

Este é apenas um exemplo de situação em que, no ímpeto de ter razão, buscamos desvendar certas áreas obscuras, provocando uma dor que não estava lá. Somos tentados o tempo todo a nos apoderar da intimidade alheia, sem levar em conta que há pântanos que só podem ser habitados por quem conhece muito bem o lodo. Não quero dizer com isso que a melhor solução seja ignorar o que eventualmente nos machuca. No campo amoroso, sobretudo, a sinceridade é um ingrediente essencial para a criação de laços mais efetivos. Mas não devemos esquecer que nem sempre conseguimos manter o comando do que se passa em nosso coração ou mesmo no cérebro. Então, uma pequena miopia pode ser muito bem-vinda. Costuma ser contraindicado testar nossos limites emocionais. As prisões estão repletas de pessoas que perderam o controle e a razão em casos assim.
Essa regra pode ser ampliada para diversas áreas. Quando deixamos de lado a arrogância, a pretensão de monitorar a vida alheia, passamos a viver mais confortavelmente, sem tanta tensão. Afinal, o que vemos é o resultado das ações, nunca os motivos que as geraram. E cada um pode apresentá-los quase que em ordem alfabética. Até os assassinos confessos. Tenho tentado observar mais e interferir menos. Compreender, quando o bom senso me permite, que há espaços dentro de cada um que não podem ser mapeados. Eles simplesmente estão aí e cabe a nós aceitá-los. Pensemos no processo de negação. Quando uma coisa é muito dolorosa para ser vivenciada sem anestesia, fechamos os olhos e nos recusamos a ver o que grita diante de nós. Claro que depois o arrependimento toma conta e tentamos entender como pudemos ser tão tolos, não percebendo o que era absurdamente óbvio. Mas quem sabe isso também não seja outra vertente da autodefesa. Quando não podemos suportar algo, fazemos de conta que isso não existe. Injetamos uma espécie de morfina de efeito psíquico para não enlouquecer.
Ao invés de procurar inimigos do lado de fora, primeiro é necessário investigar dentro de nós o mal que estamos nos causando. A pretensão de tudo saber, colocando uma lupa sobre cada pegada, pode resultar mais em tristeza do que em satisfação. Estamos perdidos num mar revolto que tanto mais nos engole quanto mais nos debatemos. Quando aprendemos a ficar bem quietos, buscando entender determinadas atitudes, contribuímos para o fim de muita violência emocional. Podemos e devemos erguer barricadas se o material em estudo formos nós mesmos. Ensaiar coragem, pôr limites toda vez que nos aproximamos do abismo.
Enquanto nos preocuparmos tanto com o que os outros imaginam e dizem a nosso respeito estaremos fadados à inquietação, à raiva e ao desejo de moldar nossa imagem ao que eles esperam. Nesse caso, melhor é pensar que daqui a pouco vamos todos morrer e o julgamento alheio não tem importância alguma. O que vale é como vemos a nós mesmos. E para limpar essa imagem - a única que conta, afinal – seria bom começar desde já a criar uma discreta película. Proteja-se: a salvação, muitas vezes, está em enganar a si próprio. Cada um deve descobrir a dose de verdade que consegue suportar. O contrário disso chama-se masoquismo.
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