Micropolítica
Uma das posturas mais cômodas que o ser humano costuma adotar é a de dizer que, individualmente, não pode fazer nada para mudar a situação que se apresenta diante dele. Isso se evidencia mais em épocas de campanha eleitoral. Por comodismo e medo de nos posicionarmos preferimos crer que atitudes isoladas não mudam o quadro geral das coisas. Talvez não seja bem assim. É claro que uma voz solitária não tem força suficiente para alterar de modo rápido e significativo um quadro onde grassa a corrupção e o oportunismo. Mas isso não deve servir de desculpa para que a ação ceda seu lugar ao acovardamento, tornando-nos criaturas indefesas frente a uma realidade que às vezes nos esmaga. Pequenos atos podem, sim, provocar mudanças no todo. Só que isso demanda paciência, certa coragem e, principalmente, uma crença inabalável na espécie humana. Mas adotamos como lema a frase "eu não posso fazer nada, eles elaboram as leis à nossa revelia." Ninguém duvida disso, só que a questão não se exaure nesta constatação. Exemplos não faltam no nosso dia-a-dia. O que desperdiçamos de água e luz, só para ficar no mais óbvio, é absurdo. Ao acreditar que o um não afeta o todo, seguimos vida afora agindo como se estivéssemos sós no mundo e que, ao fazer essas coisas, não estamos contribuindo significativamente para a degeneração do planeta. O problema é que todos pensam assim e o caos, como se vê, já parece estar instalado. Vemos a vida de uma forma muito fragmentada, como se poucas coisas nos tocassem diretamente. Comentando com um amigo a entrevista que o ex vice-presidente americano Al Gore concedeu recentemente, sobre a rarefação da camada de ozônio, sou surpreendido com esse comentário: "Ah, mas a gente só vai sentir os efeitos reais daqui a cinqüenta, sessenta anos." E, imaginando que talvez não se esteja mais vivo, que importância pode ter isso? Além do fato de que quem polui a terra e o ar são as grandes corporações e não temos nada a ver com a história. Só que temos. Pequenas atitudes podem ser determinantes para diminuir a gravidade de um fato assim. A isso se chama consciência política. Não é preciso militar em um partido para defender determinadas idéias. Porém, no suposto isolamento de nossa casa, no contato mais imediato com as pessoas que fazem parte do nosso cotidiano, podemos influenciar a forma de pensar de um considerável número de pessoas. O micro, o pequeno, o que não aparece nas estatísticas, muitas vezes acaba mudando o curso da realidade. A existência dos que consideramos como desbravadores ou heróis pode ser traduzida numa fórmula simples: acreditar em algo, muitas vezes independente do pensamento coletivo, e partir para a ação. É sempre mais fácil ficar do lado de fora, no entanto. Criticar, quase sem embasamento real, virou uma espécie de jargão moderno. Sabe-se que, desde que o primeiro homem começou a liderar um pequeno grupo, a corrupção se instalou definitivamente dentro de nós. Quem duvida que o poder é o maior afrodisíaco já inventado? Pense no que disse o político Edgar Faure: "Quando fui ministro, algumas mulheres resistiram a mim; quando me tornei primeiro-ministro da França, nenhuma." Cínico, não? Mas verdadeiro. Continuo acreditando que em determinados assuntos temos que ser radicais. Nada de meias opiniões, meios posicionamentos. Sem contar que consciência teórica não altera o curso dos fatos. Não é preciso ter os poderes de um Nero para saber até onde vai a nossa idoneidade. Podemos testá-la na relação que temos com nosso vizinho, com o cachorro da casa, até com um desconhecido. Quando conseguimos dispensar testemunhas para a prática de algo que nos torna melhores, aí sim estaremos no caminho da retidão. A verdadeira retidão moral preconizada pelos sábios. Qualquer interferência que fazemos no mundo tem caráter político. Somos tocados por tudo que acontece ao nosso redor e por tudo que fazemos. Não existe neutralidade, isenção. Então, perceber o micro, estar ciente do que pode ser alterado no âmbito domiciliar, é quase uma obrigação que temos para que a situação do planeta não entre em colapso total.
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