terça-feira, 28 de dezembro de 2010

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O SENTIDO DA VIDA




Ponha a mão no peito e sinta as batidas do seu coração.

Esse é o relógio da sua vida tiquitaqueando a contagem regressiva do tempo que lhe resta. Um dia ele parará. Isso é cem por cento garantido e não há nada que você possa fazer a respeito. Portanto, não dá para perder um único precioso segundo.

Vá atrás do seu sonho com energia e paixão, ou, então, recue e veja-o escorrer pelo ralo. Se você passar o tempo todo em cima do muro, acabará não indo a lugar algum no pouco tempo que lhe resta (sem falar, claro, no perigo das farpas em lugares inconvenientes). Como dizem: "não se salta uma fenda em dois pulinhos".

É preciso coragem e dedicação para viver o seus sonhos. (Claro, também é preciso lembrar onde acaba a coragem e começa a estupidez). A verdade é que todos nascemos com potencial para a grandeza, abençoados com oportunidades para alcançar novas e estonteantes alturas. Mas, tristemente, muitos de nós são preguiçosos demais, preocupados demais com o que os outros possam pensar, com medo demais de mudanças, para abrir suas asas e usar todos os seus talentos.

É importantíssimo fazer o que deixa feliz - e da melhor maneira possível. Não importa que seja fazer bolas de neve, prender a respiração debaixo d'água, cantar, ou conseguir efeitos dramáticos com um secador de cabelos. Só o que interessa é que você se sinta bem com o que está fazendo.

Tenha sempre em mente que, faça o que você fizer, os enganos são parte da vida e não perca tempo se castigando por erros do passado. Não fique ruminando se está ou não fazendo a coisa certa. Você sempre saberá a resposta no seu coração. Em vez de desanimar-se, lembre-se sempre de que rejeição e resistência são inevitáveis quando se faz algo muito importante ou especial.

Quando você se propõe a realizar seus sonhos, muitos tentarão detê-lo (incluindo os que mais amam você). O que não falta neste mundo são pessimistas lamentáveis, que desistem dos seus sonhos, para lhe dizer: "não perca seu tempo, você nunca conseguirá."

Você pode muito bem se ver cercado por pessoas que, secretamente, querem ver você fazer menos, ou fracassar por completo, para não se sentir diminuídas. "Esqueça isso", dirão. "Não vale a pena." Por isso, é importante compreender que seguir o seu próprio caminho pode ser incrivelmente recompensador, mas não é fácil não. Como todo mundo, você terá alguns dias melhores que outros. De vez em quando, tudo parecerá uma grande zona de perigo.
As pessoas olharão para você com estranheza quando souberem o que você está tentando atingir e você começará a ouvir seus detratores e a ter dúvidas. "Porque não continuei vendendo bananas, meu Deus?"

Mas, aconteça o que acontecer, não desista!

Lembre-se de que todos têm dificuldades.. É incrivelmente cansativo passar dias fazendo coisas que não nos agradam ou sequer nos interessam. Mas, se você perseguir o seu sonho, pelo menos se cansará fazendo o que mais gosta.

Você pode achar que nada disto significa muito no grande esquema global das coisas.
Mas, acredite: significa. Quando você tirar tudo que puder da sua vida, saboreando cada gota, isto mudará tudo à sua volta, de ordinário para extraordinário. Quando estiver fazendo o que ama, você se levantará de manhã cheio de animação para enfrentar o começo de cada dia e estará tomado de uma alegria sincera, altamente contagiante.

Do mesmo modo que, ao dar uma boa risada, faz outro começar a rir, e outro, até que estão todos rindo tanto que começam a lacrimejar, ter dor de estômago e dificuldades em respirar. Mas, melhor do que tudo, fazendo coisas que enroscam os seus bigodes de fazer (presumindo-se, claro que você tenha bigodes), você inspira outros a irem atrás dos seus sonhos, e é assim, meu amigo, que se transforma o mundo!

Sabe de uma coisa? Mesmo que você cometa enganos e esteja errado sobre quase tudo, ainda assim sua vida será uma aventura fantástica e divertida; você dormirá cada noite sabendo que fez o que podia e isso fez diferença e acordará a cada dia antecipando o futuro tão belo e excitante quanto puder imaginar.

E sabe de outra coisa? Se você ouvir seu coração e usar a cabeça, nunca estará errado.

Luiz Fernando Veríssimo

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Amanhece!



Ouve-se o riso das flores
Borboletas bailam no jardim
O orvalho tem cor doce
O céu sorri para mim

Cai chuva em solo fértil
Exalando delicados perfumes
Sente-se suave euforia
Amanhece! Claro é o dia!

-Arnalda Rabelo-

sábado, 23 de outubro de 2010

A DANÇA


Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo directamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
.
Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Pablo Neruda

sábado, 9 de outubro de 2010

Saudade

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Martha Medeiros
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Saudade



Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

Pablo Neruda
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sábado, 2 de outubro de 2010

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É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.
Pablo Neruda

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Pra Você Guardei o Amor

Nando Reis

Composição: Nando Reis

Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir

Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir

Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Pra você guardei o amor
Que aprendi vendo meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que arco-íris
Risca ao levitar

Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir

Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

sábado, 25 de setembro de 2010

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#MarisaMonte – A Sua

“Eu só quero que você saiba
Que estou pensando em você
Agora e sempre mais
Eu só quero que você ouça
A canção que eu fiz pra dizer
Que eu te adoro cada vez mais
E que eu te quero sempre em paz

Tô com sintomas de saudade
Tô pensando em você
E como eu te quero tanto bem
Aonde for não quero dor
Eu tomo conta de você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem

Eu só quero que você caiba
No meu colo
Porque eu te adoro cada vez mais
Eu só quero que você siga
Para onde quiser
Que eu não vou ficar muito atrás

Tô com sintomas de saudade
Tô pensando em você
E como eu te quero tanto bem
Aonde for não quero dor
Eu tomo conta de você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem

Eu só quero que você saiba
Que estou pensando em você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem
E que eu te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem”


domingo, 19 de setembro de 2010

sem titulo!

Se você quiser me contar seus segredos
Sou de todo ouvido.
Se os seus sonhos não derem certo,
Estarei sempre lá para você.
Se precisar se esconder,
Terá sempre minha mão.
Mesmo se o céu desabar,
Estarei sempre contigo.
Sempre que precisar de um lugar,
Haverá meu canto, pode ficar.
Se alguém quebrar seu coração.
Juntos cuidaremos.
Quando sentir um vazio,
Você não estará sozinha.
Se você se perder lá fora,
Te buscarei.
Te levarei prá algum lugar
Se precisar pensar.
E quando tudo parecer estar perdido,
E você precisar de alguém
Eu estarei sempre aqui.

Martha Medeiros

Ausência



Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar teus olhos que são doces Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos. Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz perenizada

Martha Medeiros

Alquimistas emocionais


  • Grupo RBS

    Alguns seres caminham leves mesmo quando as coisas vão desmoronando

    O riso e a dor chegam até nós como uma pedra em estado bruto. Alguns a lapidam e a transformam em algo translúcido, que deixa passar a luz. Outros, como Sísifos cansados, nada mais fazem do que transportá-la até o cume da montanha, deixando-a rolar novamente onde a pegaram. Em última instância, tudo depende de nós, da maneira como manufaturamos esse material que, em doses equilibradas ou não, compõe nossa maneira de ver e traduzir o que se passa ao redor.

    É comum encontrarmos pessoas que tornam situações banais, pequenos tropeços, testes de sobrevivência cotidiana, uma verdadeira batalha de vida e morte. Estão viciados em sofrer. Tudo de ruim acontece com eles. Desde uma unha que lasca até uma doença grave. Vítimas desse exagero em se colocar no centro do mundo clamam o tempo todo pela compaixão alheia. Gravitam ao redor de amigos e até desconhecidos em estado de eterna confissão. Não duvido que seu sofrimento seja profundo, mas ele aumenta de proporção na medida em que se põe uma lupa sobre cada detalhe que o cerca.

    Outros parecem passar incólumes por situações semelhantes. Sabem que a felicidade pode ser, sim, uma sucessão de breves intervalos entre o peso e a graça de existir. E por isso mesmo procuram tirar o máximo proveito. Uma espécie de força vital os joga sempre para o alto, para uma compreensão que não está atrelada aos fatos em que estão imersos. Não são simples sobreviventes – estes muitas vezes perigosos, porque carregados de rancor e desejo de vingança. Parecem estar constantemente disponíveis para o riso. Com uma espécie de dom sobrenatural, caminham leves mesmo quando as coisas vão desmoronando. Não sei se isso pertence à ordem do espiritual. Se é dádiva com a qual os deuses bafejam alguns, aleatoriamente, ou se é resultado de um longo trabalho de recolher de todos aqueles com quem convivem uma espécie de alimento suplementar para os dias de tristeza. Talvez tenham compreendido a lição de Lou Salomé: “A vida nada te dará, se quiseres algum presente, rouba-o.”

    Encontramos também em Sartre uma observação valiosa. Ele dizia que o importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós. Talvez sejam necessárias sucessivas camadas de tempo para que essa lucidez surja. Para que possamos nos aquietar mesmo diante dessa estridência permanente, dessa desordem que parece definir a fisionomia do universo. Pontuar tudo com um porquê nos torna reféns, na medida em que precisamos de uma significação para qualquer coisa que nos aconteça. Não precisa ser assim. O olhar que flerta com o trágico pode ser, por mais paradoxal que pareça, uma forma de libertação. Uma maneira de desembaraçar essa vasta trama que muitas vezes é feita de acasos, de sorte ou fatalidade.

    Os que se apegam ao riso aprenderam que não se deve permanecer escravo de circunstâncias que não estão sob o nosso controle. São intuitivamente estoicos. Inauguram, assim, uma humildade involuntária: reconhecem que não está em suas mãos mudar algumas partes do enredo. Não cedem à melancolia que tantas vezes se apossa da alma. Mesmo que cada vitória seja frágil, não ficam celebrando o sem sentido de tudo. Desconfiam da tristeza por saber que ela é uma espécie de suicídio lento, irrevogável. E seguem, livres do peso que é sentir-se estrangeiro em sua própria casa. Sabem se divertir porque tudo já passou. Sua memória pertence ao amanhã.

domingo, 12 de setembro de 2010

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Carta a um amigo apaixonado


Grupo RBS Esquece tudo que ão te contamine com a única presença que te faz vivo – adoece de amor

Eu nada te posso dizer sobre o amor. Esse mistério que nasce do mistério e nele termina. Essa luz azul que faz as palavras se recolherem num deserto de silêncio e êxtase. Ele rasga o humano e se instala em outra esfera. Mas me falas que estás apaixonado e, com o coração crispado de alegria e impaciência, buscas algo que te traduza. Ouço-te, mas são teus olhos que me interessam. Eles já não repousam sobre os objetos e as pessoas que antes mereciam tua atenção. Tudo em ti se transformou no desejo pela criatura amada. Esse desejo que inaugura a claridade em tudo que tocas.

Tu, que sempre foste sereno, começas a te surpreender com acelerações cardíacas, tremores involuntários e a pouca necessidade de repousar. Aos 23 anos talvez seja essa a primeira vez que o amor te expulsa de dentro da concha. Lembra-te daquele verso avulso do Quintana: “Amar é mudar a alma de casa”. Por tempo indeterminado estarás ocupando uma morada que antes nem pensavas que existisse, senão em tua imaginação. A paixão promove esse exílio consentido e nos instala numa espécie de paraíso não sonhado. Embora te digam que é pura biologia e que, diante da razão, é possível traduzir essa desordem interior, não acredites. O que se passa não pode ser formulado, mesmo depois de ter sido vivido por quase todos os seres humanos. Ele apenas cobra de nós a entrega. A coragem da entrega, o mais íntimo dos atos.

Talvez te interesses por poesia ou por encontrar uma música que vá tornar as coisas mais sólidas e significantes a teu redor. Porque é sempre assim, nesse estado de enamoramento. Tudo se surpreende líquido, tudo escorre entre os dedos para colorir as mãos do ser amado. Não acredites na pura transcendência do que estás sentindo. É com tuas vísceras, com o que há de mais orgânico em ti que amas. Se assim não fosse, a ausência não seria essa lâmina quente que atravessa cada centímetro do teu ser. Bastariam caneta e papel para dar conta dessa felicidade que é também uma espécie sutil de dor. Mas não. Cada minuto longe é suplício de membro sendo arrancado, de fome que não encontra saciedade.

Explora, exaure, mastiga. Sê o mais perdulário que te for possível. Esquece tudo que não te contamine com a única presença que te faz vivo. Adoece de amor. Torna-te antigo como Abelardo e Heloísa, como Tristão e Isolda. Que tu só encontres a desmesura, aquilo que transborda. Alimenta essa febre que te consome e te torna mais forte. Algum dia ela será tua melhor recordação, o Éden que nenhum deus poderá te dar. Pensa na solidão do próprio Deus, que pode amar a todos, mas não a um ser escolhido. A eternidade já está em ti, mesmo que não dure mais que alguns anos ou mesmo meses.

Por esses dias descobrirás outro sentido para a Beleza. Ela será mais importante que a Verdade. Deixa-te enganar. Só os muito tolos a perseguem quando estão apaixonados. Tudo a teu redor gravita como um redemoinho e tua lucidez será não tentar o entendimento, esse reino da ordem que pertence aos que buscam o poder, não o amor. Leia pouco, o menos que puderes. Obedece apenas ao coração, o único órgão que não te trairá. Se quiseres ser confortado com algumas frases, abre qualquer página de uma das mais belas obras que um homem foi capaz de escrever: Os Frutos da Terra, de André Gide. Escuta: “Por muitas coisas deliciosas, Nathanael, eu me usei de amor. Seu esplendor vinha de por elas arder sem cessar. Não podia enfastiar-me. Todo fervor era um desgaste de amor, um delicioso desgaste. Agir sem julgar se a ação é boa ou má. Amar sem se preocupar se é o bem ou o mal. Nathanael, eu te ensinarei o fervor.”

Que estas palavras te ensinem a esquecer as palavras. Parte para longe delas. “O amor é uma eflorescência sobre a morte.” Salva-te.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.
Pablo Neruda.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O tempo é um escultor?


Grupo RBS Quem de nós já não disse esta frase: “Foi muito difícil passar por isso, mas a experiência me ensinou muito.” Nem sempre, nem sempre. Muitas vezes essas brechas de luz não resistem à passagem do tempo. Elas abrem um fulcro de consciência enquanto a dor nos corrói, mas costumam desaparecer assim que o sofrimento se atenua em nosso interior. Temos coisas mais urgentes em que pensar. Normal. Mais do que isso, é saudável não ficar acariciando as perdas, transformando-as em mascotes de estimação, enquanto nos afeiçoamos ao papel de vítima. Que, apesar de provocar alguns estragos psíquicos, sempre comove os outros. E principalmente a nós mesmos.

Mas há outro aspecto nesta questão que não costuma ser considerado. Com o acúmulo de fatos vividos, com a soma de emoções positivas e negativas, acabamos perdendo a leveza, a curiosidade. Nossas atitudes se tornam mais rígidas. Endurecemos. Perdemos também muito da espontaneidade que parece ser privilégio mais dos jovens, dos muito jovens. Talvez essa equação hospede um equilíbrio necessário para a manutenção do próprio ser. Quando tudo é fulgor e exuberância, fica faltando a sobriedade que se irmana à reflexão e faz com que acertemos mais em nossas escolhas.

Ainda assim, eu não faria a apologia desbragada da experiência. Vamos envelhecendo e, se não tivermos cuidado, tudo vai se tornando menos interessante. É preciso uma força física e emocional extra para sustentar o olhar de espanto sobre o mundo. E perceber como é necessário manter a alteridade em nossos relacionamentos. Continuar aprendendo com quem gosta de fazer esboços, sem o peso e a gravidade de não poder mais errar.

O que o tempo esculpe dentro de nós? O que nos rouba? É recomendável ter muito cuidado para que essa presumível sabedoria que a maturidade nos dá não nos transforme em homens e mulheres tristes. Pior: em chatos cheios de verdades inquestionáveis. A sedimentação de conceitos conduz à intransigência. Como se fosse uma espécie de crime reconhecer que nos enganamos – como se a gente tivesse preguiça para começar de novo. Os caminhos são múltiplos e quase sempre é possível retroceder. O que parece uma espécie de leviandade pode ser o saudável exercício de correr riscos, de experimentar todas as possibilidades que estão a nossa disposição.

Ninguém quer passar horas e mais horas refazendo o itinerário que considerava definitivo. Mas o fato é que a convicção de que vamos nos tornando mais sábios deixa em nós resíduos de arrogância. Será que podemos mesmo ensinar alguma coisa para os outros? O que se chama de vivência não pode ser terceirizada. Cada um trabalha com um martelo próprio e as feições que vai moldando só pertencem a si mesmo. O escritor Pedro Nava dizia que a experiência é como um carro com os faróis voltados para trás.

Seria bom se nos aferrássemos a essa alegria que vemos no rosto dos que continuam nascendo. Ou, se tanto não for possível, pedir emprestado um pouco dessa vontade inquebrantável que os joga para fora de si mesmos, desejando os encontros.

O fastio não precisa ser o prêmio amargo de quem envelhece. Não são apenas os movimentos do corpo que se pode perder. Há algo mais grave: a falta de mobilidade interior.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

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SI TÚ ME OLVIDAS

QUIERO que sepas
una cosa.

Tú sabes cómo es esto:
si miro
la luna de cristal, la rama roja
del lento otoño en mi ventana,
si toco
junto al fuego
la impalpable ceniza
o el arrugado cuerpo de la leña,
todo me lleva a ti,
como si todo lo que existe,
aromas, luz, metales,
fueran pequeños barcos que navegan
hacia las islas tuyas que me aguardan.

Ahora bien,
si poco a poco dejas de quererme
dejaré de quererte poco a poco.

Si de pronto
me olvidas
no me busques,
que ya te habré olvidado.

Si consideras largo y loco
el viento de banderas
que pasa por mi vida
y te decides
a dejarme a la orilla
del corazón en que tengo raíces,
piensa
que en ese día,
a esa hora
levantaré los brazos
y saldrán mis raíces
a buscar otra tierra.

Pero
si cada día,
cada hora
sientes que a mí estás destinada
con dulzura implacable.
Si cada día sube
una flor a tus labios a buscarme,
ay amor mío, ay mía,
en mí todo ese fuego se repite,
en mí nada se apaga ni se olvida,
mi amor se nutre de tu amor, amada,
y mientras vivas estará en tus brazos
sin salir de los míos."

Pablo Neruda

sábado, 14 de agosto de 2010

O ideal existe?


Enquanto esperamos pelo ideal, as coisas mais interessantes da vida costumam passar pela nossa frente. E nós nada. Nem uma piscadela. Mas como sofremos por não descobrir o amor que nos arrebata, o emprego dos nossos sonhos, a casa perfeita para morar. Cadê, onde está? Reclamar é preciso. Viver, parece que nem tanto. Tenho uma amiga que costuma escolher o namorado pela qualidade dos sapatos que ele usa. O infeliz que se aproximar dela calçando um prosaico tênis já está riscado definitivamente do seu círculo de eleitos. Se tiver um ótimo caráter, for gentil, atencioso e gostar do Woody Allen, pouco importa. Nota zero. É preciso ser aprovado no quesito ortopédico. Informação adicional: ela é inteligente e culta. Mas seu calcanhar de Aquiles é mesmo o sapato alheio. Continua procurando.

Outro amigo, menos atento à estética da roupa e mais à estética do corpo, há mais de dez anos está caçando uma modelo perfeita para desfilar por aí junto com os seus cartões de crédito. Mulheres agradáveis e espirituosas já tentaram se aproximar dele. Nem bola. Com sua visão enfermiça, segue buscando somente a ideal. Aquela que não existe.

É uma praga que afeta homens e mulheres, como se vê. Se a realidade não bater cem por cento com o nosso sonho de consumo, melhor descartar, concluímos. Nesse processo de miopia seletiva, matamos prematuramente um grande número de relacionamentos que nos fariam mais felizes e nos levariam a resmungar menos. Nunca encontraremos tudo numa só pessoa. Vale para pais, filhos, amigos, namorados. Também para vizinhos, cachorros e afins. Continuamos atraídos pelo distante, pelo inacessível.

Maturidade? Talvez seja pegar o melhor de cada coisa e esquecer os possíveis defeitos. Tudo é uma questão de foco. De deletar da cabeça alguma eventual falha e concentrar-se no que interessa. Minha paciência tem diminuído com aqueles que só sabem destacar o lado ruim das coisas. Se ele pinta, mas nunca será um Picasso, é motivo para fazê-lo desistir? Se o carro do seu namorado é lá da década de noventa, faz alguma diferença no prazer que você tem com a sua companhia?

Ser capaz de ver é mais do que passar no teste do oftalmologista. É refinar a sensibilidade e selecionar com lucidez. Mas para que isso aconteça é necessário, também, que saibamos nos perdoar por todas as escolhas equivocadas que fizemos. Foi o que conseguimos naquele momento. O melhor, o mais adequado. Isso sim parece ser o ideal: não se precipitar nem para escolher e nem para descartar. As primeiras impressões costumam ser levianas.

Se você não gostou do bolo, coma apenas uma pequena fatia. Mas coma. Ficar olhando criticamente não o fará descobrir o sabor. Penso em como são afortunados todos os que se permitem errar e analisar o próprio erro. É preciso reconhecer os escorregões, os tombos, o que não deu certo. Mas não fazer disso uma autoflagelação. Basta ajustar os óculos.

Inteligência é saber excluir o que não nos agrada e agradecer com várias novenas por ter encontrado alguém que nos escolheu para andar ao seu lado. Ninguém explica o mistério do desejo. Basta que saibamos baixar um pouco as nossas expectativas. Até porque deve dar um cansaço danado essa busca frenética pelo que é praticamente impossível de achar. O raro nem sempre é o melhor.

Continuamos atraídos pelo distante, pelo inacessível

domingo, 1 de agosto de 2010

Macumba virtual


Estamos banalizando a fé, escolhendo os caminhos mais fáceis

A vida pode ser um parque de diversões. Duvido que alguém conheça a palavra tédio se ficar algumas horas procurando por curiosidades na internet. Foi o que eu fiz recentemente, depois de ter sido informado da existência de um site chamado Macumba On-line. É surreal. O anúncio do portal diz: “Tudo o que você conseguiria fazer num terreiro, na tela do seu computador”. Nada é impossível se acessar essa entrada para o paraíso. As promessas vão desde engordar a sua ex-namorada até fazer alguém que não lhe é muito caro desenvolver incontinência urinária. Mas são só dois exemplos de um leque gigantesco de possibilidades. Você paga um preço razoável e todos os problemas de sua vida serão resolvidos num passe de mágica. Ou, no caso, com um clique do seu mouse.

Parece que algum devoto da igreja católica, invejoso do sucesso do Macumba On-line, também lançou seu site particular. Chama-se Meu Santo e já conta com milhões de associados. O negócio lá é o seguinte: o interessado escolhe o santo de sua preferência (de uma lista de mais de 200) e faz o seu pedido. Depois paga a promessa com santinhos virtuais ao “módico” preço de 50 reais para cada graça alcançada. Não é mesmo uma graça? Os depoimentos de pessoas agradecidas impressionam. Embora pareça quase inocente, com seu foco mais voltado para conseguir o que se deseja em nome do bem, não se pode negar que essa ideia também se transformou em algo muito lucrativo para o seu dono. E o mais estarrecedor: qualquer um de nós pode fazer o mesmo, basta um pouco de criatividade e um certo tino comercial para que não seja mais preciso se preocupar em sair por aí procurando emprego. O mundo está cheio de otários ingênuos dispostos a pagar qualquer valor para conseguir o que querem sem fazer grande esforço.

Essas são duas das buscas que dá para fazer quando estamos desesperados. Quem tiver tempo e principalmente paciência (eu não tenho), deve encontrar uma infinidade de outras comunidades que prometem o reino dos céus ainda em vida. Sinal dos tempos, dirão os propensos a ver catástrofe em tudo. Hilário, penso eu, depois de ter desligado o computador sem ter sentido a menor tentação de endereçar alguma mandinga a um eventual desafeto. Prefiro acender uma vela para outro santo. O que fez com que eu me perguntasse o seguinte: a culpa é do jogo ou do jogador? É ótimo que existam todas as opções possíveis dentro desse fascinante mundo da internet. O problema é quando não sabemos mais fazer as filtragens mínimas entre o que interessa e o que é absolutamente irrelevante. E pensei naquela maravilhosa assertiva, tão cara aos exegetas: “Desconfie de qualquer religião que não tenha pelo menos dois mil anos”. A banalização da fé é sintoma inequívoco de que estamos escolhendo os caminhos mais fáceis, os que dão menos trabalho. Estamos nos tornando verdadeiramente preguiçosos, achando muito cansativo até rezar. Parece mais seguro fazer uma terceirização básica para conseguir o que se deseja. Dói um pouco no bolso, mas o resultado promete vir a galope.

Assim, quase num piscar de olhos, o inimaginável pode se tornar real. Ao menos, presumivelmente. Hoje em dia, nada disso me deixa deprimido e não fico por aí vociferando que é o fim dos tempos. Estamos encontrando, isso sim, outras maneiras de tentar solucionar problemas ancestrais. As consequências de usar métodos pouco ortodoxos para alcançar tantas benesses? Ainda é cedo para dizer algo conclusivo. Um passeio desses não torna nenhum de nós mais sábio ou iluminado. Mas quem sabe essa nova fé virtual possa acabar diluindo um pouco a crise existencial que parece assolar a tantos. Na pior das hipóteses, você pode passar algum tempo brincando de ter o poder que a realidade lhe sonega. Mas não esqueça de colar um papelzinho no canto do seu computador com a seguinte frase de Einstein: “Só existem duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana”. Bom divertimento.

domingo, 18 de julho de 2010

Autorretrato



Até o início da idade adulta, minha vida foi um verdadeiro drama mexicano, com direito a enredo de ópera. Achava lindo sofrer. E ai do amigo que não partilhasse essa gula desmesurada pelo desespero. Eles guardam pilhas de cartas encharcadas de lágrimas. Não fui dark por um triz,, se bem que por dentro tenha passado anos vestindo preto. Flertava mentalmente com o suicídio quase toda semana. Anunciava em público meu propósito de deixar esse mundo sombrio. O máximo que consegui foi assustá-los. Não ousei ir além da ingestão medrosa de três Lexotan depois de uma grande desilusão amorosa. Dormi o melhor sono da minha vida. Ainda sonho em recuperar aquele Éden provisório.

Depois, não sei exatamente o que aconteceu. Comecei a achar muito trabalhoso sofrer. O tédio perdeu todo o charme. Olhava para a solidão com certa desconfiança. Ainda era meu brinquedo preferido, mas já via algumas rachaduras que me deixavam meio desconfiado. Montanhas de livros lidos, um prazer mórbido em cutucar a tristeza... e tudo se evaporou como uma bolha de sabão. Foi um grande amor que me salvou? Foram dois anos de terapia? Não sei e bocejo ante a possibilidade de vasculhar o passado. Continuei enamorado das grandes ideias, da arte que traça o itinerário de nossas emoções, do percurso silencioso que fazemos tentando nos traduzir. Mas felizmente me cansei bem cedo de ficar buscando um sentido para tudo. É mais saudável ir experimentando e ver se dá certo ou não. É só me convidar que estou pronto pra ir. Sou fácil, fácil demais. Aprendi a colher bobagens, tirei a sorte grande.

É muito chato fazer o papel de vítima, achando que um raio está sempre prestes a cair sobre a nossa cabeça. Detesto ser o porta-voz de alguma tragédia. Minha ou alheia. Tudo passa tão rapidamente que eu quero usar a vida até furar a sola, como um filósofo me ensinou. Pode ser com o reencontro de um velho pião de minha infância, um beijo úmido numa tarde de inverno, o gosto áspero de uma bergamota colhida no pé. Tanto faz. Desenvolvi uma espécie de radar intuitivo que faz com que eu me aproxime das pessoas que sabem digerir melhor as manhãs do que os crepúsculos. Amo os crepúsculos, mas sei que eles me enfraquecem com sua poesia de fragilidades. Hoje eu me engano de alma aberta. As coisas passam, mas têm permanência dentro do meu olho. Sou míope só diante de temporais imaginários.

Tenho gratidões que me abismam. Alguém que me abraça ou empresta seu livro preferido de poesia. Alguém que me oferece uma xícara de café com leite ao lado de um fogão a lenha. É como respirar novamente as paredes da casa de minha avó. Alguém que me oferece uma carona no seu carro, no seu peito, na concha das suas mãos. É nesse mar de ternura que navego, sem precisar de outra bússola. Alguém que tenha a sensibilidade de chegar e partir na hora certa. Uma hora que nem eu mesmo sei qual é, mas que se ajusta às batidas do coração. Alguém que transborda, que não coloca tudo a juros de governo, imaginando algum tipo de garantia. A única garantia é o hálito de cada nova aurora.

Num certo dia da idade adulta parti de mim mesmo. E nunca mais tive o desejo de me procurar novamente. Sei que posso gostar de Aristóteles e de Chapolin Colorado. Qual o problema? Choro com qualquer drama romântico, cheio de clichês. Não preciso parecer inteligente vinte e quatro horas por dia. Prefiro a leveza, a gargalhada, o aconchego. Faço certas combinações com palavras que talvez deixem algumas pessoas felizes. Não vivo a crédito, vou me gastando o mais que posso. Gosto da contradição, porque ela me torna mais vasto. Tenho dificuldade em desistir, seguro com a ponta dos dedos o único fio da corda que não se rompeu. Ainda não conheci a saciedade, sou curioso e tenho cada vez mais fome. Do meu retrato, ainda estou investigando a moldura. A fisionomia pertence aos outros.

domingo, 11 de julho de 2010

Você é tudo para mim

Receita de felicidade conjugal: você, o outro e a dúvida

O ideal romântico de querer ser tudo na vida de uma pessoa ainda persiste. Meio capenga, mas persiste. Por mais que os costumes mudem, por mais que nos demos conta de que nenhum ser satisfaz a totalidade de nossos desejos, carregamos a secreta fantasia de sermos os beneficiários de um amor ideal. Que não existe. E quando imaginamos que ele existe, que peso! Pense na escravidão de ter que atender à tamanha expectativa. Eu continuo preferindo os amores mansos, esses que se fazem dentro de uma ordem que podemos até considerar banal, mas que, quando perpassados pelo tempo, carregam uma madureza com a qual nenhum arroubo de paixão pode rivalizar.

Ser tudo para alguém equivale a abdicar da própria individualidade. A ver na solidão redentora uma espécie de traição para com o ser amado. Estar sempre junto, deslocando-se de si em busca de uma fusão irreal com um outro que não poderemos apreender nunca. Que os deuses me livrem de um amor tão sufocante, feito mais de ciúme e vigilância do que de platitudes e suavidades. Eu o quero bem pequeno, quase anônimo, mas que me permita antever o porto, o descanso das minhas fragilidades. Amor imperfeito, desses que não dariam jamais um enredo de romance. Mas que, em sua modéstia, saiba ancorar o diálogo, a dor e a alegria. E o insondável mistério do mundo que desaparece quando, ávidos, nos atiramos em busca de um amor total.

Eu me sinto incomodado diante desses casais que não sabem partilhar seus dias com amigos, com desconhecidos. Que não sabem incluir nesse querer algumas doses de perigo, de instabilidade. Porque não há segurança alguma, não há data de calendário que determine por quanto tempo seremos merecedores das benesses afetivas de esposas, maridos ou namorados.

Lembro do amigo de longa data que me olhava, sofrendo, e sofrendo me disse: “Ela se apaixonou por outro depois de vinte e três anos de casamento. Nós éramos como irmãos, pensei que nosso sangue já fosse de um único tipo.” Como não sentir medo de entregar os melhores anos de nossas vidas a uma só pessoa? Quando ela vai embora, o que é que fica? Uma dor (quando não uma raiva) tão grande que muitas vezes se transforma em doença física. Existirá alguém tão fascinante que mereça tal doação? Espero nunca encontrar, mas ir seguindo assim, com passos um pouco hesitantes, sem saber com quem vou me deparar um pouco além da esquina.

Parece que a melhor receita de felicidade conjugal continua sendo essa: você, o outro e a dúvida. Como, igualmente, a melhor maneira para prender alguém ao nosso lado é deixá-lo livre. Isso sim é atemporal e não obedece a códigos sociais ou aos preconceitos que compramos em cada época. Ficar junto por amor, mas com a consciência de que o caminho mais fácil de destruir isso é sendo tudo para quem resolveu nos escolher como membro único de uma confraria que nem sempre se traduz em felicidade.

Como tudo o mais, a sabedoria está na reserva, na contenção, naquilo que é, mas não é com certeza absoluta. Não tenho vontade de aprender as regras de um jogo diferente, até porque dá muito trabalho e o meu policial interno já recebeu demissão sumária há muito tempo. Quero ser surpreendido com rações diárias de um amor que se interessa em habitar outras casas, mas que queira voltar espontaneamente para mim.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O olho do crocodilo


Grupo  RBS Em nossa sociedade o sexo é superestimado. Mas como entender o celibato?

Alexandre, o Grande, está às vésperas de tomar uma importante decisão. Manda chamar uma mulher que sabe prever o futuro. Ela lhe diz que é preciso acender uma grande fogueira e ler em sua fumaça, como um livro. Mas o adverte: enquanto ela estiver fazendo a previsão, ele não deverá pensar em hipótese alguma no olho esquerdo de um crocodilo. No olho direito, tudo bem. Alexandre, então, desiste de conhecer o futuro. Por quê? Porque assim que o advertem para não pensar em determinada coisa, você passa a pensar só naquilo. A proibição constitui obrigação.” Este episódio é relatado pelo escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, na brilhante obra Não Contem Com o Fim do Livro.

Pondero sobre isso a propósito de uma conversa que tive com dois inteligentes amigos, freis capuchinhos. Falo a eles sobre quanto o celibato me parece inaceitável dentro de nossa condição biológica. Não pensar e não praticar sexo nunca, como é possível? Digo que é mais ou menos como não se focar no olho esquerdo do crocodilo. Que razões, além da já sabida estratégia da igreja de não querer dividir seu patrimônio com eventuais descendentes dos clérigos, pode levar alguém a abdicar de um dos instintos mais fortes da vida? Longo silêncio. Depois, um deles me diz: “Nós trocamos o amor de um ser pelo amor de toda a humanidade.” Bonito isso, mas um pouco difícil de encaixar dentro da prática cotidiana. E como eles fazem com a libido? Sublimam? Não, responde, há outras maneiras de deixar com que ela se manifeste sem que seja consumada num ato. Em outras palavras, ela permanece como uma potência latente, mas ainda assim, real.

Lembro das magníficas asceses que os mestres de ioga descrevem, sobre os resultados da canalização da energia erótica. Chegam bem próximos do orgasmo e depois o suspendem. Difícil, não é? Para nós, ocidentais, sempre tão estimulados visualmente pela presença incessante de corpos alheios, como estabelecer um limite entre o prazer legítimo e o excesso abusivo da carne exposta? O celibato, em circunstâncias tais, constitui-se num verdadeiro exercício de superação. Mais ou menos como deixar um doce a um centímetro da boca de uma criança e não querer que ela salive de desejo.

Na conversa que continuo tendo com meus diletos amigos, busco outras razões que possam jogar um pouco de luz não só sobre o celibato, mas também sobre a pedofilia, tema tão recorrente hoje em dia. Concordamos em uníssono: essa perversão independe deles serem religiosos ou não. Não está na abstinência a causa dessa prática. Opinião quase sempre ignorada por críticos mais afoitos.

À parte isso, não me convenço com os motivos que levam alguém a abdicar de uma existência em família – um mal que é também fonte de incontáveis alegrias. Que leitura podemos fazer do casamento se não o vivenciamos? Será que o mero testemunho substitui a vivência? Questão que permanecerá em aberto, pois cada um de nós sempre defenderá com unhas e dentes as escolhas que fez ao longo da vida. Com satisfação ou mesmo arrependimento.

Eu prefiro continuar olhando para o olho esquerdo do crocodilo. Fujo das obsessões como o diabo da cruz. Mas busco entender que a felicidade pode ser encontrada nos lugares menos prováveis. E vale lembrar que o sexo é superestimado em nossa sociedade. Nem todos se interessam tanto assim por ele. O celibato pode ser, enfim, uma visão mais elevada sobre a nossa condição de seres prisioneiros do instinto de sobrevivência. Não comer o fruto suculento que está ao alcance das nossas mãos. Isso também é um tipo de liberdade?

domingo, 27 de junho de 2010

Alma livre

Alma livre


A vida em sociedade desfigura nossa fisionomia original

Uma das coisas que define um grande homem de outro que apenas se deixa viver é a capacidade de estar além do que os outros pensam dele. Mais: de manifestar uma certa indiferença em relação a tudo que o toca. Passamos a maior parte do tempo colocando sob viés analítico atos e pensamentos que não coincidem com os nossos. E nos atormentamos excessivamente com a imagem que queremos mostrar para o mundo.

Poucos de nós têm a coragem de se revelar como realmente são. Obedecemos costumeiramente às expectativas que jogam sobre nossas costas. O atrito é minimizado e os elogios tendem a crescer, mesmo que à custa da morte das inclinações naturais. A vida em sociedade desfigura nossa fisionomia original. Acabamos quase sempre reagindo, não obedecendo às motivações de nossa alma. O olhar alheio incomoda, pressupõe um julgamento permanente do que somos ou fazemos.

A rebeldia em relação ao estabelecido cobra o seu preço. Padronizar é a ordem do dia. É com isso que o mercado conta: com a lista dos maiores e melhores, com a nossa preguiça em questionar essas pesquisas que determinam o que todos devem gostar ou repudiar. Acabamos nos acomodando ao senso comum, a discretos indicativos que nos dizem para seguir na direção em que todos estão indo.

No entanto, a liberdade vai pelo caminho oposto. Manter esse olhar de distanciamento não só no tocante ao que sentimos, mas também ao que nos cerca, é o melhor antídoto para evitar a corrupção dos gostos pessoais. Sem contar que tira dos ombros o insuportável peso de ficar se preocupando com tudo o que não pertence ao nosso credo pessoal.

As coisas são o que são, sem precisar obedecer aos nossos anseios. Ficamos chocados quando os outros agem ou são diferentes de nós. Oprimidos por um eu que afunila e deforma essa visão, dificilmente percebemos que nada mais são do que manifestações de um mesmo desejo, um poema escrito em ordem diversa, mas ainda assim um poema.

Desfazer-se dessa perspectiva limitadora é como atirar para o alto e para longe todas as ordens de comando que fomos recebendo desde que nascemos. Penso aqui em Rimbaud, o poeta rebelde que não quis se filiar a nenhuma escola, que não negociou sua juventude em troca do conforto que o acomodamento burguês lhe oferecia. Passados mais de 100 anos, ainda podemos beber dessa fonte que exala um perfume que nos atordoa e humilha, porque revela o tamanho da nossa covardia.

Quase nada tem a importância e a gravidade que lhe atribuímos. Cada um faz o que pode no limite de sua capacidade. Por que nos perturbarmos tanto diante do que passa? A crítica em excesso só destrói, nos torna amargos e ressentidos. Sinto um grande cansaço quando me deparo com alguém descontente com tudo e com todos. A época em que vivemos não é melhor e nem pior que tantas outras. O que fazemos é usar ferramentas diferentes, mais sofisticadas (embora muitas vezes falhas) para nos comunicar.

Gostar exige mais de nós. Exige deixar de lado esse constante falatório que esteriliza as relações. O deserto pode ser aqui. Mesmo em meio a tantas construções, tanto barulho, tanto movimento.

sábado, 19 de junho de 2010

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Classificados


Procura-se pessoas que não tenham opinião sobre tudo. Que hesitem antes de proferir sentenças definitivas, pois pensamos e sentimos obedecendo ao momento, em eterno conflito entre a razão e a emoção.

Procura-se pessoas que caminhem devagar, absorvendo paisagens e objetos, sem devorar o mundo com a fome de um lobo, sem tanta voracidade. Que saibam observar placidamente quem está ao seu lado, o movimento das estações e o quanto a passagem do tempo nos dá e nos tira.

Procura-se pessoas que ainda se emocionem, como na adolescência, diante do primeiro amor. Que guardem dentro de si um depósito de afeto pronto para ser distribuído diante do anúncio de um abraço, uma palavra destituída de intenções ocultas, um gesto sem outras intenções senão o próprio gesto.

Procura-se pessoas que saibam perdoar os enganos alheios, pois nos mostram, como um espelho distorcido, o quanto em nós é largo o erro. E acolham com naturalidade a possibilidade do perdão. Frágeis, somos como esses caminhantes do deserto que se deixam fustigar pelo vento em busca de uma sombra para descansar. O perdão é essa sombra.

Procura-se pessoas que saibam ouvir sem interpor-se à palavra alheia, sempre a dizer que sua dor é maior do que aquela que estão testemunhando. O acolhimento generoso do que perturba o outro pode ser a chave para compreender o que dilacera a nossa alma.

Procura-se pessoas que acreditem na palavra compaixão, a mais bela que há. Pois somente quando absorvemos o que se passa além da nossa consciência é possível entender a aflição de quem nos pede ajuda. Pedras, plantas e bichos partilham o mesmo destino. Conhecer esta palavra não significa que saibamos gastá-la como um rei perdulário.

Procura-se pessoas que sejam vigilantes de si e do mundo. Reconheçam a fragilidade da vida e saibam urdir uma espécie de teia protetora para os seres e as coisas. Só o instante é luz, núcleo, aventura que se deve colher com os olhos abertos.

Procura-se pessoas que critiquem menos, admirem mais. Ver o outro com generosidade não é sinal de fraqueza, mas a possibilidade de visitá-lo em sua própria casa.

Procura-se pessoas que tenham fé. Num deus, num livro, num amigo, no trabalho cotidiano. E saibam que essa entrega incondicional é o primeiro passo para entender que nem tudo precisa passar pela dúvida para ser verdadeiro.

Procura-se pessoas que instiguem a nossa inteligência, desobedecendo o senso comum. Que não saiam pela vida afora com a lista dos dez mais vendidos da semana. É provável que só assim façamos descobertas inusitadas.

Procura-se pessoas que não estejam preocupadas em agradar o tempo todo. Muitas vezes é preciso provocar o descontentamento para que algo avance, adquirindo fisionomia própria. Que digam sim ou não. Mas nunca sim e não, simultaneamente.

Se não se encontrar pessoas com as características acima, ainda assim há que se continuar procurando por alguém que vacile, que saiba esperar, que se acomode dentro do silêncio, que leia poesias em dias de chuva, que estremeça ao calor de outro corpo, que ame a palheta de cores do outono. São elas que instauram um sentido para este breve passeio que estamos fazendo pelo mundo.

domingo, 6 de junho de 2010

O lado bom


Grupo  RBS Apressados nos julgamentos, esquecemos que tudo sempre tem dois lados. Ou mais. Os exageradamente pessimistas costumam ver catástrofe em qualquer situação. Uma dor de cabeça é interpretada como o primeiro sintoma de que estão com câncer. A internet vai acabar com os relacionamentos, só existe materialismo no mundo, o derretimento das geleiras é o sintoma mais evidente de que o fim se aproxima. E assim vão adiando a vida com medo de se sentirem despreparados para enfrentar tantas tragédias que se anunciam. Porque tudo é uma hecatombe em gestação, pensam.

Mas há aqueles que felizmente ainda guardam reservas de alegria. Por mais dificuldades que encontrem em seu cotidiano, sabem deixar a alma em repouso. Não escolhem o caminho fácil do maniqueísmo: nada é só bom ou só ruim. Mesmo quando estão envoltos em problemas ou angustiados, interpretam isso como uma contingência, poupando o universo silencioso das perguntas que a humanidade se fez desde sempre. E para as quais, na maioria das vezes, resposta não há. Toda arrogância é subtraída diante dessa postura de aceitação. Difícil definir o papel que o acaso desempenha. Como também o é quando tentamos decifrar os códigos que regem nosso destino. Tudo é o que é, numa simplicidade desconcertante, que muitas vezes interpretamos erroneamente como um desígnio dos deuses. Mistério sobre mistério.

Gosto de conviver com pessoas que sabem pisar leve, que têm solas de vento, como disse Rimbaud. Que quase não deixam marcas por onde passam. Que descobriram muito cedo que não vale a pena transformar tudo num drama de proporções shakespearianas. Serenos, nos ensinam que às vezes basta respirar, olhar mais atentamente, deixando que tudo passe. Nos templos budistas, os mestres proíbem os monges aprendizes de jogar fora as flores murchas. Elas nos lembram o efêmero, revelando como é enganoso nos fixarmos unicamente na beleza, no esplendor. Essa percepção não deixa neles nenhum resíduo de revolta. Observam mais profundamente que nós; sabem que a sabedoria flerta com a aceitação.

São essas mesmas criaturas generosas que desencavam das circunstâncias adversas uma lição subliminar. Devem ser dotadas de um raio-x psíquico que as impede de sucumbir ao desespero. São parecidas com as manhãs, esses homens e mulheres que encontram no tranquilo olhar a melhor forma de continuar remando quando tudo está à deriva. Parece que há dentro deles uma espécie de farmácia espiritual. Todos os remédios estão lá, toda cura é possível, mesmo diante dos abismos da morte.

Nunca se sentem traídas, pois sabem que as razões dos outros nos escapam. Contentam-se em testemunhar afetivamente as motivações alheias. Estar ao seu lado é como descansar depois de um dia de movimento e fúria. Eu procuro ficar próximo, o máximo que posso. Porque sei que é ali que vou aprender mais do que em qualquer livro.

Num primeiro momento, costumamos nos sentir diminuídos quando estamos ao seu lado. Porque elas nos mostram o quanto perdemos ao escurecer a existência. Porém, há algo de muito vivo nelas que, desde o primeiro contato, funciona como uma transfusão de sangue. Dói um pouco no começo, mas depois nos sentimos invariavelmente mais fortes.

sábado, 29 de maio de 2010

Quem me pega no colo?


O medo de ficar só, mesmo que seja por um curto período, embota a inteligência

Ela tem feito grandes estragos. Em seu nome, tudo parece justificável. Até um crime. A carência costuma cegar e faz com que nos submetamos a humilhações só para receber um afago, um olhar mais comprido. Atire a primeira pedra quem nunca se sentiu órfão de afeto. Quem nunca fez coisas absurdas porque precisava de alguém ao seu lado. Preço alto, altíssimo, a ser pago. Como é mais difícil olhar para si mesmo, a gente acaba sempre se espantando com o que o vizinho ou os amigos fazem.

Há pessoas que, no auge da crise, cumprimentam manequins de loja e agradecem ao elevador que abre à sua frente. E cedem a qualquer apelo de quem está ao lado para não se sentirem sós. Mas se descobrem cada vez mais isoladas de tudo, porque este tipo de barganha tem o efeito de um bumerangue. A questão é atávica e costuma ser a aflição de homens e mulheres, indiscriminadamente. Nós nos escondemos, com medo de que descubram nossas fraquezas, pois a fragilidade é vista como sinal de pouca masculinidade. Elas expõem mais seus sentimentos, analisando com clareza e honestidade o que está se passando.

Somos todos, de alguma maneira, mendigos e pedintes. Precisamos dos outros para sobreviver. Mas há um limite saudável para essa falta. Ultrapassado, torna-se patologia em estado puro. Chega um ponto em que não nos importamos até de pagar pela companhia de alguém. Penso em pessoas que conheci ao longo da vida, no quanto sofreram porque não se permitiram, entre uma relação e outra, recompor-se em solidão. Esse hiato é necessário para que possamos reencontrar nossa própria fisionomia, que muitas vezes se perde porque precisamos agradar. Está aí uma palavra bem nefasta. Quando se necessita de aprovação além do que é razoável, deveria tocar um sino dentro de nossa mente para nos alertar que estamos entrando em campo minado. Mas não parece que a lógica se subverte e, quanto mais ficamos com cara de cachorro abandonado, mais nos tornamos reféns do desejo do outro?

Remédio? Difícil fazer um bom diagnóstico e mais difícil ainda pensar em algo preventivo. Cada um tem seus buracos interiores e sabe que é complicado enfrentar esses demônios à luz do dia. Às vezes, o início de tudo está lá na infância. Em outras, situações amorosas mal resolvidas nos deixam com uma sensação de fracasso, de que a culpa é sempre nossa. E então, num processo de repetição que pode se estender pelo resto da vida, saímos por aí esmolando, em desespero. Quanto mais nos diminuímos, mais idealizamos o objeto do nosso afeto.

O medo de ficar só, mesmo que seja por um curto período, embota a inteligência e faz com que não consigamos raciocinar com clareza. Quem olha de fora costuma se espantar diante de situações em que um carente e um aproveitador se encontram. Porque é geralmente assim que acontece. Para cada vítima, um bandido de prontidão. Um olhar mais passageiro não revela o que está por trás desse tipo de contrato. Não adianta alguém apontar o óbvio: é preciso que algo muito dramático sinalize o absurdo do que está ocorrendo. Só assim acontecerá o rompimento.

Quem não precisa de companhia em algum momento? O problema é que não dá para ficar em débito pelo resto da vida. Fortes ou fracos, somos apenas isso: seres que só se reconhecem quando aceitos. Os mais sábios descobriram, entretanto, que o bom casamento é o que fazemos com nós mesmos.

domingo, 23 de maio de 2010

O novo oráculo


Grupo  RBS A internet pode ser uma ótima ferramenta para a construção de uma democracia

A polêmica continua e nada prenuncia o seu fim. A expansão da tecnologia é boa ou traz mais malefícios para o homem? Como tudo na vida, um posicionamento radical só impede que vejamos com clareza o que melhorou e o que resultou em malogro, depois que nos instalamos dentro do universo virtual. Preciso fazer um mea culpa. Durante muitos anos vociferei contra a invasão da internet, atribuindo a ela a responsabilidade pela degradação dos relacionamentos. Reconheço que me exacerbei. As pessoas nunca se encontraram tanto, nunca tiveram tantas possibilidades de comparar, analisar e escolher o que mais se adapta ao seu modo de ver a realidade. Há os exagerados, claro. Esses que se sentem totalmente obsoletos quando não estão em rede social. Twitter, Facebook, blogs, Orkut, chats... Um verdadeiro inferno. Mas não é desses que estou falando.

Veja como a internet possibilitou a pluralidade de pensamentos. Hoje, uma parcela considerável da humanidade fica sabendo quase que instantaneamente o que acontece em qualquer parte do mundo. Qual é o ganho? Está ficando mais difícil para os donos da verdade esconderem os seus atos de tirania. Não por acaso uma recente campanha publicitária, muito premiada, mostra isso. Numa sacada genial, colocou-se a imagem de três dos maiores ditadores da atualidade – Hugo Chávez, Raúl Castro e Mahmoud Ahmadinejad – com uma expressão de pavor, no momento em que surge um simples ratinho na sala em que despacham. Mas não um ratinho comum: o que aparece é um mouse de computador. Para quem se acostumou a mandar indiscriminadamente, nada assusta mais do que constatar que a informação está disponível a qualquer um. O exemplo mais sintomático é a recente saída do Google da China, depois de sofrer pressões durante anos. Para um sistema político tão fechado, é extremamente perigoso que as pessoas tenham acesso a outras realidades.

Se conclui que a disseminação geral e irrestrita do que acontece longe dos nossos olhos pode ser a melhor ferramenta para a construção de uma democracia. E mais, muito mais do que isso. Imagine-se morando numa pequena cidade do interior. À parte os encantos bucólicos, a quietude dos contatos mais íntimos que se pode estabelecer com amigos e vizinhos, não há muita graça em passar os dias fazendo sempre a mesma coisa. Se você for adolescente, pior ainda. É o tédio total. Um exemplo disso está no premiado filme Os Famosos e os Duendes da Morte, do gaúcho Esmir Filho. Claro, quanto mais a gente avança, quanto mais vai abrindo portas, mais aumenta nossa fome e a vontade de ir além. Pode ser um passaporte para a angústia. Mas tenho gostado muito dessa perspectiva que nos joga para além de nós mesmos. Isso significa encontrar o outro. Se você é dos que se preocupam com o rumo que as coisas estão tomando, imagine-se na Idade Média, por exemplo. Não sendo rei ou um nobre qualquer, seu destino quase que certo seria o da servidão completa ao seu amo e senhor.

Reconheçamos: os avanços tecnológicos não precisam ser exorcizados e nem endeusados. Eles trazem grandes benefícios e também podem nos induzir a uma solidão brutal, mesmo tendo milhões a um clique de distância. Tudo depende do uso que fazemos deles. Tenho buscado o meio termo. Acolho com simpatia as novidades nessa área, mas sempre com um olhar crítico. Lembro que não preciso ser uma vítima desse processo. Uma boa conversa, olho no olho, também pode provocar uma revolução.

domingo, 9 de maio de 2010

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A pele

A pele

Grupo  RBS Imagine um mundo assim: “Todos os seres humanos possuem uma doença de pele. Ninguém pode tocar o outro porque irá doer. Como todos possuem pústulas espalhadas pelo corpo, a infecção e a dor são vistas como normais; acreditamos que as coisas devam ser assim.” Esta situação está descrita no livro Os Quatro Compromissos, do mexicano Don Miguel Ruiz. A páginas tantas, ele nos faz meditar sobre como seria viver na impossibilidade de tocar e ser tocado. Eu, que sou um exagerado nessa questão de abraços e beijos, tenho certeza de que me sentiria como um condenado à morte.

Qual é a graça de estar entre amigos e não poder estreitar os braços ao redor do corpo alheio, tendo que reduzir a afetividade a um mero exercício de palavras? Todo o bem-querer pede calor, proximidade, espaços convertidos em intimidade. Reservas, para que? A menos que alguém sofra de um distúrbio psíquico grave, parece inconcebível abdicar do contato, da mistura altamente recomendável de algumas substâncias que compõem o organismo.

Há os que acreditam que a busca desenfreada pelo poder é uma espécie de incapacidade amorosa. Troca-se um prazer legítimo por outro genérico, de eficácia duvidosa. Substitui-se a libido pelo mando. Já que algumas pessoas não conseguem espontaneamente o amor de alguém, vão buscá-lo à força, extorquindo em terreno árido o que deveria ser benesse, gratuidade. Afeiçoam-se a esse falso prêmio porque não conhecem a possibilidade de se derramar em outros corpos e almas, transformando tudo num deserto de cifras e valores materiais.

Se a juventude é uma explosão hormonal que nos joga rumo ao primeiro que atravessa o nosso caminho, encontramos na maturidade um certo pudor, uma certa cautela que nos paralisa. É uma pena. Precisamos lutar para que não morra a coragem que nos faz caminhar até aquele que também tem fome idêntica à nossa. Se eu tivesse que morar num desses países onde as pessoas, por mais próximas que sejam, mal se tocam, provavelmente seria um forte candidato a contrair doenças e neuroses. Porque é mais do que sabido que muitas patologias resultam desse distanciamento, por vezes intransponível, em relação aos que nos cercam.

É importante manter o respeito pelo limite que o outro estabelece, claro. Não se pode chegar escancarando portas e janelas, como se estivéssemos sempre em nossa casa. Somos cheios de repressões. Mas eu costumo ver com desconfiança os que têm excesso de pudor. Mal sabem eles que é em quintais vizinhos que encontramos o alimento que nos permite continuarmos vivendo. Triste de quem ainda não descobriu que o melhor remédio para a angústia que por vezes sentimos pode ser a presença de uma pele morna, como um pedaço de veludo reduzindo o atrito contra o muro que às vezes é a vida.

Por mais acabado que este pareça, cada um pode ir alterando o roteiro que traçou. A rigidez ou flexibilidade de conceitos é estabelecida por nós mesmos. Um bom terapeuta ajuda, mas o poder de decisão é intransferível. E a recompensa supera o esforço exigido.

Gosto de fazer uma festa com quem está ao meu lado. Nada de palavras ditas em tom sussurrante ou daqueles cumprimentos quase profissionais – metódicos, frios. Eu sou da turma dos que se jogam, escandalosamente, ao encontro do primeiro que aparece.