segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Tudo é sexo(ou sexo é tudo)

Tudo é sexo (ou sexo é tudo)
O que é instinto e o que é repressão? Até que ponto conseguimos vivenciar nossa sexualidade sem as amarras impostas pela sociedade? Provavelmente, a liberdade termina onde começa o olhar alheio de reprovação. Podemos dizer que em raros períodos da história os homens foram livres para experimentar eroticamente o seu corpo sem que a religião ou algum sistema de poder tentasse conduzi-los conforme seus interesses. Este é um assunto que sempre me fascinou, principalmente ao observar como é difícil encontrar pessoas que conseguem se expressar fisicamente com a mesma desenvoltura de uma criança que se maravilha com seus brinquedos. Outra questão que se impõe: se você for desenvolvido espiritualmente, por assim dizer, se a arte e a cultura estiverem no centro de seus interesses, o sexo será algo periférico na sua existência? Parece que esse antagonismo é mais folclore do que verdade. Terminei de ler O Animal Agonizante, de Philip Roth, um pequeno e precioso libelo contra a hipocrisia nas relações humanas. David Kepesh, o personagem central, é um velho e renomado professor, crítico de arte, um intelectual irretocável, em suma. Mas é também uma espécie de sátiro contumaz, que não consegue dar um curso sem levar para a cama uma de suas alunas. O que, num primeiro momento, poderia descambar para a velha dicotomia carne/espírito, revela-se uma profunda meditação sobre a passagem do tempo, a angústia que se precipita junto com o desejo e, acima de tudo, sobre a presença sempre sorrateira da morte. E o que fazemos para esquecer ou tentar escapar dessa realidade que assola a todos nós? Segundo David, sexo. O único momento em que conseguimos rir da morte, driblando sua força com uma força maior ainda. Se assim não fosse, por que será que tem tanta gente interessada em reprimi-lo? Não se enganem os mais liberais achando que vivemos numa época essencialmente tolerante e permissiva. A prova disso é que a observação prática desmente a maioria das pesquisas (quase todas risíveis) quando é esse o tema. O resultado, para os mais desavisados, é que habitamos um país onde se transa quase que dia sim, dia não. Melhor: dia sim, e outro também. Onde não existe desinteresse sexual entre parceiros que estão juntos há muitos anos, e a palavra infidelidade é uma evocação remota que se oculta entre as páginas de um dicionário qualquer. Que bom se assim fosse. Por certo haveria muito mais gente feliz no mundo e muito menos interessados em alcançar o poder. É irritante perceber como nos acostumamos a mentir quando somos questionados sobre nossa vida sexual. Entre amigos, nem se fala. Só existem máquinas sexuais. Falhar ninguém falha, e não há um único dia em que ir para a cama não é o prazer mais esperado. Amontoamos mentiras sobre mentiras na secreta esperança de que nos considerem o melhor entre os melhores. E que nos invejem, claro. Porque não parece existir um troféu mais desejado do que esse: o garanhão do ano. Esperem mais um pouco e as mulheres também reivindicarão seu prêmio. Sim, tudo ou quase tudo é sexo. Uma amiga costuma dizer que usamos vários disfarces, costuramos os diálogos com outros assuntos mas, no fundo, o interesse é sempre o mesmo. Alguém se espanta? Se fosse diferente, talvez não tivéssemos sobrevivido como espécie. O que há para lamentar é apenas a nossa covardia em assumir isso. É precisar esconder, muitas vezes de forma ridícula, que nem sempre estamos no topo. Que somos, sim, vítimas de necessidades que nos avassalam e que não encontram nenhuma forma de sublimação. Uns usam o casamento como disfarce e percebem a roubada em que entraram. Outros, mais audazes, experimentam tudo o que podem na esperança de encontrar a saciedade. Mas não encontram nunca, porque na maioria dos casos nem a idade é um salvo-conduto para que não nos interessemos mais por essas coisas, essas coisas de sexo. Existe o amor. Mas existe também esse animal agonizante que nos espreita o tempo todo e que só vai morrer com a nossa morte. A completude permanecerá sempre como um desejo infantil para mascarar a nossa solidão. O velho professor, já com setenta anos, dizia: "As pessoas pensam que quando se apaixonam elas se completam? A união platônica das almas? Pois eu não concordo. Eu acho que você está completo antes de se apaixonar. E o efeito do amor é fracionar você. Antes você está inteiro, depois você racha ao meio." Enquanto isso, bem próximo de cada um de nós, todos farão de conta que essa história toda não tem nada a ver com o que se passa em suas casas. Pervertidos ou infelizes são sempre os outros. Como eu gostaria de acreditar nesse conto de fadas que mais parece um conto de horror. Alguém aí pode provar o contrário?

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