domingo, 24 de junho de 2012

A voz que cala



Tenho aninhado dentro de mim o silêncio, a observação, o olhar que analisa e se recolhe em si
Nas últimas páginas do romance A Trégua, o poeta uruguaio Mario Benedetti diz que certas coisas precisam ser caladas; que até aquele momento ele poderia contar a sua história, mas a partir daí seria necessário silenciar. Tenho pensado reiteradamente sobre esse ato de contenção tão ausente em nossas vidas. Estamos nos transformando em tagarelas contumazes. Tudo que acontece conosco tem que ser dividido, sob o risco de nos sentirmos sepultados dentro de nossa própria solidão. Passou a ser um grande sacrifício guardar algo somente para si. A palavra compartilhar foi elevada a um patamar como nunca antes se viu.

Qualquer profissional da área terapêutica nos dirá do poder de catarse da fala. Nem sempre conseguimos dar conta sozinhos do que faz residência em nossa alma. Expurgar uma angústia ou um medo traz uma enorme sensação de alívio. Mas também nos esvazia de um material muito rico, esse que produz a reflexão e a consequente tomada de atitudes menos comprometidas com o emocional. Reter esse tesouro sutil costuma nos dar mais vigor. Algo semelhante à água represada, que pode gerar energia. Quando ela corre solta, sua tendência é ser absorvida rapidamente pela terra e desaparecer.

Gosto da ideia de uma certa reclusão dos sentimentos. Observar o todo antes de fatiá-lo. A sensação de que algo pertence somente a nós mesmos. Até porque, sejamos sinceros, quando pedimos a opinião de algum amigo sobre o que nos atormenta, o que queremos é simplesmente a confirmação do que já está decidido dentro de nós. Aprender a suportar o peso do que nos incomoda ajuda no processo de amadurecimento. Em casos extremos, quando não conseguimos administrar o que nos corrói, ninguém pode negar o valor de um ombro para aliviar a dor. Mas nem sempre, nem sempre.

Tenho feito algumas experiências nesse sentido. Percebo que quanto mais pratico a contenção, quanto mais dialogo comigo mesmo, com mais acerto consigo resolver os problemas que me afligem. E o mesmo vale para os estados de euforia. Ao contrário do que se pode pensar, isso não é egoísmo. Tendemos a nos tornar mais saudáveis, prontos para enfrentar com coragem as adversidades. Tento aninhar dentro de mim o silêncio, a observação, o olhar que analisa e se recolhe em si. Assim, os encontros acontecem de forma mais verdadeira, e eventualmente poderemos nos valer dessa muleta que usamos para expurgar as angústias.

Uma analogia pode ser usada para ilustrar esse argumento. As árvores que vivem em meio aos bosques recebem menos luz do sol e têm um tronco pouco encorpado. São mais frágeis do que aquelas que crescem em campo aberto, sendo açoitadas pela chuva, pelo calor e pelas geadas. Estas se tornam mais vigorosas porque se abastecem de todos os tipos de nutrientes e enfrentam as intempéries. Lembre das vezes em que você saiu correndo pela rua em busca de um confessionário. Lembre, também, das vezes em que você fechou as portas e as janelas e soube esperar a lenta fermentação do amor, do ódio ou mesmo da indiferença. Analise o resultado.

Gosto de acreditar que a capacidade de oferecer uma trégua, esquecendo um pouco a nossa incontinência verbal, nos torna seres humanos mais aptos a sobreviver sem tantos amparos alheios. O mundo virtual nos ensinou a abrir janelas e mais janelas. Alguns cômodos dentro de nós ficaram mais iluminados, mais arejados. O ruim dessa história é que ficamos viciados numa falsa realidade. Ser analógico passou a ser tedioso. Sem adrenalina, como haveremos de seguir em frente?

Que venha o outro e nos habite, mas reservemos a ele apenas um quarto, não a casa inteira. Está no centro de todas as religiões a reverência aos exercícios de contrição, de meditação, pois um homem só é um homem quando fortalecido por esse fogo interior. Devagar, com alguns intervalos, comece a apagar a voz. Você encontrará ouro, mirra e incenso. Fertilize o seu jardim.

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