segunda-feira, 2 de abril de 2007

A solidão

A solidão e a liberdade
Que venham os amores. Muitos. E amigos. Todos os que pudermos acolher. E mais, mais ainda. Mas que se saiba, em meio a todos estes encontros, preservar o que há de mais essencial para o ser humano: a solidão. Pois não há liberdade maior do que a de encontrar contentamento e equilíbrio dentro de si mesmo. Espalhar-se nas pessoas com as quais convivemos passou a ser uma regra quase obrigatória e que todos se predispõem a seguir. Poucos, raros privilegiados, são capazes de estabelecer esse diálogo silencioso com a própria alma. Toda a filosofia de Nietzsche parece nos mostrar somente isso: o verdadeiro homem se estabelece tranqüilo dentro do isolamento e da ausência. Tenho visto amores doentes, casamentos gastos, encharcados de tédio, mas que parecem resistir unicamente pela incapacidade dos parceiros de voltar ao núcleo essencial de toda a existência. Em muitas situações, permitimos diversos tipo de violência psíquica, quando não física, porque o medo se sobrepõe a qualquer manifestação de dignidade. E não percebo este comportamento somente em seres intelectualmente menos dotados. Isso não tem nada a ver com inteligência. Essa mendicância amorosa pode afetar qualquer um. Para estar com alguém, cedemos no que há de mais essencial, abdicando de tudo que sempre postulamos como o mais importante para se viver com coerência e dignidade. Difícil saber ficar só. Não somente pelos inúmeros estímulos que encontramos a todo momento, mas principalmente porque isso exige de cada um o severo e difícil exame do que está do lado de dentro. E não são tantos os que se dispõem a perscrutar esse labirinto onde se encontram as emoções, onde a razão se verga diante de necessidades que não podem sequer ser catalogadas. Permanecer só, no entanto, revela-se como o mais alto estado de consciência a que se pode aspirar. Se outros argumentos não houvessem, bastaria apenas este: não dependemos de ninguém para banhar-nos em serenidade. Essa serenidade que norteou a vida dos grandes pensadores da humanidade, desde os gregos, quando se começou a sistematizar o pensamento filosófico, até o mais contemporâneo dentre nós. Não se está falando aqui dessa solidão ressentida, amarga e que tantas vezes põe o nosso corpo e as nossas emoções doentes. Seres que vagam pelos dias arrastando sua tristeza como um animal perdido pelas ruas não podem ser enquadrados na categoria dos sábios. A solidão exige uma longuíssima disciplina que não exclui, em absoluto, o contato com os outros. Ela não tem nada a ver com o espaço físico ou com o número de amigos que vamos angariando com o passar do tempo. Ao contrário, é sempre uma atitude interior, a percepção de um sentimento de completude que não depende de nada e nem de ninguém. Saber estar só é a mais alta das meditações, o ganho maior de uma vida que normalmente se fecha entre perdas e esquecimentos. Há tantos prazeres que podemos usufruir e que costumam passar ao largo de nossa existência sem necessariamente precisar repartir. Quando assim for, haverá também beleza, por certo. Mas por que não encontrar contentamento também quando estamos sozinhos? Quando descobrimos a suprema felicidade de rir e alegrar-se e sofrer e estar em paz sem depender de mais ninguém? Não faço aqui a apologia do individualismo, que desse todos nós já estamos fartos. A conquista da solidão é o oposto disso tudo. Não podemos alcançá-la senão depois de atravessar esse parque de diversões onde imaginamos que se encontra a satisfação de nossos desejos. E que ninguém pense que somente irá encontrá-la no cimo de uma montanha. O primordial é que saibamos estar entre a multidão de passantes para poder testar a qualidade desse nosso estado de ser. Não precisamos suprimir nada para que ela se instaure dentro de nós. O que nos é exigido é que que se possa extrair dela o conforto para os dias de euforia e de pesar. Solidão e liberdade são palavras sinônimas. Seu sentido último se irmana quando queremos descobrir uma justificativa para esse sopro chamado vida. Por mais que tentemos fugir de nós, em algum momento será inevitável fazer essa confrontação. E quanto antes isso acontecer, mais fortes nos surpreenderemos. Estar só não significa encontrar-se só. É, antes, o merecido prêmio para quem soube buscar o alimento nos domínios do seu próprio reino. Tudo o mais são terras estrangeiras.