sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Raízes da inocência

 

“O ciclo do ser não é diferente do ciclo da água”

Das mil faces que acompanham o ser, poucas carregam a pureza. Nos segundos quando se diz “eu te amo” ou quando nos despedimos de alguém talvez caiba uma plenitude intocável, preservada em algum cantinho obsoleto de nossa memória. A pureza da infância não se repete, apenas é brevemente visitada.
Ali, nesse longínquo tempo o qual muitos se enganam ser passado, está o ‘le grand finale’ do que seremos por toda a vida. É nossa criança interior que desperta nosso exterior de ações e, consequentemente, aquilo que seremos.
Se a pureza se dissolve em algum canto inacessível de nosso inconsciente, se a esponja de nossa formação se preenche do perturbador de outros, eis que se desperdiça uma vida. Bem verdade que há quem ascenda no caos, mas quem pode garantir não ter sido a mínima pureza da infância a qual originou a revolução e luz? Quem duvida que a força para se erguer também não está nas raízes do que nos foi mostrado?
Há uma criança dentro de cada um, alguns a sufocam e pedem que se cale; alguns a escutam por demais e não se permitem o crescimento. A criança dentro de nós quer e merece ser visitada, mas ela não quer somente ser ouvida ou que lhe falem, ela clama atitudes. São atitudes que ensinam e moldam o ser com o qual conviveremos durante toda nossa vida.
Dos choros aos sorrisos: mesmo aqueles os quais você não lembra. São esses que lhe molduram as etapas da vida. O que torna o final de tarde lindo para uns e normal para outros? Por que uns temem o mar e outros o reverenciam? Onde se definiu o ser que resolve problemas e aquele que os causa?
Somos o brando leito de um rio, límpido e lento, mas nosso fluxo aumenta, nossa densidade nos torna turvos, logo correremos às margens estreitas e, revoltosos, cairemos na cascata do que aprendemos. E é neste momento que se moldam as rochas que nos esperam. O ciclo do ser não é diferente do ciclo da água. Cada um de nós tem sua profundidade, sua matéria viva, porém, nossa formação, nossas margens – atitudes observadas – são as que moldam o rio destrutivo e aquele pronto a permitir que a vida flua também dentro dele.
Uma criança não deveria ser vista somente como o início. Crianças são o rumo, nelas que cabem respostas do tipo: “Há esperança para o homem? Estamos no caminho certo? Qual será nosso futuro?”. Traz uma criança a propriedade de nossas escolhas, pois se já não nos permitimos solucionar as tristezas de nossa própria raça, deveriam ser as crianças a revolução do que sabemos e sentimos estar errado.
No entanto, seguimos poluindo as crianças. Esquecemos – ou fingimos esquecer – que, aos olhos de uma criança, palavras são sons a se desintegrarem, enquanto atitudes são a força a preenchê-las.
Como respeitará a vida aquele criado sobre uma tela de computador? Que horizontes serão belos para aqueles que observam o mundo crescer ao formato de prédios? Quais fantasias vão habitar os sonhos daqueles que moram dentro de programações de TV? E se isso tudo é recorrente às novas gerações, como as antigas esperam um legado menos triste do que o atual?
A criança que há em nós grita, mas ela não quer ser simplesmente ouvida, ela clama para não ser esquecida. Fazer-se cego diante da mais pura face que um dia tivemos significa a destruição do eu e, consequentemente, do nós.
A tão sonhada paz não é recorrente da mudança externa. Encontrar o melhor da vida é um reencontro com o melhor de si.
Nenhum de nós nasce mau.
Felipe Sandrin

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

REFÉNS

Passamos anos sem perceber. Às vezes, uma vida inteira. Sem correntes visíveis que nos aprisionam, sem qualquer tipo de violência explícita, acabamos nos tornando reféns dentro de nossa casa, em nosso trabalho, no círculo íntimo de amigos e colegas. Por um gesto de afeto, um salário melhor e até por compaixão, acreditamos que devemos emprestar nosso tempo e ouvidos para acolher o que nos incomoda, o que não está em consonância com o nosso jeito de ser feliz. Essa sensação de desconforto vai se instalando de forma sutil dentro de nós. Muitos nem se dão conta. Outros, por uma espécie de inércia emocional, vão deixando tudo como está, mesmo cientes de que perdem algo valioso. Mas há os que, numa atitude mais corajosa, preferem o enfrentamento e a ruptura, pondo fim a um círculo vicioso que ameaçava se perpetuar.

A perda de pessoas que amamos instaura uma espécie de radar dentro de nós. Um dia a mais é, na verdade, um dia a menos. Não se pode ficar por aí desperdiçando tardes ensolaradas, auroras encharcadas de lirismo, domingos aquietados. Há que se manter fidelidade a uma existência que não compactua com as traições. Nem sempre podemos ensaiar despedidas. Assim, a observação permanente do que acontece ao nosso redor pode ser uma boa maneira de perceber o que está errado, o que merece conserto ou, simplesmente, deve ser descartado. Somos carentes, no entanto. Quando não movidos por interesses. Fazemos muitas barganhas para não perder algum conforto ou mesmo a atenção de alguém, pouco importando o preço a ser pago. Casamentos que costumam ser encenados num ringue, onde a agressão e o descaso pontuam cada ação, cada frase dita. Tarefas enfadonhas, repetitivas, que nos fazem consultar o relógio de cinco em cinco minutos. Amigos que não acolhem, só precisam de nós como um receptáculo passivo onde depositam seus dramas domésticos. É imensa a lista na qual podemos detectar o perigo de nos tornarmos reféns.

É possível que, para nos libertarmos dessas prisões, tenhamos que revisar muitas das posturas que fomos adotando e que se sedimentaram. Estamos inseridos numa sociedade onde o espetáculo se tornou a força motriz. Ver e ser visto? Obrigação de todos. E depois de certa idade, o estado civil ainda tem um relativo peso na aceitação de nossos pares. Se você acha essa observação ultrapassada, pergunte para algumas mulheres solteiras depois dos 40 anos. Ainda persistem muitos preconceitos.

Romper relações é igualmente difícil. O mesmo acontece com um trabalho tedioso, mas bem remunerado. E se o amigo de longa data se transformou num chato em tempo integral, alguma culpa de fundo religioso nos diz que precisamos continuar acolhendo-o. Essas armadilhas são muito sutis e, para quem é desatento ou mesmo preguiçoso (e quantos de nós não o somos!), adota-se sempre a mesma evasiva: deixe ficar como está, poderia ser pior. Um consolo modesto diante da certeza de que tudo se esgota rapidamente.

O que é realmente importante não custa quase nada: um livro, caminhar, não mais do que duas dúzias de roupas, idas regulares ao cinema, alimentos saudáveis, abraços, algumas horas para não fazer absolutamente nada. E o luxo supremo: meditar. Ao percebermos o quão pouco vale a maioria das coisas pelas quais passamos décadas lutando, o presente que obtemos é um estado confortável de relaxamento. Físico e emocional. Podemos ser empurrados ao encontro dessa consciência quando nos damos conta da nossa própria mortalidade. Mas não como um mero exercício especulativo, filosófico. Tem que ser algo orgânico, que queime a pele, que nos assuste.

Tenho sido mais feliz desde o momento em que comecei a relativizar quase tudo. Economizei muita dor e sofrimento desnecessário. Meus dias têm horas suficientes para tudo o que desejo fazer. Estou aprendendo a cortar, a selecionar, enchendo contêineres de lixo que costumava guardar dentro de mim.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

RELATO BREVET 400 KM


Várias vezes pensei em escrever o relato sobre meus "brevet" mas sempre deixei para depois e não acabava escrevendo. Nesta madrugada acordei com vontade em escrever o relato da AUDAX 400 KM. Para esse audax era ponto de honra devido ter "abortado" no 164 km o ano passado do tão famoso "Ice Audax 400 km", devido a temperaturas negativas e falta de experiencia. Mesmo tendo feito anteriormente duas provas de 200 km e 300 km. 

Deu-se a largada o coração batia mais forte, pois na minha cabeça vinha as situações pretéritas de uma frustração. Mesmo sem treinar muito depois do 300 km, esta confiante pelo apoio de várias pessoas que me rodeiam de uma formo outra foram importantes. Mas essa parte eu conto depois. 

Na saída um dos meus parceiros se atrasou... O frio na barriga começou... será que na saída vai dar problema. Mas não foi só detalhe. Aos pouco fui me afastando do meus amigos do pedal, pois estavam esperando outro parceiro. Até depois da ponto e Gustavo Migliavacca estava comigo conversamos muito sobre se audax "íamos falando, começamos juntos terminamos essa prova"... a papo vem e papo vai... quando vejo estava falando com outro ciclista o Gustavo ficou para trás para meu espanto...

Comecei acompanhar dois ciclistas de Speed da cidade Sapiranga, eles estavam em uma média alta, mas eu estava tranquilo. Achei interessante a técnicas deles de pedalar "com amigos ocultos". Esses "amigos ocultos" eles denominaram "ciclistas caxienses", e eles tinham sempre que superar esses amigos ocultos... Dei muita risada com a situação, fiquei alguns quilômetros no vácuo deles, para ir me poupando e já dava sinais de "vento contra". Mas de repente depois de alguns quilômetros estava no meio deles. Aí eles falaram: “então tu é de Bento?” Falei sim sou de Bento, eles disseram não sei se tu não notou estamos de "cuidando faz tempo", e agora sempre fica alguém da tua retaguarda acho que agora tu vai ser "nosso amigo oculto". 

Mas claro tudo isso era uma piada !, Pois quando tu pedala e conversa tu não sente tanto as subidas, "vento contra, etc, etc. Aí pelo km 90 começo a escurecer, fui baixando o pedal, para ver se aparecia meus parceiros... mas nada. Estava me sentindo desconfortável por não ter eles por perto. 

Parei, troquei o óculos escuros para óculos amarelos, tomei aquele "gatorade" violento, sou ciclista que tomo muita água, tipo camelo, depois que aprendi que para não ter cãimbras, tem tomar muita água e Gatorade (na verdade soro caseiro com essência) chegam dar sinal devido ao alto esforço, mas respirar fundo e hidratar e diminuir a força do pedal o fantasma da cãimbra some. 

La me fui pedalando e cantando... para o PC 1(Pantano Grande) chegando ás 20:30, carimbei o passaporte, peguei um lanche(um sonho recheado, 1 copo de nescau e folhado de frango), pois ai pelo km 100, tive que recorrer a barra de proteína, pois o corpo estava em déficit de energia. Quando comecei a comer a alegria toma conta olho para a entrada do PC1 vejo a galera entrar... 

Bah parece que isso é uma coisa de outro mundo, toda galera ali não tem preço e um deles diz: “- Bah Luciano tu puxou forte....” kkk. Mas que nada coisas de pedal... ficamos parados 45 min.... Ai a Ninki, meteu uma pressão disse que os ciclistas que saíram as 19:30(para ver que tem ciclista que pedala muito) recém tinha chegado no PC2(Encruzilhada do Sul) e nós estávamos ali parado..kkk Juntamos a galera e metemos o pedal novamente, eu como experiente da turma avisei que tinha muita subida até Encruzilhada, mas cada foi no seu ritmo ficamos para trás eu e Gustavo Migliavacca, pois eu sabia que ele teria um pouco de dificuldade na subida, pois ele não fez "UP" na bike dele..kkk , escuridão toma conta céu estrelado e uma linda lua vem nos contemplar, juntamente com friozito não tão forte neste momento.

Devido ao pedal forte da subida de Encruzilhada, até a metade eu pedalei com ele, sempre ia dizendo Gustavo está vendo aquela luz la em cima? ... depois deve ter mais uma duas subidas e deu...kkk Tudo isso para motivá-lo e eu com pé atrás ainda com o meu pretérito na memória. Acabei me afastando dele devido cada um impõe um ritmo na subida. Chequei às 23:51 no PC2 com fome, comi li em alguns relatos a "batata doce" na janta tem o seu valor...hehhe 

Acabei não comendo carne, pois o frango tinha aspecto de "avestruz", coxas grandes e escuras ao olhar para prato não apetecem. Mas comi várias complementos que me alimentaram bem até o PC3(virtual). Já passavam 20min parados e frio tomava conta... o amigo e parceiro Fernando Sperotto corria ao redor do pátio do posto de gasolina para aquecer... 

E o frio para quem possa interessar é muito ruim (ano passado eu congelado) no mesmo PC... Aí começa bater um medo interno, mas o mesmo tempo motivado todo mundo colocando jornal embaixo dos "quebra-ventos" e ansiedade toma conta... alguns dos parceiros estavam se arrumando , e eu não posso ficar muito tempo parado, devido ao frio e medo.

Convidei o Gustavo para meter pedal, pois os outros parceiros iriam nos alcançar se fossemos um pouco devagar, foi perfeito! Depois alguns kms, estávamos todos juntos, dando risadas para espantar o frio. Chegamos ao PC3(virtual) o mesmo que o 2, mas não tinha ninguém tínhamos que comprar alguma coisa para apresentar o cupom na chegada...

Tudo certo começamos a sai em direção ao PC4(Sta cruz do Sul) o além do frio a neblina nos abraçava forte... Ai teve um dos parceiros que disse:" - O que estou fazendo aqui, devia estar em casa com minha esposa dormindo de conchinha..." foi motivo de muito gargalhada e para mim um alívio, pois tinha feito mais quilometragem e o meu "pretérito fantasma" que tanto me incomodava foi para o espaço...

Alegria toma conta e força no pedal, cada um com seu ritmo, ficamos para trás eu e Gustavo... íamos contanto do inicio das nossas pedaladas, quando fazíamos 40 km e nos sentíamos realizados... e papo vem e papo vai e Sta. Cruz não chega nunca... pois o inicio do cansaço e frio toma conta... e de novo eu com argumentos das luzes...para motivar, pois ano passado me deu o trabalho de fazer de carro o trajeto, mais ou menos eu sabia o que estava acontecendo.

De repente avistamos a cidade e começamos contar as 4(quatro) sinaleiras.... que eternidade... quanto apareceu a quarta saiu grito de alegria estávamos chegando no PC4(Sta Cruz) Km 260... La juntamos toda a galera 6(gigantes e valentes) alegria e euforia toma conta. Vamos la nos comer, olho de soslaio para o Gustavo, com os olhos vermelhos de sono, cansaço e fiquei a pensar, será que ele vai "abortar" a prova.

Mas eu conheço ele como poucos conhecem... esse cara é valente e não vai desistir... Só faltava mais + - 50 km, para chegar ao almoço no PA(pesque e pague). Cada parada em pc e conversas são motivos para carregas as baterias... coisa mágica. Saímos do ar condicionado para encarar o frio 6 a 7 graus...bah... "dor por tudo", queixo batendo... la foram os 6 guerreiros... por confusão do GPS(kkk) por incrível que pareça erramos a saída, perdemos +- 30 min... e isso para nós faz uma diferença no final ia fazer falta.

Mas deu tudo certo achamos RSC 287-281 na saída de Sta cruz... ali foi o divisor novamente, cada um com seu ritmo, pois a subida e grande com curva e com nevoeiro que mais parecia um" show pirotécnico com muito gelo seco". Mas em compensação depois desta longa subida tinha a descida... quase o obvio...kkk mas no cansaço nada é obvio.

Mas quando eu vi a placa indicando General Câmara, pensa em alguém muito feliz, pois no meio deste percurso tinha PA(com almoço), depois dali era barbada era mais 100 e uns quebradinhos...kkkk

O pedal rolava solto, começou aparecer o tão agraciado sol que tantos nos ilumina e nos aquece. Devido a estafa, começa a puxar flash (do sorriso dos filhos), boa sorte do amigos e amigas em geral, seria quase impossível descrever a todos , tudo para ajudar... e por incrível que pareça o ser humano quando chega ao seu limite a força é divina..., e dele pedal, as vezes olhado para para trás para ver ser aparecia o parceiro... entre, partes de sol e nevoeira... saí do meio da neblina o Gustavo.

Bah que emoção, o cara ta ali... parece que as pilhas vão se carregando novamente. Seguimos juntos até o PA(almoço), outros parceiros já estavam algum tempo la. Chegamos la e eles saíram... Ai quando eles estavam saíndo o Rodrigo Rubbo e Fernando Sperotto pediram estávamos bem e Fernando olhou para mim eu disse: - "quero ver vcs lá".... bah tudo é motivador incrível, simplesmente mágico...tinhamos 7h ainda para fazer apenas o restante da prova.

Aparentemente tranquilo. Saímos do almoço em direção ao PC5(Charqueadas) a média começou a baixar, claro as pernas já estavam tão cansadas pois estávamos muito tempo pedalando. Fizemos várias paradas estratégicas e algumas empurradas na bicicleta, para mudar a força muscular... tudo certo. Chegamos em General Câmara calibrei os pneus 60 libras tudo ajuda... até então estava com 55 libras... para ver que 5 libras fizeram a diferença para um cérebro cansado. Bah ! Chegamos em Charqueadas no P5(postaço) outra euforia toma conta.

Estrategicamente comida , pois o bicho ia pegar para frente quase 24h pedalando... o corpo começa pedir ajuda... Sai um pouco antes que Gustavo, pois sabia que ele precisava descansar. Para ajudar depois do postaço começou o vento contra... nem sei se era muito forte, mas sei que atrapalhava muito, novamente comecei olhar para trás para ver se via o Gustavo e nada... estava chegando na 290 perto do pedágio que leva a POA, do nada aparece o Gustavo, novamente fiquei feliz ver o parceiro.

Novamente pedalamos juntos e bendita frase "começamos juntos e vamos terminar junto"... boraaaaaaaaaaaaaaaaaa . Passando o pedágio encontramos uma figura ímpar chamada Marga Comassetto que disse: -eu pedi para o vento parar...por incrível que pareça o média começou a subir...kkk só ilusão, pois é uma reta extensa sem ponto de referência, tu pedalada e nada acontece...

Aí passa por nós um dos monstros dos Audax o Helton Moraes e diz o vento e contra e não a favor que balde água fria...kkk, olha só o poder de uma palavra(contra ou favor) sentimos na essência. Mas dele pedal... parando esticando pedindo a Deus, Nossa Senhora de Caravaggio, todos os santos... faltando uns 15 km, puxo o último gole d'água do camel back , as duas garrafinhas sem "gatorade" .

Bah mas faltam 15km, boraaaaaaaaaaaaaaa.... quando avistamos a ponte do rio guaiba a frenesi toma conta.... e o Gustavo diz: - vamos pela passarela empurrar a bicicleta, eu não, não vamos pela linha branca na manha.. neste momento as lágrimas escorrem mas como estava de óculos espelhados ninguém iria ver.

Só agradecia por tudo dar certo... em todos os sentidos... Damos sorte ao atravessar a ponte... pois acredito estávamos iluminados por tanto esforço, conseguimos passar direto em direção a shopping.

Passamos pela última sinaleira e última subida, nunca fiquei tão contente e ver uma propaganda "DC NAVEGANTES" AÍ COMEÇAMOS A GRITAR.... AS BENDITAS PALAVRAS "TERMINAMOS JUNTOS C....." NÓS SOMOS F... ao entrar no patio do DC navegantes os parceiros comemorando não tem preço...

Por isso encerro o meu relato com a seguinte frase "AUDAX É PARA POUCOS". 
Abraço a todos que de uma maneira o outra torceram por mim (nós)... 7 gatorade + 3 energeticos e 6 a 8 litros de água. Sempre bem hidratado e alimentado, cabeça boa e corpo bom(treino) vai dar brevet no audax.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

INFIÉIS DA PRÓPRIA VIDA



I


Nossa vida está perdendo consistência. Espessura. Segurança. Estamos mais sujeitos a mudar do que a insistir.

Estamos mais sujeitos a nos separar do que a permanecer casados.

Estamos mais sujeitos a ir embora do que a voltar para casa.

O mundo está tomado de mutantes, zeligs, camaleões, transformers.

Se algo incomoda, se algo atrapalha, o botão Desapego é rapidamente acionado.

Como não pretendemos sofrer, caminhamos para a total insensibilidade. Deixa-se o começo por outro começo. Não há mais meio ou fim, o que vigora é a desistência.

Substituímos a responsabilidade pela ideia de liberdade.

Experimentar é a lei – fazer patrimônio e futuro não tem sentido.

Anteriormente, nos dedicávamos à família. Agora, nossa obsessão é o prazer pessoal. Danem-se as complicações.

A aparente leveza se assemelha a desenraizamento.

Buscamos chegar logo, não olhar a paisagem. A velocidade é o que nos provoca. Buscamos desembarcar logo num novo destino, não nos vale a estrada. A viagem deve ser curta e indolor, jamais reflexiva e longa.

Não estou sendo dramático. Na infância, tínhamos três canais de tevê. Hoje, são mais de 300. A variedade nos conduz a não nos fixarmos em nada durante grande tempo.

Ter um romance longo é quase uma insanidade, assim como ler um livro de 400 páginas ou assistir a um filme de três horas.

Não oferecemos chance para permanência, para a rotina, para a confirmação das expectativas.

Não toleramos o desgaste, o tentar o possível antes de se despedir. Sacrifício e renúncia são expressões banidas do vocabulário, significam burrice. “Perder tempo com alguém, com tanta gente interessante por aí?” é o que nos dizem.

O oi já é um convite, o tchau já é um adeus, não existe relacionamento seguro e firme que suporte a tempestade de contradições.

São muitos apelos para biografias imaginárias. São muitas opções de ser diferente, que nem descobrimos quem somos.

É sempre alguém nos chamando no Facebook ou nas redes sociais com uma história incrível, extraordinária, afrodisíaca, que é um crime não provar.

É sempre alguém oferecendo conselhos, dicas, sugestões.

Repare. O mundo virou sábio de repente: todos têm soluções, ninguém mais convive com seus problemas.

Não me refiro à infidelidade amorosa, mas ao quanto somos infiéis com o nosso passado.

Não é trocar de parceiro ou parceira, mas trocar de tudo: largar emprego, cidade, amigos, esportes, manias.

Troca-se de mentalidade mais do que de opinião.

E é tão fácil descartar, difícil é refinar a própria vida.

Mas se você concluiu a leitura desta crônica, ainda há esperança.

Esperança de não virar a página por um momento.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 20/08/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17528

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Amor Maior


O LUGAR DOS FILHOS

Cada vez mais, casais decidem não ter filhos. Clamam por uma liberdade onde não há espaço para dedicar-se a uma terceira pessoa. Numa era de extremo individualismo, crianças se tornaram sinônimo de entrave para os prazeres da vida. É uma nova opção que altera nossa maneira de desfrutar o mundo. Basta retroceder um ou dois séculos para descobrir que o sentimento de abnegação foi um dos pilares na construção do que chamamos de família. Gerações e mais gerações seguiram sem questionar a ordem do “crescei e multiplicai-vos”. Nada mais natural do que entregar as melhores horas para a formação dos novos rebentos que, ao fim de tudo, seriam os responsáveis por cuidar de nós na velhice.

Hoje pensamos de forma diferente. As certezas absolutas geradas pelo avanço da ciência nos fazem crer em nossa autossuficiência. Preciso apenas de mim mesmo, dizemos secretamente diante da mais remota ameaça a nossa autonomia. O direito mais inalienável responde pelo nome de “possibilidade de escolha.”

Assim, dedicar-se à educação infantil passou a ser visto por muitos como uma espécie de desperdício de tempo, quando tudo aponta para uma fruição permanente. Esquecemos, na cegueira de nosso egoísmo, que somos criaturas dependentes, inclusive do afeto alheio. O reconhecimento da autoestima passa, em primeiro lugar, pelo olhar de acolhimento do outro. E é neste entrelaçar de sentimentos ancorados nas relações familiares que sustentamos o peso e a claridade de ser. A capacidade de sair de si mesmo e buscar uma fonte de satisfação na dedicação a um filho pode ser um dos mais altos exercícios de generosidade que podemos experimentar. É claro que nem tudo é sublinhado por momentos idílicos e amorosos quando falamos em educação. Crianças precisam de limites o tempo todo, e essa é uma tarefa das mais árduas. Rebelam-se e nos desgastam nesse contínuo processo de desafiar a nossa autoridade. É um embate cansativo e que muitas vezes pode gerar raiva, vontade de desistir, cansaço. Mas quando conseguimos sair do nosso estreito eu, descobrimos que a grandeza se revela onde há despojamento.

Não tenho a experiência da paternidade. Ganhei e perdi. Sou dono de uma considerável fatia das minhas horas. Vou e venho sem precisar me preocupar com questões domésticas que envolvem a segurança e o bem-estar de uma criança ou um adolescente. E, considerando-se que hoje em dia a dependência vai muito além do início do que se convencionou chamar de idade adulta, é provável que, aos cinquenta anos, eu ainda estivesse às voltas com cuidados que antes eram destinados aos que ainda estavam em processo de formação. Porém, feitas as contas, sei que nesta equação precisam ser contabilizadas também as perdas. São inúmeras as alegrias que vejo estampadas no rosto desses pais e mães orgulhosos de seus filhos. É um caleidoscópio sentimental intransferível.

Provavelmente muitos deles invejem a minha disponibilidade para a leitura, o cinema, as viagens. Mas é preciso dizer que também os invejo pela criação de uma teia amorosa onde a consanguinidade e a convivência mais estreita têm um papel determinante. O cuidado e a proteção que envolve os que nos são caros representa não só uma artimanha para a perpetuação da espécie, mas também, e sobretudo, um dos mais belos exercícios de acolhimento a que somos destinados.

O sonho de muitos se situa na fronteira entre o ir e vir sem incômodos e a doce prisão em que os filhos nos envolvem. Ver essa questão com certo distanciamento emocional pode nos ajudar a elucidar nosso papel enquanto seres sociais. Se os dias são propensos à excessiva idolatria de cada um, vale lembrar também o quão vulneráveis e frágeis somos. O verbo despojar deveria ser conjugado com mais assiduidade. Porque é exatamente isso que cuidar da criação de alguém desperta em nós: o esquecimento de si em prol de uma criatura que ainda precisa ser guiada pelas nossas mãos.

Ao fazer isso, estamos testemunhando não somente o crescimento e a proliferação das células de outro corpo. Mas também o desenvolvimento desse misterioso sopro que chamamos de alma. Assim, conseguimos lembrar que somos apenas uma parte, um fragmento dentro de um universo que nos ultrapassa. Entenderemos melhor o mosaico na medida em que aprendermos a olhar para as demais peças.

Filhos celebram a descoberta de uma significação para a vida.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O BEM É PAGO COM O BEM?



  • Quantos de nós já ouvimos, ao longo da vida, uma frase semelhante a esta:
     “Não entendo, ele sempre foi tão bom, por que teve que sofrer tanto?” Procuramos por
     justiça,
     dentro de um universo que costuma ser indiferente aos nossos desejos, às nossas súplicas.
     É compreensível esta incredulidade, certamente. Todas as tradições religiosas colocam
     no cerne de seus ensinamentos a busca pela retidão,
     a manutenção de propósitos elevados em nosso relacionamento com o outro.
     Mas somos seres predadores, que precisam ser freados em muitas atitudes, para não
     confirmar a veracidade da máxima de Hobbes: “O homem é o lobo do homem.”

    Pessoas que não seguem nenhum credo religioso costumam se preocupar menos com as consequências de seus atos. 
    Não que o contrário sempre resulte numa conduta louvável. Mas na prática, talvez motivados pelo medo,
     vemos homens e mulheres recuando em alguns de seus propósitos não tão nobres. Lá adiante poderei ser punido,
     pensam.

    Precisamos acreditar que o bem é pago com o bem, como uma espécie de doutrina consolatória diante da dor e 
    das perdas que compõem o tecido do mundo, do nosso mundo. Talvez essa questão precise ser entendida mais à luz 
    da sabedoria dos antigos do que sob o impulso da esperança na lei da recompensa. Grandes textos da tradição 
    oriental como o Bhagavad Gita, Os Analectos, de Confúcio, o Tao Te King, de Lao Tse, apontam para o mistério, 
    e não para uma explicação clara do que nos acontece ao longo da existência e depois do seu fim. É bem possível que 
    nossos limitadíssimos cinco sentidos não deem conta de uma realidade comprometida com o condicionamento e, 
    principalmente, com a nossa preguiça em investigar o que está um pouco além do concreto, do que se sente como 
    real.

    Lembremos aqui de um exemplo bastante simples: existe um apito que emite um som que só os cães conseguem
     escutar. Isso significa que, pelo fato de não ser audível para nós, humanos, ele não existe? Talvez assim também
     o seja em relação a nossos atos. Pode ser que não exista essa lógica simples no que se refere à bondade sendo paga
     sempre com a bondade. O início da idade mental adulta inclui a frustração e a busca de um sentido para a nossa 
    presença neste planeta.

    Com o passar do tempo, tenho procurado ver esse tema longe das certezas nascidas unicamente do uso da razão.
     É possível que o essencial nos escape quando falamos do Ser, com letra maiúscula. A filosofia, sob a luz gélida da
     análise e do pensamento, costuma desconsiderar a possibilidade de tratar de temas relacionados com a alma.
     Ou, quando o faz, é para colocar uma pá de cal sobre a nossa “pretensão” em acreditar que ultrapassamos a
     temporalidade da carne. Mas muitos dos grandes iniciados – e aqui é preciso lembrar de Platão em seus diálogos –
     revelaram alguns indícios de que pode existir algo que vá além da nossa última respiração.

    Ao aceitar essa leitura da vida evitamos ser atropelados pelo dogmatismo e pela arrogância. O que sabemos já 
    nasce contaminado pelo que nos é passado pelas gerações que nos antecederam. Quase tudo o que fazemos ou
     pensamos não passa de uma repetição do senso comum.

    Faço essas considerações como um preâmbulo para que possamos, com alguma dose de humildade diante do tanto
     que desconhecemos, vergar um pouco as nossas expectativas sobre uma questão tão importante como a do bem. 
    A grandeza pode estar escondida nas dobras da capacidade em praticá-lo longe de qualquer expectativa de 
    correspondência.

    No mínimo isso nos causará menos sofrimento e desencadeará em nós a vontade de seguir essa prática, sem esperar
     nada em troca. Talvez o bem seja mesmo uma espécie de ímã que atrai para si tudo que é composto pela mesma
     “matéria”. É uma aposta que pode, indiretamente, resultar em nosso aprimoramento.

    Pouco sabemos. Que seja essa ignorância, portanto, uma espécie de bênção para transformar o medo da punição e a
     vontade da recompensa num impulso para continuar agindo sob um arco ético. A resposta virá através da
     linguagem dos deuses, não dos homens.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013


DAR NÃO É FAZER AMOR



Dar é dar.
Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido.
Mas dar é bom pra cacete.
Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca...
Te chama de nomes que eu não escreveria...
Não te vira com delicadeza...
Não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom.
Melhor do que dar, só dar por dar.
Dar sem querer casar....
Sem querer apresentar pra mãe...
Sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo.
Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral...
Te amolece o gingado... 
Te molha o instinto.
Dar porque a vida é estressante e dar relaxa.
Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã.
Tem pessoas que você vai acabar dando, não tem jeito.
Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem 
esperar ouvir futuro.
Dar é bom, na hora.
Durante um mês.
Para os mais desavisados, talvez anos.
Mas dar é dar demais e ficar vazio.
Dar é não ganhar.
É não ganhar um eu te amo baixinho perdido no meio do escuro. 
É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir.
É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra dar
o primeiro abraço de Ano Novo e pra falar:
"Que que cê acha amor?". 
É não ter companhia garantida para viajar.
É não ter para quem ligar quando recebe uma boa notícia.
Dar é não querer dormir encaixadinho...
É não ter alguém para ouvir seus dengos...
Mas dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito. 
Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor.
Esse sim é o maior tesão.
Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuar

Experimente ser amado.

Recebemos este texto informando que o autor é o Luis Fernando Veríssimo. Não conseguimos confirmar a autenticidade desta informação 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O DOMÍNIO DAS PAIXÕES


Há muitos anos sou um leitor contumaz de textos budistas. Sempre que possível medito, na certeza de que só volto a encontrar meu eixo de lucidez e serenidade quando consigo silenciar as palavras na minha mente. Dos tantos ensinamentos que permearam a minha vida, talvez o mais difícil de alcançar ao longo do tempo foi o domínio das paixões. Eu pensava: Mas que graça podemos encontrar numa vida onde o que nos move – sexo, comida, dinheiro, poder – precisa ser domado o tempo todo? Como se afastar disso tudo sem o medo de nos tornarmos parecidos com essas criaturas pálidas, que exalam uma espécie de paz mortiça no olhar? Sim, que bonito, mas que tédio, meu Deus!

Passaram-se quase 20 anos até que algum lampejo dessa sabedoria fizesse visitações em minha alma. E o mais misterioso disso é que a primeira vez em que tive a noção de que poderia dizer não ao que me feria se deu num momento de quase distração. Assim como quem acorda e percebe que mudou profundamente durante o sono. Não houve esforço algum, simplesmente aconteceu.

Esse processo está apenas iniciando, bem sei, mas a alegria que sinto ao ser capaz de me reapropriar de mim mesmo, depois desse longo exílio, é quase indescritível. É uma espantosa certeza de que, agora sim, estou voltando para casa. Na verdade, voluntariamente nos colocamos num grande número de prisões, que nos parecem a melhor habitação que existe. Aceitamos um mundo que prioriza a entrega inconsciente e continuada a bens materiais e aos amores que avassalam, esses que flertam descaradamente com a loucura. Tamanho é o incitamento coletivo a tal tipo de comportamento que mal nos damos conta dos estragos que isso provoca dentro de nós. Cremos que é assim mesmo, que não há outra maneira de seguir em frente, felizes por nos tornarmos nossos próprios carcereiros.

O que aprendi até agora é modesto e suscetível de perda se eu não permanecer vigilante. Fico receoso quanto à possibilidade de ser surpreendido novamente por esse estado de torpor em que normalmente todos nos encontramos. Por outro lado, tenho a convicção de que a consciência adquirida não será perdida jamais. Estou olhando com mais cuidado para tudo o que faço e sinto. E aceitando com leveza os erros que continuo cometendo. Repito para mim, todos os dias, uma frase admirável de Marguerite Yourcenar: “Nada é mais lento do que o verdadeiro nascimento de um homem.” Precisamos aprender a esperar, eis tudo.

É provável que a consolidação desse aquietamento passará ainda por muitas provas. Sinto-me uma espécie de ex-adicto, precisando resistir às “tentações” que se apresentam. Mas é muito bom poder me sentir tão tranquilo na constatação de que não me importo mais com aquilo pelo qual a maioria das pessoas passa a vida lutando. Digo isso sem qualquer resquício de arrogância, pois o que vislumbro agora faz parte de uma jornada que provavelmente jamais terá fim. E se faço essa confissão não é no intuito de polir uma imagem que, no mais das vezes, nunca foi uma preocupação primordial para mim. Pretendo apenas dividir com mais pessoas essa convicção: é possível reconhecer a si mesmo quando as paixões desaparecem.

O que quero hoje é simplesmente seguir em frente, observando atentamente o que se passa dentro e fora de mim. Preciso de pouco para ser feliz. “A melhor maneira de viajar é sentir”, disse Fernando Pessoa. Que venham as estações das rosas e dos lírios, as lições de meus filósofos e poetas, as longas caminhadas que faço nas manhãs pelas estradas da colônia. De que mais preciso para me sentir grato? Diminuir os desejos, adormecer a fome e, quem sabe um dia, compreender em profundidade essas sentenças nascidas na mente de Chang-Tzu, um dos grandes mestres do taoísmo: “O homem de antigamente (os verdadeiros homens) não tinham nem amor pela vida, nem temiam a morte. A entrada na vida não causava nenhuma alegria: a saída não ocasionava nenhuma resistência. Eles aceitavam a vida e nela encontravam prazer. Eles aceitavam a morte e voltavam sem temor ao seu estado de vida passada. Estes eram os homens que podem ser chamados de homens verdadeiros.”

sábado, 13 de julho de 2013

O MEDO É SÓ O MEDO


  • Tantas vezes na vida ficamos paralisados, certos de que não conseguiremos avançar. Damos a isto o nome de medo,
     um sentimento que anestesia nossas ações e nossos pensamentos. Depois de esmiuçar esta questão em algumas 
    sessões de terapia e em longas conversas com amigos, dei-me conta de que o salto que precisamos dar para sair de
     uma área  de desconforto não é tão fácil assim. Mas o alívio que sentimos ao romper com o que nos incomoda
     compensa as pernas trêmulas, a garganta seca, a respiração arfante.

    Manter velhos hábitos, acomodar-se dentro de uma rotina morna, mas não necessariamente torturante, faz com
     que resistamos a qualquer tipo de ruptura. Vamos levando a vida em banho-maria, cozinhando lentamente os
     nossos  sentimentos, como se a eternidade andasse de mãos dadas conosco. Gostamos de nos sentir seguros,
     confortáveis. Pagamos para não nos incomodar, na tão conhecida expressão que simboliza essa verdade.
     Dar um salto no escuro  é sempre temeroso, mas a liberdade que disso advém justifica tudo. A gente fica apavorado
     com a ideia da solidão  afetiva, do hiato entre um emprego e outro, da mudança de casa. Habituados ao
     terreno conhecido, hesitamos muito  antes de dizer “chega!”. Olhamos para o lado e, na descoberta de pessoas
     em situações menos favoráveis do que a nossa , depomos as armas. Preferimos a lenta agonia dos amores que só 
    podem ser conjugados no passado do que a coragem  de ousar em busca de um relacionamento com mais frescor.
     Resistimos em trocar a estabilidade pelo desconhecido.
     Onde encontrar disposição para começar tudo novamente?

    Esse cansaço antecipado nos priva de conhecer outras realidades. Embora, em nossos dias, tenhamos à disposição
     um  manancial de escolhas em quase todas as áreas, parece que a inércia resulta exatamente disso.
     Ficamos estáticos  diante da possibilidade de ter feito a aposta errada. A angústia é o subproduto das prateleiras
     cheias que se apresentam  como o paraíso a nossa disposição.

    Se faço uma investigação mental, descubro que o que de melhor aconteceu na minha vida resultou da capacidade 
    de dizer não diante do que agonizava. Quando extraí forças de dentro de mim para partir tive a certeza de que essa 
    decisão me devolveria a paz perdida. É claro que essa atitude implica em remexer nos escaninhos das emoções, 
    principalmente daquelas que nos imobilizam. Mas quando aprendemos a olhar de frente esse monstro de olhos 
    negros, descobrimos que ele não é tão assustador assim. Sem contar que enfraquecemos quem se vale de algum tipo 
    de poder que tem sobre nós. Todos conhecemos alguém que, apesar de ser brilhante, capaz e independente, 
    permanece anos e mais anos atrelado a situações francamente hostis.

    O exemplo mais emblemático é o de casais que, comprometidos com a criação de seus filhos, jogam para baixo do
     tapete o rancor acumulado ao longo dos anos. Temendo machucar crianças que acreditam incapazes de 
    entender uma separação, optam por uma existência paralela como válvula de escape, diante da impossibilidade de
     fazer as mala e partir. Sabem que há uma forte chance de um segundo ato, mas o evitam, porque o resultado dessas
     tentativas costuma deixar na alma algumas escoriações. Mesmo num exame superficial de consciência descubro 
    que  muitas vezes suportei ser humilhado, sentindo vontade de desaparecer da face da terra, simplesmente por
     temer a perda do amor e do respeito de quem eu admirava. Quando percebi que podia romper com essa
     dependência e sobreviver, reiniciei as melhores fases de relacionamento comigo mesmo. A isso se chama
     cuidar de si. Proteger-se. Não deixar que o medo se avolume até o ponto de nos debilitar, quando não de nos 
    matar com assustadora antecipação.

    Muitas vezes a constatação tardia do tempo perdido nos enraivece. Mas não podemos esquecer que é mais difícil
     romper um vínculo de qualidade duvidosa do que aquele que navega em mar sereno. Nossa mente vai por
     caminhos que nem sempre compreendemos. Cabe a nós recompor psicologicamente o tecido das decisões antes
     que ele esgarce e só nos reste o arrependimento.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

O fantasma do quarto escuro

 

"Um homem deve olhar a si mesmo antes que outros o façam"

Pinte um quadro e pendure-o. Observe-o todas as noites antes de dormir, veja-o todas as manhãs ao acordar e depois de um tempo tire-o de lá: você irá notar que nada o substituirá, nem mesmo o tempo poderá apagá-lo por completo de suas lembranças.
Assim são dados momentos em nossa vida, algo tão íntimo, tão fundamental dentro de nossa vaga existência, que passa a ser como uma bússola em meio à nossa selva emocional. Você pode não amar tanto alguém, não gostar tanto de algo, não entender a intensidade, porém, a menor diferença que aquilo nos cause dia após dia poderá ser suficiente para nos tornar dependentes. A parede é marcada e ninguém, por melhor que seja, poderá apagar o tempo que doamos a vislumbrar nossa obra de arte emocional.
Assim é a solidão: uma soma de pequenos grãos, resquícios de quem passou por nossa vida e nos marcou. É o jeito que nosso labirinto emotivo encontrou para nos dizer que vale a pena viver, amar e se sentir amado, ferir e superar a dor.Por vezes, portas erradas levam a respostas certas. Às vezes precisamos recordar também o que não nos fez bem.
Por vezes, precisamos varrer os pequenos fragmentos que nos atormentam para debaixo do tapete, esquecer que eles existem até o dia que possamos novamente encontrá-los, lembrar-se de uma época em que aquilo tudo nos feria e perceber o quanto ficamos melhores e mais fortes.
A solidão causa a impressão de que perdemos tempo, congelando momentos sem que nos permitíssemos viver novos. Um retrato que, por ora, nos ridiculariza em saudade, mas que um dia será – quem sabe – nossa melhor lembrança.
Por isso, siga, com dor, luta, acordando cedo, dormindo tarde, perdendo o sono. Resista, ao cansaço, à falta de fé, aos pesadelos que se repetem e aos pedaços de dor que seguem surgindo em nosso caminho e ferindo nossos pés.
Porque toda falta nos tortura, mas também ensina; toda perda é sentida, mas perder é da vida. Vestígios de nossa singela existência misturados às areias de uma ampulheta que não podemos inverter a fim de que o tempo reinicie. Os dias que correm são os que não voltam. E se não voltam, a dor também se torna passageira.
Deixe as mágoas entrarem sozinhas nesse ônibus, não as acompanhe. Ficar ali, sozinho, esperando a próxima carona, lhe trará a solidão, ansiedade e o medo de que talvez ninguém mais passe nessa estrada. Mas estradas são feitas para que outros passem e a vida é uma estrada onde mesmo que você caia, alguém há de te encontrar.
Entregar-se não é fazer de outros a sua morada, mas eternizar momentos. Não more em outro, não construa sua vida em outra pessoa, apenas partilhe da ajuda, compartilhe os sentimentos, deguste cada gota de felicidade que, juntos, podem extrair. 
Não resuma sua existência à dependência, é frio demais esse lugar. Uma prisão disfarçada em flores e perfumes, mas ainda assim uma prisão. Guarde forças para levantar, para ver que o mundo é mundo e não um quarto escuro sem perspectivas. Um homem deve olhar a si mesmo antes que outros o façam.
Por Felipe Sandrin

segunda-feira, 1 de julho de 2013

VELHOS, MAS JOVENS


  • Durante um período de férias numa cidade litorânea, observei um enorme contingente de pessoas idosas praticando atividades freneticamente. Alguns com mais de 80 anos. E nessas práticas deve-se incluir o olhar lúbrico que senhores encarquilhados jogavam sobre as moças que desfilavam seus corpos rijos e morenos pela orla. Súbito, um sentimento de desconforto tomou conta de mim. Senti que havia alguma coisa errada nesse tipo de comportamento, considerando-se que a senectude pressupõe, no mínimo, um certo arrefecimento dos desejos. Mas não, o que se via era uma espécie de competição à luz do dia com os mais jovens. Secretamente, via-se a seguinte legenda na testa de cada um deles: “Vocês, moços, pensam que são donos do mundo: alto lá, nós ainda podemos fazer tudo o que vocês fazem, e talvez até melhor”. O que é motivo de orgulho, essa revolução ocasionada pelos avanços da ciência e da medicina, me deixou triste. Sabem por quê? Porque eu vi em muitos olhos uma espécie de desespero, aquela angústia de maratonista quando está completando a última volta antes de chegar à reta final.

    Lembrei, antes de tudo, da mudança de comportamento provocada pelo surgimento do Viagra. Hoje em dia, nenhum homem está mais autorizado a mostrar desinteresse sexual e, muito menos, a decepcionar alguém na cama. Leia-se: ninguém mais pode brochar – há que se dizer isso, sem meias palavras. Do garotão que quer impressionar sua mais nova conquista da balada ao senhor com mãos trêmulas e cérebro que já apresenta pequenos lapsos, todos, sem exceção, precisam mostrar que estão ativos. Mas a que custo, hein?

    Claro que esse mágico comprimido azul melhorou a vida de muitos casais que já se declaravam aposentados na cama. Sem falar nas disfunções de ordem física ou psicológica que impedem a consumação de uma relação. Seria um absurdo negar as maravilhas que isso ocasionou. Agora, é quase uma agonia não ter o direito de dizer não, obrigado, já estou satisfeito, sinto-me feliz assim, só olhando, sem precisar provar nem a mim e nem aos outros que continuo potente. Talvez a nossa época venha a ser conhecida como aquela em que os velhos não tinham mais o direito de descansar. Em que uma boa ereção alguns dias antes do fim passou a ser o coroamento de uma vida plena e bem-sucedida. Pobres de nós, exaustos, quando tudo clama por aquietamento, por sossego.

    Outra coisa: estamos perdendo também o direito de morrer. Visite um hospital e você verá um imenso contingente de pessoas ligadas a aparelhos, sofrendo, sofrendo, ladeadas por profissionais zelosos que não deixam a vida seguir o seu curso natural. Sim, eu também acredito que devemos nos valer de todos os meios para expulsar a indesejada dama de preto. Mas, convenhamos, isso não pode nos transformar em seres vegetativos de longuíssima duração que, a despeito da dor e da agonia, seguem respirando. Sem qualidade, sem dignidade, de que adiante manter um fiapo de lucidez, quanto muito? Estamos prorrogando, a um altíssimo custo de ordem moral e financeira, existências que já tiveram seu término decretado. Lembro das mortes que testemunhei na minha infância, na colônia. Havia, sim, o desespero da partida final, dos últimos gestos, das últimas possibilidades de reafirmar o amor. Mas não se fazia nada além de ministrar alguns medicamentos para amenizar a dor. E, mais importante ainda: nossos familiares morriam em casa, cercados pelo carinho de maridos e esposas, de filhos e netos. Penso ter visto no rosto de muitos deles uma aceitação tácita, um consentimento diante do inexorável. Os rios seguem seu curso, as florestas vendo as suas árvores serem tombadas para que outras, com o vigor das seivas novas, possam continuar o ciclo inerente a tudo que um dia nasceu.

    Ao constatar isso, sou tomado por um sentimento de cansaço. Esse mesmo cansaço que está sendo vetado aos nossos pais e avós. Eles têm que permanecer no mercado de trabalho até o último sopro de vitalidade, simplesmente para continuarem sendo vistos, pois o mais trágico da velhice é que simplesmente nos tornamos invisíveis aos outros. Estamos nos privando de um tempo onde a contemplação e o silêncio são o bem maior. Não pretendo me despedir como um atleta. Gostaria de poder abrir a janela do meu quarto e ver uma paisagem de borboletas, pássaros e um transbordante céu azul. E uma mão segurando a minha mão. Mas tenho medo que uma máquina geradora de vida artificial me roube essa última experiência. Deixem-me partir na estação certa. Quem precisa do sol à meia-noite? Quero o breu dos lagos profundos, o doce apagar da vela.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

ATRITOS



Ninguém muda ninguém;
ninguém muda sozinho;
nós mudamos nos encontros.

Simples, mas profundo, preciso.
É nos relacionamentos que nos transformamos.
Somos transformados a partir dos encontros,
desde que estejamos abertos e livres
para sermos impactados
pela idéia e sentimento do outro.

Você já viu a diferença que há entre as pedras
que estão na nascente de um rio,
e as pedras que estão em sua foz?

As pedras na nascente são toscas,
pontiagudas, cheias de arestas.

À medida que elas vão sendo carregadas
pelo rio sofrendo a ação da água
e se atritando com as outras pedras,
ao longo de muitos anos,
elas vão sendo polidas, desbastadas.

Assim também agem nossos contatos humanos.
Sem eles, a vida seria monótona, árida.
A observação mais importante é constatar
que não existem sentimentos, bons ou ruins,
sem a existência do outro, sem o seu contato.
Passar pela vida sem se permitir
um relacionamento próximo com o outro,
é não crescer, não evoluir, não se transformar.

É começar e terminar a existência
com uma forma tosca, pontiaguda, amorfa.
Quando olho para trás,
vejo que hoje carrego em meu ser
várias marcas de pessoas 
extremamente importantes. 

Pessoas que, no contato com elas,
me permitiram ir dando forma ao que sou,
eliminando arestas,
transformando-me em alguém melhor,
mais suave, mais harmônico, mais integrado.
Outras, sem dúvidas,
com suas ações e palavras
me criaram novas arestas,
que precisaram ser desbastadas

Faz parte...
Reveses momentâneos
servem para o crescimento.
A isso chamamos experiência.
Penso que existe algo mais profundo,
ainda nessa análise.
Começamos a jornada da vida
como grandes pedras,
cheia de excessos.

Os seres de grande valor,
percebem que ao final da vida,
foram perdendo todos os excessos
que formavam suas arestas,
se aproximando cada vez mais de sua essência,
e ficando cada vez menores, menores, menores...

Quando finalmente aceitamos
que somos pequenos, ínfimos,
dada a compreensão da existência
e importância do outro,
e principalmente da grandeza de Deus,
é que finalmente nos tornamos grandes em valor.

Já viu o tamanho do diamante polido, lapidado?
Sabemos quanto se tira
de excesso para chegar ao seu âmago.

É lá que está o verdadeiro valor...
Pois, Deus fez a cada um de nós
com um âmago bem forte
e muito parecido com o diamante bruto,
constituído de muitos elementos,
mas essencialmente de amor.
Deus deu a cada um de nós essa capacidade,
a de amar...
Mas temos que aprender como.

Para chegarmos a esse âmago,
temos que nos permitir,
através dos relacionamentos,
ir desbastando todos os excessos
que nos impedem de usá-lo,
de fazê-lo brilhar

Por muito tempo em minha vida acreditei
que amar significava evitar sentimentos ruins.
Não entendia que ferir e ser ferido,
ter e provocar raiva,
ignorar e ser ignorado
faz parte da construção do aprendizado do amor.

Não compreendia que se aprende a amar
sentindo todos esses sentimentos contraditórios e...
os superando.
Ora, esse sentimentos simplesmente
não ocorrem se não houver envolvimento...

E envolvimento gera atrito.
Minha palavra final: ATRITE-SE! 

Não existe outra forma de descobrir o amor.
E sem ele a vida não tem significado."
(Roberto Crema)