segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O BEM É PAGO COM O BEM?



  • Quantos de nós já ouvimos, ao longo da vida, uma frase semelhante a esta:
     “Não entendo, ele sempre foi tão bom, por que teve que sofrer tanto?” Procuramos por
     justiça,
     dentro de um universo que costuma ser indiferente aos nossos desejos, às nossas súplicas.
     É compreensível esta incredulidade, certamente. Todas as tradições religiosas colocam
     no cerne de seus ensinamentos a busca pela retidão,
     a manutenção de propósitos elevados em nosso relacionamento com o outro.
     Mas somos seres predadores, que precisam ser freados em muitas atitudes, para não
     confirmar a veracidade da máxima de Hobbes: “O homem é o lobo do homem.”

    Pessoas que não seguem nenhum credo religioso costumam se preocupar menos com as consequências de seus atos. 
    Não que o contrário sempre resulte numa conduta louvável. Mas na prática, talvez motivados pelo medo,
     vemos homens e mulheres recuando em alguns de seus propósitos não tão nobres. Lá adiante poderei ser punido,
     pensam.

    Precisamos acreditar que o bem é pago com o bem, como uma espécie de doutrina consolatória diante da dor e 
    das perdas que compõem o tecido do mundo, do nosso mundo. Talvez essa questão precise ser entendida mais à luz 
    da sabedoria dos antigos do que sob o impulso da esperança na lei da recompensa. Grandes textos da tradição 
    oriental como o Bhagavad Gita, Os Analectos, de Confúcio, o Tao Te King, de Lao Tse, apontam para o mistério, 
    e não para uma explicação clara do que nos acontece ao longo da existência e depois do seu fim. É bem possível que 
    nossos limitadíssimos cinco sentidos não deem conta de uma realidade comprometida com o condicionamento e, 
    principalmente, com a nossa preguiça em investigar o que está um pouco além do concreto, do que se sente como 
    real.

    Lembremos aqui de um exemplo bastante simples: existe um apito que emite um som que só os cães conseguem
     escutar. Isso significa que, pelo fato de não ser audível para nós, humanos, ele não existe? Talvez assim também
     o seja em relação a nossos atos. Pode ser que não exista essa lógica simples no que se refere à bondade sendo paga
     sempre com a bondade. O início da idade mental adulta inclui a frustração e a busca de um sentido para a nossa 
    presença neste planeta.

    Com o passar do tempo, tenho procurado ver esse tema longe das certezas nascidas unicamente do uso da razão.
     É possível que o essencial nos escape quando falamos do Ser, com letra maiúscula. A filosofia, sob a luz gélida da
     análise e do pensamento, costuma desconsiderar a possibilidade de tratar de temas relacionados com a alma.
     Ou, quando o faz, é para colocar uma pá de cal sobre a nossa “pretensão” em acreditar que ultrapassamos a
     temporalidade da carne. Mas muitos dos grandes iniciados – e aqui é preciso lembrar de Platão em seus diálogos –
     revelaram alguns indícios de que pode existir algo que vá além da nossa última respiração.

    Ao aceitar essa leitura da vida evitamos ser atropelados pelo dogmatismo e pela arrogância. O que sabemos já 
    nasce contaminado pelo que nos é passado pelas gerações que nos antecederam. Quase tudo o que fazemos ou
     pensamos não passa de uma repetição do senso comum.

    Faço essas considerações como um preâmbulo para que possamos, com alguma dose de humildade diante do tanto
     que desconhecemos, vergar um pouco as nossas expectativas sobre uma questão tão importante como a do bem. 
    A grandeza pode estar escondida nas dobras da capacidade em praticá-lo longe de qualquer expectativa de 
    correspondência.

    No mínimo isso nos causará menos sofrimento e desencadeará em nós a vontade de seguir essa prática, sem esperar
     nada em troca. Talvez o bem seja mesmo uma espécie de ímã que atrai para si tudo que é composto pela mesma
     “matéria”. É uma aposta que pode, indiretamente, resultar em nosso aprimoramento.

    Pouco sabemos. Que seja essa ignorância, portanto, uma espécie de bênção para transformar o medo da punição e a
     vontade da recompensa num impulso para continuar agindo sob um arco ético. A resposta virá através da
     linguagem dos deuses, não dos homens.

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