segunda-feira, 1 de julho de 2013

VELHOS, MAS JOVENS


  • Durante um período de férias numa cidade litorânea, observei um enorme contingente de pessoas idosas praticando atividades freneticamente. Alguns com mais de 80 anos. E nessas práticas deve-se incluir o olhar lúbrico que senhores encarquilhados jogavam sobre as moças que desfilavam seus corpos rijos e morenos pela orla. Súbito, um sentimento de desconforto tomou conta de mim. Senti que havia alguma coisa errada nesse tipo de comportamento, considerando-se que a senectude pressupõe, no mínimo, um certo arrefecimento dos desejos. Mas não, o que se via era uma espécie de competição à luz do dia com os mais jovens. Secretamente, via-se a seguinte legenda na testa de cada um deles: “Vocês, moços, pensam que são donos do mundo: alto lá, nós ainda podemos fazer tudo o que vocês fazem, e talvez até melhor”. O que é motivo de orgulho, essa revolução ocasionada pelos avanços da ciência e da medicina, me deixou triste. Sabem por quê? Porque eu vi em muitos olhos uma espécie de desespero, aquela angústia de maratonista quando está completando a última volta antes de chegar à reta final.

    Lembrei, antes de tudo, da mudança de comportamento provocada pelo surgimento do Viagra. Hoje em dia, nenhum homem está mais autorizado a mostrar desinteresse sexual e, muito menos, a decepcionar alguém na cama. Leia-se: ninguém mais pode brochar – há que se dizer isso, sem meias palavras. Do garotão que quer impressionar sua mais nova conquista da balada ao senhor com mãos trêmulas e cérebro que já apresenta pequenos lapsos, todos, sem exceção, precisam mostrar que estão ativos. Mas a que custo, hein?

    Claro que esse mágico comprimido azul melhorou a vida de muitos casais que já se declaravam aposentados na cama. Sem falar nas disfunções de ordem física ou psicológica que impedem a consumação de uma relação. Seria um absurdo negar as maravilhas que isso ocasionou. Agora, é quase uma agonia não ter o direito de dizer não, obrigado, já estou satisfeito, sinto-me feliz assim, só olhando, sem precisar provar nem a mim e nem aos outros que continuo potente. Talvez a nossa época venha a ser conhecida como aquela em que os velhos não tinham mais o direito de descansar. Em que uma boa ereção alguns dias antes do fim passou a ser o coroamento de uma vida plena e bem-sucedida. Pobres de nós, exaustos, quando tudo clama por aquietamento, por sossego.

    Outra coisa: estamos perdendo também o direito de morrer. Visite um hospital e você verá um imenso contingente de pessoas ligadas a aparelhos, sofrendo, sofrendo, ladeadas por profissionais zelosos que não deixam a vida seguir o seu curso natural. Sim, eu também acredito que devemos nos valer de todos os meios para expulsar a indesejada dama de preto. Mas, convenhamos, isso não pode nos transformar em seres vegetativos de longuíssima duração que, a despeito da dor e da agonia, seguem respirando. Sem qualidade, sem dignidade, de que adiante manter um fiapo de lucidez, quanto muito? Estamos prorrogando, a um altíssimo custo de ordem moral e financeira, existências que já tiveram seu término decretado. Lembro das mortes que testemunhei na minha infância, na colônia. Havia, sim, o desespero da partida final, dos últimos gestos, das últimas possibilidades de reafirmar o amor. Mas não se fazia nada além de ministrar alguns medicamentos para amenizar a dor. E, mais importante ainda: nossos familiares morriam em casa, cercados pelo carinho de maridos e esposas, de filhos e netos. Penso ter visto no rosto de muitos deles uma aceitação tácita, um consentimento diante do inexorável. Os rios seguem seu curso, as florestas vendo as suas árvores serem tombadas para que outras, com o vigor das seivas novas, possam continuar o ciclo inerente a tudo que um dia nasceu.

    Ao constatar isso, sou tomado por um sentimento de cansaço. Esse mesmo cansaço que está sendo vetado aos nossos pais e avós. Eles têm que permanecer no mercado de trabalho até o último sopro de vitalidade, simplesmente para continuarem sendo vistos, pois o mais trágico da velhice é que simplesmente nos tornamos invisíveis aos outros. Estamos nos privando de um tempo onde a contemplação e o silêncio são o bem maior. Não pretendo me despedir como um atleta. Gostaria de poder abrir a janela do meu quarto e ver uma paisagem de borboletas, pássaros e um transbordante céu azul. E uma mão segurando a minha mão. Mas tenho medo que uma máquina geradora de vida artificial me roube essa última experiência. Deixem-me partir na estação certa. Quem precisa do sol à meia-noite? Quero o breu dos lagos profundos, o doce apagar da vela.

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