo meus demônios, despedindo-me provisoriamente dos anjos.

Pertenço-me vagamente. Resulto no que os outros fizeram de mim. Tenho dívidas e créditos para com todos. Essa humildade é meu paraíso. Já consigo entrar nele sem forçar a fechadura.

Quero apenas cinco coisas..
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

Pablo Neruda