sábado, 14 de agosto de 2010

O ideal existe?


Enquanto esperamos pelo ideal, as coisas mais interessantes da vida costumam passar pela nossa frente. E nós nada. Nem uma piscadela. Mas como sofremos por não descobrir o amor que nos arrebata, o emprego dos nossos sonhos, a casa perfeita para morar. Cadê, onde está? Reclamar é preciso. Viver, parece que nem tanto. Tenho uma amiga que costuma escolher o namorado pela qualidade dos sapatos que ele usa. O infeliz que se aproximar dela calçando um prosaico tênis já está riscado definitivamente do seu círculo de eleitos. Se tiver um ótimo caráter, for gentil, atencioso e gostar do Woody Allen, pouco importa. Nota zero. É preciso ser aprovado no quesito ortopédico. Informação adicional: ela é inteligente e culta. Mas seu calcanhar de Aquiles é mesmo o sapato alheio. Continua procurando.

Outro amigo, menos atento à estética da roupa e mais à estética do corpo, há mais de dez anos está caçando uma modelo perfeita para desfilar por aí junto com os seus cartões de crédito. Mulheres agradáveis e espirituosas já tentaram se aproximar dele. Nem bola. Com sua visão enfermiça, segue buscando somente a ideal. Aquela que não existe.

É uma praga que afeta homens e mulheres, como se vê. Se a realidade não bater cem por cento com o nosso sonho de consumo, melhor descartar, concluímos. Nesse processo de miopia seletiva, matamos prematuramente um grande número de relacionamentos que nos fariam mais felizes e nos levariam a resmungar menos. Nunca encontraremos tudo numa só pessoa. Vale para pais, filhos, amigos, namorados. Também para vizinhos, cachorros e afins. Continuamos atraídos pelo distante, pelo inacessível.

Maturidade? Talvez seja pegar o melhor de cada coisa e esquecer os possíveis defeitos. Tudo é uma questão de foco. De deletar da cabeça alguma eventual falha e concentrar-se no que interessa. Minha paciência tem diminuído com aqueles que só sabem destacar o lado ruim das coisas. Se ele pinta, mas nunca será um Picasso, é motivo para fazê-lo desistir? Se o carro do seu namorado é lá da década de noventa, faz alguma diferença no prazer que você tem com a sua companhia?

Ser capaz de ver é mais do que passar no teste do oftalmologista. É refinar a sensibilidade e selecionar com lucidez. Mas para que isso aconteça é necessário, também, que saibamos nos perdoar por todas as escolhas equivocadas que fizemos. Foi o que conseguimos naquele momento. O melhor, o mais adequado. Isso sim parece ser o ideal: não se precipitar nem para escolher e nem para descartar. As primeiras impressões costumam ser levianas.

Se você não gostou do bolo, coma apenas uma pequena fatia. Mas coma. Ficar olhando criticamente não o fará descobrir o sabor. Penso em como são afortunados todos os que se permitem errar e analisar o próprio erro. É preciso reconhecer os escorregões, os tombos, o que não deu certo. Mas não fazer disso uma autoflagelação. Basta ajustar os óculos.

Inteligência é saber excluir o que não nos agrada e agradecer com várias novenas por ter encontrado alguém que nos escolheu para andar ao seu lado. Ninguém explica o mistério do desejo. Basta que saibamos baixar um pouco as nossas expectativas. Até porque deve dar um cansaço danado essa busca frenética pelo que é praticamente impossível de achar. O raro nem sempre é o melhor.

Continuamos atraídos pelo distante, pelo inacessível

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