A pele
Imagine um mundo assim: “Todos os seres humanos possuem uma doença de pele. Ninguém pode tocar o outro porque irá doer. Como todos possuem pústulas espalhadas pelo corpo, a infecção e a dor são vistas como normais; acreditamos que as coisas devam ser assim.” Esta situação está descrita no livro Os Quatro Compromissos, do mexicano Don Miguel Ruiz. A páginas tantas, ele nos faz meditar sobre como seria viver na impossibilidade de tocar e ser tocado. Eu, que sou um exagerado nessa questão de abraços e beijos, tenho certeza de que me sentiria como um condenado à morte.Qual é a graça de estar entre amigos e não poder estreitar os braços ao redor do corpo alheio, tendo que reduzir a afetividade a um mero exercício de palavras? Todo o bem-querer pede calor, proximidade, espaços convertidos em intimidade. Reservas, para que? A menos que alguém sofra de um distúrbio psíquico grave, parece inconcebível abdicar do contato, da mistura altamente recomendável de algumas substâncias que compõem o organismo.
Há os que acreditam que a busca desenfreada pelo poder é uma espécie de incapacidade amorosa. Troca-se um prazer legítimo por outro genérico, de eficácia duvidosa. Substitui-se a libido pelo mando. Já que algumas pessoas não conseguem espontaneamente o amor de alguém, vão buscá-lo à força, extorquindo em terreno árido o que deveria ser benesse, gratuidade. Afeiçoam-se a esse falso prêmio porque não conhecem a possibilidade de se derramar em outros corpos e almas, transformando tudo num deserto de cifras e valores materiais.
Se a juventude é uma explosão hormonal que nos joga rumo ao primeiro que atravessa o nosso caminho, encontramos na maturidade um certo pudor, uma certa cautela que nos paralisa. É uma pena. Precisamos lutar para que não morra a coragem que nos faz caminhar até aquele que também tem fome idêntica à nossa. Se eu tivesse que morar num desses países onde as pessoas, por mais próximas que sejam, mal se tocam, provavelmente seria um forte candidato a contrair doenças e neuroses. Porque é mais do que sabido que muitas patologias resultam desse distanciamento, por vezes intransponível, em relação aos que nos cercam.
É importante manter o respeito pelo limite que o outro estabelece, claro. Não se pode chegar escancarando portas e janelas, como se estivéssemos sempre em nossa casa. Somos cheios de repressões. Mas eu costumo ver com desconfiança os que têm excesso de pudor. Mal sabem eles que é em quintais vizinhos que encontramos o alimento que nos permite continuarmos vivendo. Triste de quem ainda não descobriu que o melhor remédio para a angústia que por vezes sentimos pode ser a presença de uma pele morna, como um pedaço de veludo reduzindo o atrito contra o muro que às vezes é a vida.
Por mais acabado que este pareça, cada um pode ir alterando o roteiro que traçou. A rigidez ou flexibilidade de conceitos é estabelecida por nós mesmos. Um bom terapeuta ajuda, mas o poder de decisão é intransferível. E a recompensa supera o esforço exigido.
Gosto de fazer uma festa com quem está ao meu lado. Nada de palavras ditas em tom sussurrante ou daqueles cumprimentos quase profissionais – metódicos, frios. Eu sou da turma dos que se jogam, escandalosamente, ao encontro do primeiro que aparece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário