Alexandre, o Grande, está às vésperas de tomar uma importante decisão. Manda chamar uma mulher que sabe prever o futuro. Ela lhe diz que é preciso acender uma grande fogueira e ler em sua fumaça, como um livro. Mas o adverte: enquanto ela estiver fazendo a previsão, ele não deverá pensar em hipótese alguma no olho esquerdo de um crocodilo. No olho direito, tudo bem. Alexandre, então, desiste de conhecer o futuro. Por quê? Porque assim que o advertem para não pensar em determinada coisa, você passa a pensar só naquilo. A proibição constitui obrigação.” Este episódio é relatado pelo escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, na brilhante obra Não Contem Com o Fim do Livro.
Pondero sobre isso a propósito de uma conversa que tive com dois inteligentes amigos, freis capuchinhos. Falo a eles sobre quanto o celibato me parece inaceitável dentro de nossa condição biológica. Não pensar e não praticar sexo nunca, como é possível? Digo que é mais ou menos como não se focar no olho esquerdo do crocodilo. Que razões, além da já sabida estratégia da igreja de não querer dividir seu patrimônio com eventuais descendentes dos clérigos, pode levar alguém a abdicar de um dos instintos mais fortes da vida? Longo silêncio. Depois, um deles me diz: “Nós trocamos o amor de um ser pelo amor de toda a humanidade.” Bonito isso, mas um pouco difícil de encaixar dentro da prática cotidiana. E como eles fazem com a libido? Sublimam? Não, responde, há outras maneiras de deixar com que ela se manifeste sem que seja consumada num ato. Em outras palavras, ela permanece como uma potência latente, mas ainda assim, real.
Lembro das magníficas asceses que os mestres de ioga descrevem, sobre os resultados da canalização da energia erótica. Chegam bem próximos do orgasmo e depois o suspendem. Difícil, não é? Para nós, ocidentais, sempre tão estimulados visualmente pela presença incessante de corpos alheios, como estabelecer um limite entre o prazer legítimo e o excesso abusivo da carne exposta? O celibato, em circunstâncias tais, constitui-se num verdadeiro exercício de superação. Mais ou menos como deixar um doce a um centímetro da boca de uma criança e não querer que ela salive de desejo.
Na conversa que continuo tendo com meus diletos amigos, busco outras razões que possam jogar um pouco de luz não só sobre o celibato, mas também sobre a pedofilia, tema tão recorrente hoje em dia. Concordamos em uníssono: essa perversão independe deles serem religiosos ou não. Não está na abstinência a causa dessa prática. Opinião quase sempre ignorada por críticos mais afoitos.
À parte isso, não me convenço com os motivos que levam alguém a abdicar de uma existência em família – um mal que é também fonte de incontáveis alegrias. Que leitura podemos fazer do casamento se não o vivenciamos? Será que o mero testemunho substitui a vivência? Questão que permanecerá em aberto, pois cada um de nós sempre defenderá com unhas e dentes as escolhas que fez ao longo da vida. Com satisfação ou mesmo arrependimento.
Eu prefiro continuar olhando para o olho esquerdo do crocodilo. Fujo das obsessões como o diabo da cruz. Mas busco entender que a felicidade pode ser encontrada nos lugares menos prováveis. E vale lembrar que o sexo é superestimado em nossa sociedade. Nem todos se interessam tanto assim por ele. O celibato pode ser, enfim, uma visão mais elevada sobre a nossa condição de seres prisioneiros do instinto de sobrevivência. Não comer o fruto suculento que está ao alcance das nossas mãos. Isso também é um tipo de liberdade?
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