quinta-feira, 28 de junho de 2012

A Dor da Separação


Quem está passando por uma separação parece que tudo se torna difícil de ser realizado. Perde-se a vontade de fazer qualquer coisa que seja por si mesma, ainda mais participar ou manter uma reeducação alimentar.
Isso pode ocorrer porque a pessoa acaba por se sentir tão sem valor, que não encontra forças para fazer algo por ela ou ainda, não acredita ser merecedora de nada que possa fazê-la sentir-se bem, como se houvesse uma culpa oculta por seus sentimentos. Mas podemos, e devemos, fazer algo para que consigamos suportar esse momento tão cruel e que parece não ter fim.

Separar-se de quem se ama não é uma tarefa das mais fáceis. É um momento de muita dor, como se tivessem atingido a nossa própria alma, que agora sangra de tal forma que parece não irá se cicatrizar nunca. As emoções ficam mais expostas e a razão parece sequer existir. Ficamos totalmente sem defesas e, assim, sem proteção. E o que mais nos pedem é que sejamos racionais. Como, quando tudo é sentido com tal intensidade que parece não existir espaço para a razão?

Quando a decisão pela separação é tomada pelos dois, que concordam ser esse o melhor caminho por não haver mais amor, respeito, amizade, objetivos em comum, já é difícil por todo o processo em si que envolve esse momento. Mas existem casos em que a separação acontece quando um, ou muitas vezes, os dois, ainda se amam, mas determinada situação os forçam a se separar.

Ou, ainda, há aquelas que são literalmente abandonadas, sem sequer ter participado da decisão ou sabem os reais fatores que levaram o outro a ir embora. O fato é que a separação quando existe amor é uma fase que machuca demais os envolvidos, não atingindo apenas quem já não sente mais amor, ou quem já está com outra pessoa em seu coração.

Para quem ainda ama, requer muito esforço voltar a sentir prazer pela vida. Afinal, que vida, se sentimos que quem foi levou um pedaço de nós? Dizem que o tempo é o melhor remédio, mas o tempo parece se intensificar e prolongar ainda mais o que tanto dói.

Hoje, sequer existem amigos para dividir esse momento e, muitas vezes, não há família, ou seja, não há ninguém com quem dividir a tristeza, a saudade, com quem falar das dúvidas e perguntas sem fim. Não há quem suporte ao nosso lado e preencha esse vazio tão intenso deixado por quem se foi e por tudo que se acreditou.

É exatamente isso que dá a sensação de vazio, os planos feitos, os sonhos que jamais serão realizados, ao menos com quem se acreditou que seriam. Tudo isso acabou! Acabou o nós e é preciso de novo voltar a dizer eu. Não há mais a nossa casa e sim, a minha. Não há mais as ligações diárias, os jantares a dois, os momentos de prazer, as preocupações divididas. Tudo agora terá que ser feito só.

A certeza de ter alguém que nos espere, que se preocupe, que nos ame, nos dá muitas vezes a segurança para continuar mais um dia e, que, de repente, não sentimos mais. Ficamos inseguras, frágeis, sensíveis e apenas com uma certeza: não somos amadas como esperávamos ser. E isso acaba por se refletir em todas as outras áreas de nossa vida, comprometendo nossa concentração, criatividade, o trabalho e até a própria saúde. 

A tendência nesse momento é lembrar apenas de tudo que havia de bom, dos momentos de alegria. Mas será que era mesmo assim? Se fosse, haveria a separação? É preciso analisar todo o relacionamento para identificar o que era desejo, idealização e o que era realidade. A outra pessoa estava correspondendo aquilo que você esperava dela?

Será que nos últimos meses tudo era mesmo feito junto e com satisfação para ambos? Quem acabava sempre cedendo para agradar apenas ao outro? Quanto será que você não relevou, deixou para lá, não esperou que o outro mudasse? Quais eram os motivos dos desentendimentos, discussões e brigas? Os objetivos de cada um continuavam a ser os mesmos? Os valores também?

Existiam demonstrações constantes de amor? Os dois se sentiam amados e valorizados? O que levou ao distanciamento? Havia diálogo, trocas constante de carinho, cuidado com o outro? Ou será que as palavras de carinho começaram a dar lugar a ofensas e mágoas? Algumas palavras ditas ferem como arma afiada que penetram no mais íntimo de nosso ser, provocando feridas invisíveis, mas que dificilmente cicatrizam. Como e quando as coisas mudaram? Por que não se conseguiu evitar a separação?

Acaba sendo instintivo julgar o outro como responsável pelo nosso sofrimento em função de sua ausência. Mas será que agora você não está tão sozinha quando estavam juntos? Todos esses sentimentos, muitas vezes, contraditórios, podem nos deixar mais confusas ainda, quando o que mais precisamos é de serenidade e confiança.

Sentimos medo de errar de novo, de ficar sozinha, de ninguém mais querer dividir a vida conosco. De não ser mais amada, desejada. De não conseguir superar mais essa perda e, assim, nos isolamos, culpamos-nos pelo que fizemos e deixamos de fazer. E tudo parece não ter mais vida e nem sentido para se continuar vivendo. Será que está sentindo tudo isso porque o outro não está mais ao seu lado ou por que abandonou a si mesma há muito tempo?

É importante nesse momento você responder a si mesma todas essas perguntas com sinceridade para que possa entender todo esse processo e voltar a perceber o valor que com certeza você tem. Confrontar-se com os sentimentos que mais doem dentro de você é o caminho mais certo para buscar a força interior que tem e é o que mais precisa nesse momento.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Saudade




Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.
Pablo Neruda

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Amar duas pessoas ao mesmo tempo



Desde que nascemos, muitas coisas nos são ensinadas como verdades absolutas. Todos os meios de comunicação participam ativamente - televisão, cinema, teatro, literatura, rádio -, sem contar a família, a escola, os vizinhos. O condicionamento é tão forte que crescemos sem perceber que aprendemos a pensar assim ou a desejar uma ou outra coisa. Isso ocorre em todas as áreas, portanto, também no que diz respeito ao amor. As regras sobre o que é amar ou ser amado por alguém são muitas. Se você sentir isso, não é amor. Agora, se sentir aquilo, aí sim, é amor. Às vezes escutamos alguém dizer: "Se estiver me relacionando com uma pessoa e sentir desejo por outra, é porque, então, não a amo." Ou "Quem ama quer ficar o tempo todo ao lado da pessoa amada, nada mais lhe interessa." Felizmente nada disso é verdade.
No entanto, essas afirmações há muito são repetidas sem ser contestadas. E não é sem razão. Em primeiro lugar o ser humano parece não desenvolver muito sua capacidade de pensar e só repete. É mais fácil. Depois, as pessoas acreditam que ficar sem alguém ao lado para se protegerem é uma tragédia. Dessa forma, tratam de se convencer e ao parceiro de que as coisas são desse jeito mesmo, achando que assim evitam correr riscos. E vão limitando a própria vida e a do outro. É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo? Sem dúvida, é possível amar bem mais de duas. Acontece até com freqüência, mas ninguém quer aceitar para si mesmo. Afinal, fugir dos modelos impostos gera ansiedade, o desconhecido apavora. Então, surge aquela desculpa esfarrapada: "É possível amar duas pessoas, mas não do mesmo jeito." É exatamente o que ocorre com a fidelidade. Em público todos negam, mas praticam em particular.
É difícil se aceitar que o amor é um afeto único. Mas amor é um só. É prazer na companhia, querer bem, participar da vida do outro, sentir saudade. Nós é que insistimos em dividir em compartimentos, classificando os tipos de amor: por filho, por namorado, por mãe, por amigo, por amante, como se fossem diferentes na essência. De singular e que podem distingui-los uns dos outros são só algumas características. No amor pelo amigo pode não haver desejo sexual, no amor pelo filho costuma predominar um desejo de proteção, e assim por diante. Portanto, podemos amar mais de um, no sentido mesmo do amor que encontramos no namoro ou casamento. Somos todos diferentes, cada um possuindo aspectos que agradam e que se buscam num relacionamento.
Pode até ser que na fase da paixão, quando se está encantado pelo outro, não caiba mais ninguém. Mas essa fase dura pouco. Com uma convivência mais prolongada, a paixão acaba e fica o amor, se houver. De qualquer modo, não parece muita mesquinharia afetiva ter apenas um amor? Contudo, para começar a pensar diferente da maioria é necessário alguma dose de coragem e vontade de viver intensamente. 

domingo, 24 de junho de 2012

A voz que cala



Tenho aninhado dentro de mim o silêncio, a observação, o olhar que analisa e se recolhe em si
Nas últimas páginas do romance A Trégua, o poeta uruguaio Mario Benedetti diz que certas coisas precisam ser caladas; que até aquele momento ele poderia contar a sua história, mas a partir daí seria necessário silenciar. Tenho pensado reiteradamente sobre esse ato de contenção tão ausente em nossas vidas. Estamos nos transformando em tagarelas contumazes. Tudo que acontece conosco tem que ser dividido, sob o risco de nos sentirmos sepultados dentro de nossa própria solidão. Passou a ser um grande sacrifício guardar algo somente para si. A palavra compartilhar foi elevada a um patamar como nunca antes se viu.

Qualquer profissional da área terapêutica nos dirá do poder de catarse da fala. Nem sempre conseguimos dar conta sozinhos do que faz residência em nossa alma. Expurgar uma angústia ou um medo traz uma enorme sensação de alívio. Mas também nos esvazia de um material muito rico, esse que produz a reflexão e a consequente tomada de atitudes menos comprometidas com o emocional. Reter esse tesouro sutil costuma nos dar mais vigor. Algo semelhante à água represada, que pode gerar energia. Quando ela corre solta, sua tendência é ser absorvida rapidamente pela terra e desaparecer.

Gosto da ideia de uma certa reclusão dos sentimentos. Observar o todo antes de fatiá-lo. A sensação de que algo pertence somente a nós mesmos. Até porque, sejamos sinceros, quando pedimos a opinião de algum amigo sobre o que nos atormenta, o que queremos é simplesmente a confirmação do que já está decidido dentro de nós. Aprender a suportar o peso do que nos incomoda ajuda no processo de amadurecimento. Em casos extremos, quando não conseguimos administrar o que nos corrói, ninguém pode negar o valor de um ombro para aliviar a dor. Mas nem sempre, nem sempre.

Tenho feito algumas experiências nesse sentido. Percebo que quanto mais pratico a contenção, quanto mais dialogo comigo mesmo, com mais acerto consigo resolver os problemas que me afligem. E o mesmo vale para os estados de euforia. Ao contrário do que se pode pensar, isso não é egoísmo. Tendemos a nos tornar mais saudáveis, prontos para enfrentar com coragem as adversidades. Tento aninhar dentro de mim o silêncio, a observação, o olhar que analisa e se recolhe em si. Assim, os encontros acontecem de forma mais verdadeira, e eventualmente poderemos nos valer dessa muleta que usamos para expurgar as angústias.

Uma analogia pode ser usada para ilustrar esse argumento. As árvores que vivem em meio aos bosques recebem menos luz do sol e têm um tronco pouco encorpado. São mais frágeis do que aquelas que crescem em campo aberto, sendo açoitadas pela chuva, pelo calor e pelas geadas. Estas se tornam mais vigorosas porque se abastecem de todos os tipos de nutrientes e enfrentam as intempéries. Lembre das vezes em que você saiu correndo pela rua em busca de um confessionário. Lembre, também, das vezes em que você fechou as portas e as janelas e soube esperar a lenta fermentação do amor, do ódio ou mesmo da indiferença. Analise o resultado.

Gosto de acreditar que a capacidade de oferecer uma trégua, esquecendo um pouco a nossa incontinência verbal, nos torna seres humanos mais aptos a sobreviver sem tantos amparos alheios. O mundo virtual nos ensinou a abrir janelas e mais janelas. Alguns cômodos dentro de nós ficaram mais iluminados, mais arejados. O ruim dessa história é que ficamos viciados numa falsa realidade. Ser analógico passou a ser tedioso. Sem adrenalina, como haveremos de seguir em frente?

Que venha o outro e nos habite, mas reservemos a ele apenas um quarto, não a casa inteira. Está no centro de todas as religiões a reverência aos exercícios de contrição, de meditação, pois um homem só é um homem quando fortalecido por esse fogo interior. Devagar, com alguns intervalos, comece a apagar a voz. Você encontrará ouro, mirra e incenso. Fertilize o seu jardim.

quarta-feira, 20 de junho de 2012


“Eu te amei muito. Nunca disse, como você também não disse, mas acho que você soube. Pena que as grandes e as cucas confusas não saibam amar. Pena também que a gente se envergonhe de dizer, a gente não devia ter vergonha do que é bonito. Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas — se um dia a gente se encontrar de novo, em amor, eu direi delas, caso contrário não será preciso. Essas coisas não pedem resposta nem ressonância alguma em você: eu só queria que você soubesse do muito amor e ternura que eu tinha — e tenho — pra você. Acho que é bom a gente saber que existe desse jeito em alguém, como você existe em mim.”
Caio F. Abreu

sábado, 9 de junho de 2012

Falta de amor



Ah, o que eu não daria para ser o autor desta frase: “Desde o câncer de seio até a brotoeja, tudo é falta de amor.” Mas Nelson Rodrigues, um dos maiores estilistas da língua portuguesa, pensou-a antes. Na ausência de um talento tal, resta-me o consolo de repeti-la exaustivamente, espalhando-a pelos cômodos da minha mente. Toda a dor, toda a apatia, toda dilaceração do corpo e da alma, é falta de amor. Os que andam por aí cobiçando poder e fama, os arrogantes que pisam sobre os seus iguais, a moça triste trancada em seu quarto, o homem maduro que apunhala o horizonte com seus olhos... tudo é falta de amor. Pois os que têm afeto em abundância tantas vezes se desviam da doença e do tédio, vibrando como um arco retesado numa tarde de abril. Abençoam a repetição, a frase mil vezes dita, a mão rasgando o ar em busca de outra mão. São contentes a despeito do dinheiro miúdo, da roupa puída, do passeio doméstico. Conhecem a felicidade tranquila que nasce da certeza de serem amados.

Amor, essa vertigem mansa que distribui em justos pesos e medidas o valor de cada dia. Que é fatiado em horas e minutos, que se transformam em inimigos diante da ausência, aninhando-se na saudade para não sucumbir à dor. Mas, na presença iluminada, são afortunados e querem que o segundo seja século – a semana, eternidade. Subvertem a mais elementar das lógicas, domando o tempo para uso particular. Pergunte a um apaixonado o que o deixa nesse estado hipnótico e ele responderá, em redundância: a existência da pessoa querida. Aos outros causará estranheza esse sentimento tão desmesurado. Não procure entender. A matemática vira de cabeça para baixo e um mais um já não são dois. A palavra apenas o contorna, apenas se aproxima. Impossível conhecer o gosto, senão experimentando-o.

Nessa tarde tépida de outono, quando as últimas cigarras cortam com precisão o silêncio, lembro das pessoas que conheci e que habitaram o deserto da falta de amor. Foram poderosos, tiveram dinheiro, conheceram a adulação. Mas algo com a textura da pedra acompanhava seus gestos, sua fala. Mulheres também foram ludibriadas por essa armadilha feita de materiais caros, mas sem pulsação. Materiais mortos diante da exuberância de seres que, nada tendo, tudo tiveram quando habitados por um amor. Se pudéssemos colocar em pequenas aldeias esses felizes de alma, ali não se instalaria escola ou hospital, e muito menos fábricas de fazer coisas. Porque para os grandes amantes existir é do tamanho exato e mais nada se pode querer do que cristalizar na memória o que os deuses lhes deram sem custo algum. Porventura se perguntarão se é mérito ou acaso? Haverá uma loteria secreta distribuindo prêmios a João, André ou Cristina, sem que apostas sequer tenham sido feitas?

Há falta de amor, e tão pouco excesso. Não encontraremos aquele que se queixe de estar sendo amado em demasia. Que, cansado, pedirá uma pausa para se recompor. São ginastas que não conhecem o esgotamento, que passeiam pelos precipícios com a segurança que sentem nas planícies. Às vezes, sentados ao seu lado, absorvemos um pouco desse gosto de estar vivo. Mas não há empréstimo no querer. Admira-se, com o secreto desejo de que também nós possamos pertencer a essa confraria de saciados insatisfeitos, de lúcidos sem vigília.

Amor é poesia extravagante, escândalo que encabula o passante invejoso. Amor confunde, distrai, perdoa. Salva. Sem lógica, sem razão, pode nascer num domingo à noite, quando a tentação do suicídio é mais real. Amor burla, e cura mais que oração. Não adianta ser santo sem amor. Não adianta gabinete sem amor. Não adianta manhã azul sem o olhar azul do amor. Não me pergunte se, de verdade, sua falta causa câncer ou brotoeja. O que sei é que, amando, abro com as mãos uma floresta. Também quero esse mar que atordoa, antes de fechar a porta para o balanço final.

domingo, 3 de junho de 2012


A patologia do topo

Nestes tempos de luzes e palavras em profusão, esquecemos que uma das melhores coisas que se pode desejar é ser um coadjuvante. Não precisar desempenhar o papel principal, contentando-se em permanecer de lado, observando... Que alívio! O peso e a responsabilidade acabam recaindo sobre as pessoas que gostam de estar na primeira fila. Podemos, com grandes ganhos, ser meros espectadores do drama ou da comédia que estão sendo encenados.

Irmã Marta, freira sábia e serena, disse-me, numa dessas conversas com ecos filosóficos, que encontrou num livro a expressão perfeita para traduzir a síndrome que nos assola: a patologia do topo. A necessidade de estar sempre em evidência, custe o que custar. O pior é que todos nós parecemos ansiar por isso, o que, em termos lógicos e mesmo espaciais, é impossível de acontecer. A banalização da escrita, por exemplo, transformou quem sabe rabiscar algo num papel ou consegue juntar umas poucas palavras em grande artista. O autor precedendo a obra. O criador sobrepondo-se à criação. Não devem ter lido Rilke. Ele nos ensinou que o melhor caminho para que a obra permaneça é contentar-se com o próprio desaparecimento. Nada nos pertence. E o que somos ou fazemos adere ao outro, a tal ponto que a imagem original já não tem importância alguma.

No entanto, a gente só faz essa descoberta depois de ter vivenciado isso organicamente. Não está em nós a capacidade de nos retirarmos do palco antes do aplauso. Talvez o erro resida em querer continuar para sempre no pódio. É irreal, é contra o movimento que gera a dialética da vida. Por isso a necessidade de se ter uma consciência aguda de que tudo se fragmenta, voltando ao nada. A estabilidade é cúmplice da inconstância. E a liberdade flerta com o anonimato, com o poder de ir e vir sem que nossos atos mereçam muita observação. Estamos ensandecidos para entrar na arena, mas querendo só as vantagens que podem advir disso.

Fala-se que hoje as pessoas são famosas porque são famosas. E mais não se pode dizer da maioria que acaba gerando as manchetes da semana. Que digo eu? Do dia, quanto muito. Continuo acreditando que a vaidade precisa ser domesticada, caso contrário ela coloca em risco esse longo trabalho de observação a que se submetem todos aqueles que acreditam no poder do silêncio e da contenção. É muito difícil resistir, não ceder a tantas tentações que podem nos transformar, de uma hora para outra, na personagem que está em destaque. São seduções que pertencem à ordem do banal, no entanto.

Na ciranda do mundo, o que nos salva é saber, como disse Fernando Pessoa, que “as primaveras não precisam de nós para continuar florindo”. É só olhar ao redor para descobrir que muitos já estão comprando ingresso para outro espetáculo, não para o nosso. Compreender isso é afastar-se da dor, beneficiando-se de um entendimento que, se por um lado exige disciplina e severidade, por outro nos leva a conhecer um estado de repouso interior.

No fim do nosso encontro, essa amiga me disse: “Estamos todos com o eu obeso” – frase que retrata bem o quanto inflacionamos nossa própria imagem. Se insistirmos em nutrir exageradamente esse eu, corremos o risco de viver todos comprimidos numa pequena gaiola de vidro. Faremos estranhas macaquices para que o primeiro passante nos aplauda. Mas seremos apenas mais um brinquedo descartável neste gigantesco circo de plástico que ora habitamos.