Se eu olhar para o meu passado na tentativa de descobrir porque agi dessa ou daquela maneira em determinado momento, é provável que as razões me escapem. Estamos fadados a não compreender nossas motivações quando esquecemos o que as gerou. E aí surge a inevitável pergunta: por que será que fiz essa escolha e não outra? Pequenos martírios começam a invadir nossa mente, sempre inúteis, pois o que somos hoje se sobrepõe, e muitas vezes apaga, o que queríamos e pensávamos outrora. É por isso que essas revisões analíticas às vezes fracassam. Sob a luz da psicanálise, tais incursões podem nos ajudar a desvendar comportamentos atuais, mapeando algumas áreas sombrias do nosso ser. Para uns funciona; para outros acaba somente gerando mais culpa.
Talvez a beleza da existência resida exatamente nisso: na descoberta de que estamos à deriva. Não há bússola condutora e é destino de todos seguir tateando aleatoriamente em busca de uma porta, de uma saída. Investigações interiores podem ganhar significação na medida em que aceitamos o equívoco como um elemento fundamental do enredo que continuamos escrevendo. Para o budismo, a consciência é fruto direto do grau de entendimento que temos da realidade que nos cerca. Dou-me como exemplo: quando criança, fazia pequenas armadilhas com galhos cobertos por visgo que retirava de uma árvore. Assim que um pássaro pousasse nele ficava preso até que eu fosse lá e o “libertasse”, rumo a uma gaiola. Menino criado no interior, agia mais por impulso e repetindo o que via no mundo adulto do que por um desejo pessoal de me apropriar dessas pequenas criaturas que eu acabava privando do céu. Havia maldade premeditada nisso? Provavelmente não. E assim também é quando, movidos por algum tipo de ignorância, acabamos involuntariamente causando sofrimento.
Viver é acumular experiências, mas é também aprender a selecionar. Hoje sei com mais clareza o que provoca dano e o que é inofensivo. Espero saber um pouco mais amanhã. Se eu escolher o caminho da agressão, da violência calculada, aí sim serei plenamente responsável. Mas tento aceitar o equívoco e me perdoar sempre que não houve dolo, não houve intenção de ferir. A clareza é resultado direto do cuidado que temos em preservar e respeitar o que sente e respira. E, numa perspectiva mais poética, podemos acreditar que nem as pedras são privadas de um certo tipo de “sensibilidade”. Esse é um dos grandes pecados dos dias atuais: achar que o mundo está a nosso serviço, quando é exatamente o contrário. Na semana passada, andando pelas ruas centrais da cidade, surpreendi-me olhando para os passantes com interesse filosófico, por assim dizer. Sentia-me bastante melancólico e, envolto em mim mesmo, doía-me a indiferença do mundo. Porém, na medida em que fui me fixando nos rostos alheios, percebendo que alguns também demonstravam igual estado, dei-me conta da insignificância deste autocentramento. Por outro lado, essa percepção teve um caráter quase religioso, pois me colocou em conexão com pessoas que até então nada significavam para mim.
Uma simples mudança de perspectiva pode aniquilar a dor, fazendo-nos compreender o quanto somos levados a atribuir importância a coisas e situações que não a têm. A verdade é que a gente sempre faz o que pode. Do jeito que pode, na hora que pode. Mesmo nos munindo de toda a disposição, não conseguimos ir além do que conhecemos e acreditamos no momento. Não é de se estranhar que os grandes mestres repitam: “Atenção, atenção, atenção!” O equívoco é sempre fruto da distração, da nossa tendência em ficar olhando para o lado, quando o mais importante acontece diante e dentro de nós. Não sei se a morte é um fim, um começo ou um meio. Mesmo que tudo se esgote aqui, precisamos escolher com o máximo de lucidez. E agir. Os santos e os assassinos em algum momento se igualam: ambos fazem o que é possível com o que extraíram da vida. O horror e a beleza acabam se misturando nessa misteriosa viagem que começa e termina tão rapidamente. Vale lembrar uma exortação que se encontra na Bíblia: “O que te vier à mão para fazer, faze-o conforme tuas forças, pois na sepultura não há obra nem sabedoria alguma.”
Não desprezemos o erro: ele é o degrau mais seguro para ver um pouco acima, um pouco além, através de tudo.
Talvez a beleza da existência resida exatamente nisso: na descoberta de que estamos à deriva. Não há bússola condutora e é destino de todos seguir tateando aleatoriamente em busca de uma porta, de uma saída. Investigações interiores podem ganhar significação na medida em que aceitamos o equívoco como um elemento fundamental do enredo que continuamos escrevendo. Para o budismo, a consciência é fruto direto do grau de entendimento que temos da realidade que nos cerca. Dou-me como exemplo: quando criança, fazia pequenas armadilhas com galhos cobertos por visgo que retirava de uma árvore. Assim que um pássaro pousasse nele ficava preso até que eu fosse lá e o “libertasse”, rumo a uma gaiola. Menino criado no interior, agia mais por impulso e repetindo o que via no mundo adulto do que por um desejo pessoal de me apropriar dessas pequenas criaturas que eu acabava privando do céu. Havia maldade premeditada nisso? Provavelmente não. E assim também é quando, movidos por algum tipo de ignorância, acabamos involuntariamente causando sofrimento.
Viver é acumular experiências, mas é também aprender a selecionar. Hoje sei com mais clareza o que provoca dano e o que é inofensivo. Espero saber um pouco mais amanhã. Se eu escolher o caminho da agressão, da violência calculada, aí sim serei plenamente responsável. Mas tento aceitar o equívoco e me perdoar sempre que não houve dolo, não houve intenção de ferir. A clareza é resultado direto do cuidado que temos em preservar e respeitar o que sente e respira. E, numa perspectiva mais poética, podemos acreditar que nem as pedras são privadas de um certo tipo de “sensibilidade”. Esse é um dos grandes pecados dos dias atuais: achar que o mundo está a nosso serviço, quando é exatamente o contrário. Na semana passada, andando pelas ruas centrais da cidade, surpreendi-me olhando para os passantes com interesse filosófico, por assim dizer. Sentia-me bastante melancólico e, envolto em mim mesmo, doía-me a indiferença do mundo. Porém, na medida em que fui me fixando nos rostos alheios, percebendo que alguns também demonstravam igual estado, dei-me conta da insignificância deste autocentramento. Por outro lado, essa percepção teve um caráter quase religioso, pois me colocou em conexão com pessoas que até então nada significavam para mim.
Uma simples mudança de perspectiva pode aniquilar a dor, fazendo-nos compreender o quanto somos levados a atribuir importância a coisas e situações que não a têm. A verdade é que a gente sempre faz o que pode. Do jeito que pode, na hora que pode. Mesmo nos munindo de toda a disposição, não conseguimos ir além do que conhecemos e acreditamos no momento. Não é de se estranhar que os grandes mestres repitam: “Atenção, atenção, atenção!” O equívoco é sempre fruto da distração, da nossa tendência em ficar olhando para o lado, quando o mais importante acontece diante e dentro de nós. Não sei se a morte é um fim, um começo ou um meio. Mesmo que tudo se esgote aqui, precisamos escolher com o máximo de lucidez. E agir. Os santos e os assassinos em algum momento se igualam: ambos fazem o que é possível com o que extraíram da vida. O horror e a beleza acabam se misturando nessa misteriosa viagem que começa e termina tão rapidamente. Vale lembrar uma exortação que se encontra na Bíblia: “O que te vier à mão para fazer, faze-o conforme tuas forças, pois na sepultura não há obra nem sabedoria alguma.”
Não desprezemos o erro: ele é o degrau mais seguro para ver um pouco acima, um pouco além, através de tudo.
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