segunda-feira, 30 de agosto de 2010


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Pablo Neruda.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O tempo é um escultor?


Grupo RBS Quem de nós já não disse esta frase: “Foi muito difícil passar por isso, mas a experiência me ensinou muito.” Nem sempre, nem sempre. Muitas vezes essas brechas de luz não resistem à passagem do tempo. Elas abrem um fulcro de consciência enquanto a dor nos corrói, mas costumam desaparecer assim que o sofrimento se atenua em nosso interior. Temos coisas mais urgentes em que pensar. Normal. Mais do que isso, é saudável não ficar acariciando as perdas, transformando-as em mascotes de estimação, enquanto nos afeiçoamos ao papel de vítima. Que, apesar de provocar alguns estragos psíquicos, sempre comove os outros. E principalmente a nós mesmos.

Mas há outro aspecto nesta questão que não costuma ser considerado. Com o acúmulo de fatos vividos, com a soma de emoções positivas e negativas, acabamos perdendo a leveza, a curiosidade. Nossas atitudes se tornam mais rígidas. Endurecemos. Perdemos também muito da espontaneidade que parece ser privilégio mais dos jovens, dos muito jovens. Talvez essa equação hospede um equilíbrio necessário para a manutenção do próprio ser. Quando tudo é fulgor e exuberância, fica faltando a sobriedade que se irmana à reflexão e faz com que acertemos mais em nossas escolhas.

Ainda assim, eu não faria a apologia desbragada da experiência. Vamos envelhecendo e, se não tivermos cuidado, tudo vai se tornando menos interessante. É preciso uma força física e emocional extra para sustentar o olhar de espanto sobre o mundo. E perceber como é necessário manter a alteridade em nossos relacionamentos. Continuar aprendendo com quem gosta de fazer esboços, sem o peso e a gravidade de não poder mais errar.

O que o tempo esculpe dentro de nós? O que nos rouba? É recomendável ter muito cuidado para que essa presumível sabedoria que a maturidade nos dá não nos transforme em homens e mulheres tristes. Pior: em chatos cheios de verdades inquestionáveis. A sedimentação de conceitos conduz à intransigência. Como se fosse uma espécie de crime reconhecer que nos enganamos – como se a gente tivesse preguiça para começar de novo. Os caminhos são múltiplos e quase sempre é possível retroceder. O que parece uma espécie de leviandade pode ser o saudável exercício de correr riscos, de experimentar todas as possibilidades que estão a nossa disposição.

Ninguém quer passar horas e mais horas refazendo o itinerário que considerava definitivo. Mas o fato é que a convicção de que vamos nos tornando mais sábios deixa em nós resíduos de arrogância. Será que podemos mesmo ensinar alguma coisa para os outros? O que se chama de vivência não pode ser terceirizada. Cada um trabalha com um martelo próprio e as feições que vai moldando só pertencem a si mesmo. O escritor Pedro Nava dizia que a experiência é como um carro com os faróis voltados para trás.

Seria bom se nos aferrássemos a essa alegria que vemos no rosto dos que continuam nascendo. Ou, se tanto não for possível, pedir emprestado um pouco dessa vontade inquebrantável que os joga para fora de si mesmos, desejando os encontros.

O fastio não precisa ser o prêmio amargo de quem envelhece. Não são apenas os movimentos do corpo que se pode perder. Há algo mais grave: a falta de mobilidade interior.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

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SI TÚ ME OLVIDAS

QUIERO que sepas
una cosa.

Tú sabes cómo es esto:
si miro
la luna de cristal, la rama roja
del lento otoño en mi ventana,
si toco
junto al fuego
la impalpable ceniza
o el arrugado cuerpo de la leña,
todo me lleva a ti,
como si todo lo que existe,
aromas, luz, metales,
fueran pequeños barcos que navegan
hacia las islas tuyas que me aguardan.

Ahora bien,
si poco a poco dejas de quererme
dejaré de quererte poco a poco.

Si de pronto
me olvidas
no me busques,
que ya te habré olvidado.

Si consideras largo y loco
el viento de banderas
que pasa por mi vida
y te decides
a dejarme a la orilla
del corazón en que tengo raíces,
piensa
que en ese día,
a esa hora
levantaré los brazos
y saldrán mis raíces
a buscar otra tierra.

Pero
si cada día,
cada hora
sientes que a mí estás destinada
con dulzura implacable.
Si cada día sube
una flor a tus labios a buscarme,
ay amor mío, ay mía,
en mí todo ese fuego se repite,
en mí nada se apaga ni se olvida,
mi amor se nutre de tu amor, amada,
y mientras vivas estará en tus brazos
sin salir de los míos."

Pablo Neruda

sábado, 14 de agosto de 2010

O ideal existe?


Enquanto esperamos pelo ideal, as coisas mais interessantes da vida costumam passar pela nossa frente. E nós nada. Nem uma piscadela. Mas como sofremos por não descobrir o amor que nos arrebata, o emprego dos nossos sonhos, a casa perfeita para morar. Cadê, onde está? Reclamar é preciso. Viver, parece que nem tanto. Tenho uma amiga que costuma escolher o namorado pela qualidade dos sapatos que ele usa. O infeliz que se aproximar dela calçando um prosaico tênis já está riscado definitivamente do seu círculo de eleitos. Se tiver um ótimo caráter, for gentil, atencioso e gostar do Woody Allen, pouco importa. Nota zero. É preciso ser aprovado no quesito ortopédico. Informação adicional: ela é inteligente e culta. Mas seu calcanhar de Aquiles é mesmo o sapato alheio. Continua procurando.

Outro amigo, menos atento à estética da roupa e mais à estética do corpo, há mais de dez anos está caçando uma modelo perfeita para desfilar por aí junto com os seus cartões de crédito. Mulheres agradáveis e espirituosas já tentaram se aproximar dele. Nem bola. Com sua visão enfermiça, segue buscando somente a ideal. Aquela que não existe.

É uma praga que afeta homens e mulheres, como se vê. Se a realidade não bater cem por cento com o nosso sonho de consumo, melhor descartar, concluímos. Nesse processo de miopia seletiva, matamos prematuramente um grande número de relacionamentos que nos fariam mais felizes e nos levariam a resmungar menos. Nunca encontraremos tudo numa só pessoa. Vale para pais, filhos, amigos, namorados. Também para vizinhos, cachorros e afins. Continuamos atraídos pelo distante, pelo inacessível.

Maturidade? Talvez seja pegar o melhor de cada coisa e esquecer os possíveis defeitos. Tudo é uma questão de foco. De deletar da cabeça alguma eventual falha e concentrar-se no que interessa. Minha paciência tem diminuído com aqueles que só sabem destacar o lado ruim das coisas. Se ele pinta, mas nunca será um Picasso, é motivo para fazê-lo desistir? Se o carro do seu namorado é lá da década de noventa, faz alguma diferença no prazer que você tem com a sua companhia?

Ser capaz de ver é mais do que passar no teste do oftalmologista. É refinar a sensibilidade e selecionar com lucidez. Mas para que isso aconteça é necessário, também, que saibamos nos perdoar por todas as escolhas equivocadas que fizemos. Foi o que conseguimos naquele momento. O melhor, o mais adequado. Isso sim parece ser o ideal: não se precipitar nem para escolher e nem para descartar. As primeiras impressões costumam ser levianas.

Se você não gostou do bolo, coma apenas uma pequena fatia. Mas coma. Ficar olhando criticamente não o fará descobrir o sabor. Penso em como são afortunados todos os que se permitem errar e analisar o próprio erro. É preciso reconhecer os escorregões, os tombos, o que não deu certo. Mas não fazer disso uma autoflagelação. Basta ajustar os óculos.

Inteligência é saber excluir o que não nos agrada e agradecer com várias novenas por ter encontrado alguém que nos escolheu para andar ao seu lado. Ninguém explica o mistério do desejo. Basta que saibamos baixar um pouco as nossas expectativas. Até porque deve dar um cansaço danado essa busca frenética pelo que é praticamente impossível de achar. O raro nem sempre é o melhor.

Continuamos atraídos pelo distante, pelo inacessível

domingo, 1 de agosto de 2010

Macumba virtual


Estamos banalizando a fé, escolhendo os caminhos mais fáceis

A vida pode ser um parque de diversões. Duvido que alguém conheça a palavra tédio se ficar algumas horas procurando por curiosidades na internet. Foi o que eu fiz recentemente, depois de ter sido informado da existência de um site chamado Macumba On-line. É surreal. O anúncio do portal diz: “Tudo o que você conseguiria fazer num terreiro, na tela do seu computador”. Nada é impossível se acessar essa entrada para o paraíso. As promessas vão desde engordar a sua ex-namorada até fazer alguém que não lhe é muito caro desenvolver incontinência urinária. Mas são só dois exemplos de um leque gigantesco de possibilidades. Você paga um preço razoável e todos os problemas de sua vida serão resolvidos num passe de mágica. Ou, no caso, com um clique do seu mouse.

Parece que algum devoto da igreja católica, invejoso do sucesso do Macumba On-line, também lançou seu site particular. Chama-se Meu Santo e já conta com milhões de associados. O negócio lá é o seguinte: o interessado escolhe o santo de sua preferência (de uma lista de mais de 200) e faz o seu pedido. Depois paga a promessa com santinhos virtuais ao “módico” preço de 50 reais para cada graça alcançada. Não é mesmo uma graça? Os depoimentos de pessoas agradecidas impressionam. Embora pareça quase inocente, com seu foco mais voltado para conseguir o que se deseja em nome do bem, não se pode negar que essa ideia também se transformou em algo muito lucrativo para o seu dono. E o mais estarrecedor: qualquer um de nós pode fazer o mesmo, basta um pouco de criatividade e um certo tino comercial para que não seja mais preciso se preocupar em sair por aí procurando emprego. O mundo está cheio de otários ingênuos dispostos a pagar qualquer valor para conseguir o que querem sem fazer grande esforço.

Essas são duas das buscas que dá para fazer quando estamos desesperados. Quem tiver tempo e principalmente paciência (eu não tenho), deve encontrar uma infinidade de outras comunidades que prometem o reino dos céus ainda em vida. Sinal dos tempos, dirão os propensos a ver catástrofe em tudo. Hilário, penso eu, depois de ter desligado o computador sem ter sentido a menor tentação de endereçar alguma mandinga a um eventual desafeto. Prefiro acender uma vela para outro santo. O que fez com que eu me perguntasse o seguinte: a culpa é do jogo ou do jogador? É ótimo que existam todas as opções possíveis dentro desse fascinante mundo da internet. O problema é quando não sabemos mais fazer as filtragens mínimas entre o que interessa e o que é absolutamente irrelevante. E pensei naquela maravilhosa assertiva, tão cara aos exegetas: “Desconfie de qualquer religião que não tenha pelo menos dois mil anos”. A banalização da fé é sintoma inequívoco de que estamos escolhendo os caminhos mais fáceis, os que dão menos trabalho. Estamos nos tornando verdadeiramente preguiçosos, achando muito cansativo até rezar. Parece mais seguro fazer uma terceirização básica para conseguir o que se deseja. Dói um pouco no bolso, mas o resultado promete vir a galope.

Assim, quase num piscar de olhos, o inimaginável pode se tornar real. Ao menos, presumivelmente. Hoje em dia, nada disso me deixa deprimido e não fico por aí vociferando que é o fim dos tempos. Estamos encontrando, isso sim, outras maneiras de tentar solucionar problemas ancestrais. As consequências de usar métodos pouco ortodoxos para alcançar tantas benesses? Ainda é cedo para dizer algo conclusivo. Um passeio desses não torna nenhum de nós mais sábio ou iluminado. Mas quem sabe essa nova fé virtual possa acabar diluindo um pouco a crise existencial que parece assolar a tantos. Na pior das hipóteses, você pode passar algum tempo brincando de ter o poder que a realidade lhe sonega. Mas não esqueça de colar um papelzinho no canto do seu computador com a seguinte frase de Einstein: “Só existem duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana”. Bom divertimento.