segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O LUGAR DOS FILHOS

Cada vez mais, casais decidem não ter filhos. Clamam por uma liberdade onde não há espaço para dedicar-se a uma terceira pessoa. Numa era de extremo individualismo, crianças se tornaram sinônimo de entrave para os prazeres da vida. É uma nova opção que altera nossa maneira de desfrutar o mundo. Basta retroceder um ou dois séculos para descobrir que o sentimento de abnegação foi um dos pilares na construção do que chamamos de família. Gerações e mais gerações seguiram sem questionar a ordem do “crescei e multiplicai-vos”. Nada mais natural do que entregar as melhores horas para a formação dos novos rebentos que, ao fim de tudo, seriam os responsáveis por cuidar de nós na velhice.

Hoje pensamos de forma diferente. As certezas absolutas geradas pelo avanço da ciência nos fazem crer em nossa autossuficiência. Preciso apenas de mim mesmo, dizemos secretamente diante da mais remota ameaça a nossa autonomia. O direito mais inalienável responde pelo nome de “possibilidade de escolha.”

Assim, dedicar-se à educação infantil passou a ser visto por muitos como uma espécie de desperdício de tempo, quando tudo aponta para uma fruição permanente. Esquecemos, na cegueira de nosso egoísmo, que somos criaturas dependentes, inclusive do afeto alheio. O reconhecimento da autoestima passa, em primeiro lugar, pelo olhar de acolhimento do outro. E é neste entrelaçar de sentimentos ancorados nas relações familiares que sustentamos o peso e a claridade de ser. A capacidade de sair de si mesmo e buscar uma fonte de satisfação na dedicação a um filho pode ser um dos mais altos exercícios de generosidade que podemos experimentar. É claro que nem tudo é sublinhado por momentos idílicos e amorosos quando falamos em educação. Crianças precisam de limites o tempo todo, e essa é uma tarefa das mais árduas. Rebelam-se e nos desgastam nesse contínuo processo de desafiar a nossa autoridade. É um embate cansativo e que muitas vezes pode gerar raiva, vontade de desistir, cansaço. Mas quando conseguimos sair do nosso estreito eu, descobrimos que a grandeza se revela onde há despojamento.

Não tenho a experiência da paternidade. Ganhei e perdi. Sou dono de uma considerável fatia das minhas horas. Vou e venho sem precisar me preocupar com questões domésticas que envolvem a segurança e o bem-estar de uma criança ou um adolescente. E, considerando-se que hoje em dia a dependência vai muito além do início do que se convencionou chamar de idade adulta, é provável que, aos cinquenta anos, eu ainda estivesse às voltas com cuidados que antes eram destinados aos que ainda estavam em processo de formação. Porém, feitas as contas, sei que nesta equação precisam ser contabilizadas também as perdas. São inúmeras as alegrias que vejo estampadas no rosto desses pais e mães orgulhosos de seus filhos. É um caleidoscópio sentimental intransferível.

Provavelmente muitos deles invejem a minha disponibilidade para a leitura, o cinema, as viagens. Mas é preciso dizer que também os invejo pela criação de uma teia amorosa onde a consanguinidade e a convivência mais estreita têm um papel determinante. O cuidado e a proteção que envolve os que nos são caros representa não só uma artimanha para a perpetuação da espécie, mas também, e sobretudo, um dos mais belos exercícios de acolhimento a que somos destinados.

O sonho de muitos se situa na fronteira entre o ir e vir sem incômodos e a doce prisão em que os filhos nos envolvem. Ver essa questão com certo distanciamento emocional pode nos ajudar a elucidar nosso papel enquanto seres sociais. Se os dias são propensos à excessiva idolatria de cada um, vale lembrar também o quão vulneráveis e frágeis somos. O verbo despojar deveria ser conjugado com mais assiduidade. Porque é exatamente isso que cuidar da criação de alguém desperta em nós: o esquecimento de si em prol de uma criatura que ainda precisa ser guiada pelas nossas mãos.

Ao fazer isso, estamos testemunhando não somente o crescimento e a proliferação das células de outro corpo. Mas também o desenvolvimento desse misterioso sopro que chamamos de alma. Assim, conseguimos lembrar que somos apenas uma parte, um fragmento dentro de um universo que nos ultrapassa. Entenderemos melhor o mosaico na medida em que aprendermos a olhar para as demais peças.

Filhos celebram a descoberta de uma significação para a vida.

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