domingo, 13 de dezembro de 2009

35 E MEIO

35 E MEIO

Tenho uma amiga que passa por dificuldades homéricas toda vez que vai comprar um sapato. Ela calça 35 e meio. É quase impossível sentir-se confortável usando 35 ou 36. Ou fica muito folgado ou aperta demais. Resultado: ela vai se adaptando como pode a essa peculiaridade anatômica. Deixa de lado a vaidade em troca do necessário conforto para conseguir andar sem formar bolhas nos pés ou tropeçar nas próprias pernas.

Você não acha que algumas pessoas passam a vida calçando 35 e meio? São tão rígidas com elas mesmas e com os outros que não admitem a possibilidade de fazer pequenos ajustes para conviver melhor com seus semelhantes. A severidade é tanta que nem sonham em elaborar um outro roteiro para suas relações. Difícil conviver com elas! Quase nunca cedem e acabam fazendo com que nós também nos restrinjamos a essa perspectiva de ver tudo sob a ótica de meros centímetros. Ou milímetros, às vezes. Obviamente perdem o melhor da festa, porque quem não se permite relaxar acaba vivendo dentro de uma camisa de força emocional.

Raramente essas criaturas improvisam algo. A ousadia não faz parte de seus planos. Repetição é a palavra mágica, porque com essa forma de agir conseguem acreditar na maior de suas fantasias: a de que controlam tudo. É no inusitado que mora o perigo, acreditam. Para que arriscar algo, se está bom assim, tudo morno, previsível, confortável? Não importa se há ou não testemunhas para seus atos. A cobrança maior é em relação a elas mesmas. Devem sofrer horrores, sempre se penitenciando por uma palavra dita num contexto errado, por cinco minutos que chegaram atrasadas a um encontro, por aquele doce que não deveriam ter comido.

Sinto medo de me aproximar de quem professa a religião da inflexibilidade. Dos que não se permitem amanhecer numa cama desconhecida, experimentar novos sabores, apanhar chuva depois do trabalho, dizer bobagens. Acaba-se perdendo um dos mais preciosos bens, que é a capacidade de aceitar o diferente, a liberdade de mudar de opinião, deixando que tudo se transforme em algo cinza, sem surpresas. Mas seguro, sempre seguro. É só por esse caminho que sabem andar.

Como costumam ser bem ajustadas aos padrões que convencionamos chamar de normais, parece que sempre está tudo bem com elas. Mas não tenho dúvidas de que se torturam dia e noite, de que não aceitam nunca a ideia da falibilidade. Ou eles fazem e têm o melhor, ou nada. Só que tudo o que vibra, vive e pulsa acontece no campo da desordem, da especulação e da possibilidade. Quem não arrisca está condenado à perfeição e não há nada mais cansativo do que ela. Vale lembrar que só na morte não há mais risco nem erro.

Cobrar menos de si mesmo e dos outros, sabendo ajustar-se às circunstâncias – eis aí um bom modo de se levar a vida. Quando, por exemplo, você for pendurar um quadro na parede, erre acidentalmente o ponto marcado. E não o cubra com massa corrida ou tinta. Deixe-o lá como um aviso para lhe mostrar que é importante se divertir com sua própria falta de habilidade para algumas coisas. É disso que nasce o relaxamento e a tentativa feliz de usar sapatos de outra numeração, além do 35 e meio.

Saber adaptar-se, eis o segredo.

domingo, 22 de novembro de 2009

DIGA-ME COM QUEM ANDAS


Não há neutralidade na vida. O encontro mais fortuito pode determinar uma mudança radical em nossa forma de ver e pensar o mundo. Os amigos que escolhemos, nossos amores e mesmo aquele breve contato com desconhecidos vão moldando nossa maneira de ser. Portanto, há que se ter cuidado ao tecer a teia de relacionamentos com a qual vamos nos construindo como seres humanos.

Pessoas melancólicas que se aproximam acabam reforçando essa visão da realidade. Que poderia ser só uma referência, algo cambiante e que acaba mudando ao sabor das circunstâncias. A cada dia somos apresentados a desafios que exigem de nós não apenas coragem, mas sobretudo um olhar claro sobre as decisões que precisamos tomar. A resposta será fortemente influenciada por aqueles que atravessaram o nosso caminho. Sempre. O que somos resulta do que sentimos. É uma prisão, mas pode ser provisória e depende bastante de atenuarmos o que fica comprometido pela presença do outro.

Pessoas felizes, igualmente, procuram reforçar o modo como fazem sua leitura da existência. É o velho jogo de espelhos, só que muitas vezes acabamos confundindo o real com a imagem refletida. E, um belo dia, quase sem perceber, estamos agindo exatamente igual ao vizinho ranzinza que só vê o lado negativo de tudo ou, ao contrário, ao colega que parece ter acoplado nele um pequeno motor que gera alegria. Como a maioria de nós oscila ora para um lado, ora para outro, não custa nada prestar mais atenção àqueles que, em última instância, também são responsáveis por aquilo em que nos transformamos.

Como não nos é dada a possibilidade de viver mais do que uma vida, fica difícil saber o que poderíamos ter sido. “Eu sou assim, fazer o quê?”, dizemos para nós mesmos, e essa sentença determinista acaba encerrando um orgulho de vencedor. Mas o fato é que muitas coisas podem ser alteradas. Seja aos cinco ou aos 80 anos. E isso costuma acontecer à revelia de nossa vontade e mesmo do nosso lado racional. O molde começa a ser trabalhado cedo. Erramos ao só olhar para ele depois que já está seco.

Não tenho dúvida: eu seria outro, completamente outro, se não tivesse sido influenciado pela maneira de ver e sentir de todos com os quais convivo. Eles são responsáveis pela minha história pessoal. Mais do que isso: minhas noções éticas, morais, afetivas e mesmo religiosas provêm desse entrelaçamento de ideias que ocorre o tempo todo. Eu não sou, eu resulto. Em outras palavras, o velho ditado “diga-me com quem andas e eu te direi quem és” não é apenas uma simplificação. Ele traduz uma verdade inexorável: acabamos nos parecendo sempre com aqueles que estão próximos de nós. Como Zelig, o famoso personagem criado por Woody Allen, adquirimos muitas características alheias e formamos uma bricolagem que define nossa identidade.

A pluralidade de relacionamentos nos enriquece e possibilita uma perspectiva mais ampla sobre tudo o que praticamos. É bom evitar a armadilha de só procurar os iguais.

Criamos dependência, precisamos dos outros. A nossa responsabilidade é apenas parcial quando nos entregamos às derrotas ou reagimos positivamente às alegrias. Todos respondem pelo que somos ou deixamos de ser. Ninguém passa impunemente por esse contágio emocional.

sábado, 14 de novembro de 2009

CADÊ O MISTÉRIO?


Eu gosto de conhecer coisas novas. Mas não tudo, não sempre. Estou mais interessado nessa área feita de sombras que costuma tornar as pessoas interessantes. Espantos menores, espantos miúdos. Não a desagradável confirmação de que aquele seu amigo que tem um senso de humor incrível também consegue ser mesquinho a ponto de você repensar se vale a pena manter essa relação. Mas mesmo em se tratando de coisas agradáveis, quando tudo se revela, que graça tem? Saber do verso e do anverso e um pouco mais, para quê? Precisamos aceitar que sempre haverá algo a ser investigado, e que só assim o encanto permanecerá. Nem é necessário falar que quando o assunto é casamento, namoro, casais, essas coisas, torna-se imprescindível jogar alguns véus sobre o dia-a-dia para que o tédio ou o desinteresse total não tomem conta de tudo.

Estamos vivendo em plena luz do dia, com o sol ardendo em nossos olhos. Eu prefiro manter alguns pontos obscuros, áreas ignoradas, uma curiosidade intocada. Preservar um sentimento, um objeto, uma relação, pode ser uma garantia de que não estamos interessados em invadir, em desarrumar as prateleiras em busca de revelações contundentes, abissais.

Uma frase que costumamos ouvir: “ele não me engana mais, eu o conheço como a palma da minha mão”. Divertido, não? Como se a alguém fosse dado o poder e a capacidade de desvendar quem é o outro. É melhor ser um Lego desmontável ou uma caixa de Pandora, que ninguém sabe o que sairá de dentro? Eu me distraio mais acionando a imaginação do que tendo na mão uma chave que abre todos os compartimentos. Até porque, quem de nós não guarda algum segredo, alguma inofensiva tara, dessas que não prejudicam ninguém? Deixar as portas escancaradas é tornar-se vulnerável, é dar de presente o nosso código ultra-secreto.

Traduzir sim, mas bem mais para si mesmo do que para os outros, que trabalho não há de nos faltar. Que a lanterna incida sobre nós, como um farol que perscruta um oceano sem fim. Como poderemos saber as razões que movem o comportamento alheio? Melhor mesmo é contentar-se com algumas suposições, não com o bater definitivo do martelo.

É difícil colocar um freio na nossa curiosidade. O enredo que ainda não conhecemos sempre nos parece mais original. Não nos damos conta de que, muitas vezes, suspeitar de algo é mais sedutor do que ter certezas. Porque assim deixamos que os devaneios cumpram o seu papel – o de alargar o estreito campo onde se desenvolvem as percepções mais corriqueiras. Que geram a ordem, ninguém duvida, mas que também são responsáveis pela apatia que se instaura em tantos relacionamentos.

“Toda lucidez pede penumbra”, disse o escritor e crítico Daniel Piza. Ter a capacidade de ver muito ou de ver tudo pode se transformar numa espécie de neurose, de compulsão. Prefiro continuar me aproximando devagar, tocando somente com a ponta dos dedos. É mais ou menos isso que as crianças costumam fazer: ficam paradas, observando, antes de dar o primeiro passo.

Enquanto escrevo, a claridade dessa tarde de primavera cede lugar para a noite que se aproxima solertemente. Não quero acender todas as luzes. Habito essa desejada escuridão, depondo as armas. A pressa, o frenesi, ainda latejam depois de tantos compromissos. Descanso na sombra, como um náufrago que encontrou uma boia em alto mar.

sábado, 7 de novembro de 2009

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SÍNDROME DA ACESSIBILIDADE

SÍNDROME DA ACESSIBILIDADE

Tenho me esforçado para aceitar com mais tolerância as inovações que o mercado despeja na nossa cara a cada dia. Mas não é fácil. O que era novidade ontem é visto hoje como item de museu. Luta inglória essa, a de ficar resmungando contra o novo, mesmo que em voz baixa. Penso nas inúmeras dificuldades que a vida cotidiana deveria apresentar há 100, 200 anos e me conformo. Vou seguindo o ritmo das coisas, mas sempre com um olho crítico de prontidão, que não me agradam as manadas, os currais.

Porém, há algo que me incomoda particularmente nessa história e que um amigo chamou certeiramente de síndrome da acessibilidade. É preciso que tudo esteja disponível o tempo todo, de preferência no menor espaço físico possível. Vamos colocar o mundo dentro de uma área de poucos centímetros quadrados. Se a internet não funciona, é o caos total. Se em determinado local não conseguimos obter sinal em nosso celular, é o caso de deixar as pessoas esperando, ir até a rua em busca de conexão e ver se há alguma mensagem, se alguém ligou. Até alguns anos atrás, esperar uma semana ou dez dias por uma carta era a coisa mais natural. Aliás, era poético, deixava em nossa alma uma expectativa, um silêncio de suspensão. Agora não, tudo é contado em minutos. Ligaram, tem que retornar. Recebeu uma mensagem, pare tudo o que estiver fazendo e corra para responder, pois deve ter alguém do lado de lá aguardando desesperadamente por sua resposta.

Agimos como se a existência se organizasse e dependesse de uma ínfima fatia de tempo. Um grande ensinamento que colho sempre que estou em minha chácara é aprender a respeitar o ritmo das coisas. Na natureza nada pode ser forçado. Aliás, pode, mas sempre com resultados desastrosos. Tudo flui como deve fluir, fazendo eco à famosa sentença: não apresse o rio. Por pensar assim, devo seguidamente passar a imagem de uma pessoa mal-educada. Sempre que possível retorno logo as ligações perdidas, mas não necessariamente trinta segundos depois. Idem para os e-mails recebidos. Não creio que a ordem universal sofrerá um abalo significativo com isso.

Ter tudo ao mesmo tempo, sempre. É uma divisa de nossa época que acaba deixando em nós um gosto de saudade. Pelo menos em mim. Que alegria esconder-se vez que outra, deixando que apenas suspeitem o que estamos fazendo. Não quero estar conectado dia e noite, ininterruptamente. Morro de pena desses todos que andam por aí, acessados continuamente na rede, sem descanso. Apesar disso, creio que a inteligência não precisa excluir nada do que a tecnologia pode oferecer. O melhor exemplo se encontra na medicina. Não está nos meus desejos secretos ter a barriga aberta a seco e muito menos um dente arrancado com boticão. Viva o laser, a anestesia e toda a parafernália que ajuda a diminuir a dor. Mas, por favor, vamos com menos sede ao pote.

Deveríamos, ao menos uma vez por ano, fazer uma terapia de choque: uma semana de convivência apenas com nós mesmos e com as pessoas que queremos bem, longe de jornais, internet, celulares. Desligar-se, percebendo outras formas de relacionamento. Aprecio as novidades, mas não os excessos. Sempre os achei perigosos.

Quero pertencer à turma dos modernos, mas não pretendo rivalizar com Deus.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

TRAUMA

TRAUMA

Quem nunca teve um trauma na vida ou não passou por situações de conflito tende a se tornar imaturo e com poucas chances de desenvolver um senso mínimo de realidade. Psicologia básica, mas é bom pensar sobre isso na hora de analisar os efeitos que essa ausência de tempestades tem sobre as pessoas. O exemplo mais contundente que posso dar é o de um amigo que conheci na época em que cursava Filosofia. Criatura dada a generosidades incalculáveis, era totalmente incapaz de fazer uma avaliação correta do que estava acontecendo debaixo do seu nariz. Aprontavam horrores com ele e nada. Continuava vendo tudo e todos com a confortável máscara da bondade. Comovente, se você tem vocação para masoquista ou sente prazer em ser ludibriado. Não era o caso. Via-se o quanto sofria, mas não tinha nenhum arsenal interno que pudesse acessar quando precisava de ajuda. Não era uma palavra que raramente usava. Nem os inúmeros psiquiatras que consultou davam conta do caso.

Na medida em que o conheci mais intimamente, descobri que fora protegido desde criança de toda espécie de perigo. E, pior, muito pior, sempre teve um séquito de empregados para fazer tudo por ele. Na verdade, ainda é assim. Nunca precisou solucionar problemas práticos, nem se preocupar com a própria sobrevivência. Uma polpuda mesada do pai sempre lhe garantiu ter alguém por perto para resolver qualquer situação de desconforto ou necessidade. Desde trocar o pneu do carro até comprar uma casa na praia. Faltou trauma, com certeza. Hoje, à parte ser um homem de grande cultura e um amigo de fidelidade canina, parece que vive em outro planeta. E, claro, sempre acaba se ligando a mulheres oportunistas, em termos afetivos e financeiros. E quanto mais decepções sofre, mais é incapaz de avaliar o que está acontecendo. Cegueira total. Temo o dia em que venha a ser vítima de alguma agressão física e acabe encontrando as justificativas mais absurdas para o ato.

Estou fazendo a apologia do sofrimento? Acho que não, mas tenho a convicção de que algumas frustrações são fundamentais para criarmos mecanismos que nos protejam. Se a vida não é para amadores, é bom aprender a usar certas armas, se necessário. Meu desvalido amigo preenche as horas se lamentando, sem ter a menor ideia do que se passa e repetindo às raias da demência o mesmo comportamento. Todos são bons, todos querem o melhor para ele. Parece um Cândido moderno, o famoso personagem de Voltaire que acreditava viver no mais perfeito dos mundos, mesmo quando tudo estava desmoronando.

Uma boa receita continua sendo o choque, a perda da inocência. Não dá para fazer de conta que nosso planeta é habitado por anjinhos cor de rosa. Somos uma raça fascinada pelo poder e que não está muito preocupada em fazer ponderações éticas na hora de conseguir o que deseja. Não, isso aqui não é o inferno, mas não custa aprender algumas técnicas de sobrevivência. Por exemplo, substituir a ingenuidade pela lucidez. Para sofrer menos, lá no final. A história mostra que grandes seres humanos passaram por inúmeras dificuldades ao longo de sua existência. Sobreviveram a tudo, deixando um patrimônio de conhecimento e sabedoria.

Ser privado de algumas coisas é o melhor remédio para chegar com saúde física e mental à idade adulta.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ALGUÉM FAZ MELHOR

ALGUÉM FAZ MELHOR

Meu vizinho fabrica móveis. Eu não consigo serrar uma tábua. Beatriz pinta quadros magníficos. Eu nunca peguei um pincel na mão. Conheço um garoto de seis anos que é um ás no computador. Eu sei o básico do básico. E quantos escrevem muito melhor do que eu. Faço algumas coisas bem, outras mais ou menos e sobre a maioria não tenho a menor ideia. Mas tem muita gente que esbanja talento por aí. Então, adeus arrogância, adeus pretensão de achar que sem a minha presença o mundo se tornaria um caos. Cada um se vira como pode, mas não custa nada dar uma olhada para o lado e ver o que acontece um pouco além da cerca do nosso gramado.

Um exemplo clássico é quando somos demitidos de um emprego. Nossa vingança pessoal é pensar: tudo bem, eu quero ver como eles vão se virar sem mim... Se esse negócio anda é porque eu faço isso, mais isso e mais aquilo. Uma semana depois você volta ao local de trabalho e leva um susto. Não só as coisas continuam funcionando como, às vezes, até melhor do que antes. Portanto, não nos sintamos como deuses perdidos em meio a uma multidão de ignorantes apenas porque aprendemos alguns truques básicos de sobrevivência.

Até pouco tempo atrás eu pensava que a humildade era um atributo dos fracos. Pessoas normais, pessoas que queriam vencer, tinham que esquecer isso. Mas estou virando a bússola – meu norte agora é outro. O ponto principal me parece ser esse: posso ser muito bom no que faço, mas nada me assegura que as aptidões que escolhi ou consegui desenvolver são superiores às de quem, por exemplo, resolveu se especializar em eletricidade. Ou em engenharia espacial, gastronomia, sei lá. Não daria muito certo se todos ficassem só escrevendo. Existe uma engrenagem complexa que costumamos ignorar, sem a qual estaríamos parados, perdidos, olhando o cortejo passar.

Ao sairmos da torre do nosso castelo particular conseguimos perceber que, mesmo quando algo nos parece imperfeito, quando um trabalho está mal feito, provavelmente foi o máximo que aquela pessoa pôde dar naquele momento. É bom lembrar disso antes de colocar o dedo em riste para apontar os defeitos alheios. Vale para a comida que sua mãe faz, para o último filme que você viu ou aquela crítica da qual discordou. Quando solicitam a nossa opinião, crescemos uns dez centímetros e dizemos: “Veja bem, se fosse comigo...”. Quem nos garante que também não iríamos desapontar alguém? Somos tão propensos a ver somente a nós mesmos que fica difícil compreender em escala diferente da que nos ensinaram.

O melhor dos outros pode provocar em mim o desejo de imitação positiva. É o fiat lux, o “meu Deus, por que é que eu não pensei nisso antes?” Para que tanta severidade? Que importância tem tudo isso diante da morte, só para lembrar o óbvio? Reconhecer o que está acontecendo de bom ao nosso lado é uma maneira de forçar nossa consciência a perceber outros padrões, outras alternativas.

Somos apenas um ponto de referência, não a matriz de onde devem sair todas as cópias.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

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ONDE É A FESTA?

ONDE É A FESTA?

Um dos temas mais recorrentes dentro do universo da psicologia é a incapacidade de avaliar corretamente o que há de bom em nossa vida. A festa sempre parece estar acontecendo na casa ao lado. Não importa o quão felizes ou serenos estejamos, precisamos espiar o que se passa com o vizinho, os amigos e as pessoas públicas que admiramos. E a constatação será invariavelmente a mesma: eu estaria bem melhor se tivesse um pouco mais de dinheiro, se minha namorada fosse loira, se eu pudesse passar um ano no Exterior. Mas a gente sabe, instintivamente, que conta bancária, cor de cabelo ou a quantidade de vezes que viajamos não têm nada a ver com estar bem consigo mesmo.

Poderíamos dar o nome de inveja a essa estranha doença que nos incapacita para avaliar corretamente o que deve ser considerado como um ganho extraordinário. Mas acho que a questão não é tão simples assim. Somos míopes para perceber o que se sagra no ordinário, como se com os outros tudo acontecesse de forma mais esplendorosa, menos banal. Não conseguimos colher as oferendas que se apresentam disfarçadas de algo comum e que são, no mais, a quase totalidade do que experimentamos cotidianamente. Mas há que se perceber aqui o valor maior daquilo que, sonolentamente, chamamos de rotina. Dentro de uma repetição que quase sempre nos causa tédio, é possível pinçar um sem número de situações que pertencem à ordem da mais pura alegria. A vivência plena do afeto é capaz de gerar um alto padrão de relacionamento. É possível, sim, admirar alguém depois de 30 anos de convivência. Basta deixar alguns espaços para expandir nossa percepção do mundo, introduzindo nesse universo doméstico a presença de outras pessoas. Porque, afinal, ninguém é tão interessante a ponto de suprir o outro em sua totalidade.

Quantas reservas devemos ter para nos sentir financeiramente seguros? Haverá um limite? Não creio, a se levar em conta a eterna insegurança que sentimos. O objetivo pode ser 500, mil, mas facilmente se transformará em milhões. Um rosto e um corpo bonitos nos protegem de dissabores e tristezas? Ajudam, com certeza, dizer que não seria ingenuidade ou despeito. Mas não é um valor em si. Pratique uma matemática simples e você terá a resposta. Passamos mais tempo seduzindo ou conversando com quem está a nosso lado? Sentimos fascínio pelo que não conseguimos ser ou ter, eis uma verdade consumada. Essa fratura na alma acontece toda vez que deixamos de ver que a falta não é necessariamente uma tragédia.

Ver melhor, essa tem sido a grande tarefa que me imponho todas as manhãs, assim que acordo. Para tanto, busco ajuda na arte, nas pessoas com quem convivo, esforçando-me para estar verdadeiramente presente em cada situação. Somado a isso, permanece em mim a esperança de que o tempo pode ser um grande aliado. Vou bebendo de todas as fontes, no desejo incessante de reconhecer a alteridade. Há a dor, o desconforto e a insatisfação. Mas há também, e sobretudo, a possibilidade de se reconstruir a partir do mesmo gesto, da mesma presença amorosa, do contentamento que se esconde nas dobras de cada dia.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

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Amizade

Amizade

Muitas pessoas irão entrar e sair da sua vida
mas somente verdadeiros amigos deixarão pegadas no seu
coração.

Para lidar consigo mesmo, use a cabeça,
para lidar como os outros, use o coração,
raiva é a única palavra de perigo.

Se alguém te traiu uma vez, a culpa é dele;
Se alguém te trai duas vezes, a culpa é sua.

Quem perde dinheiro, perde muito,
Quem perde um amigo, perde mais.
Quem perde a fé, perde tudo.

Jovens bonitos são acidentes da natureza:
Velhos bonitos são obras de arte.

Aprenda também com o erro dos outros,
você não vive tempo suficiente para cometer
todos os erros.

Amigos você e eu...
Você trouxe outro amigo...
Agora somos três...
Nós começamos um grupo...

Nosso círculo de amigos...
E como um círculo,
não tem começo nem fim...

Ontem é história:
Amanhã é mistério,
Hoje uma dádiva,

É por isso que é chamado presente...
Te desejo um final de semana abençoado

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Só pode ser amor

Só pode ser amor

Não sei onde estava e do que me possuíra quando escrevi a coluna abaixo.

É tão inacreditável, que chego a pensar que não fui eu que a escrevi. Como posso ter chegado a tão grande altura? Ei-la, deixem eu me exibir:

Eu já devia ter pressentido que era amor quando curtia magnífico prazer somente em olhá-la de longe. Eu já devia saber que era amor quando vibrava com seus êxitos e me entristecia com seus embaraços. Eu tinha que ter percebido que era amor quando me sentia invulnerável à solidão se me aproximasse dela a um raio de 20 metros. Só podia ser amor aquele estremecimento que me percorria todo o corpo quando ouvia sua voz se dirigindo para os outros. E quando, num ambiente repleto de pessoas, eu passava a não distinguir as feições de todos, vendo-os apenas como vultos expletivos, realçando-se como esplendorosamente icônica sua figura arrebatadora, já naquele tempo eu não devia ter duvidado de que era amor.

***

Já era fortemente suspeito que durante as minhas tristezas elas desaparecessem como por um milagre se eu usasse como antídoto a simples lembrança do seu meigo sorriso. E que, quando diante da visão dela por apenas um segundo, durante o resto do dia os meus passos e gestos se impregnassem de alegre coragem de viver. Ou como naquele dia em que topei abruptamente com ela no estacionamento e fiquei tão ruborizado, que parecia estar focado pelo facho de luz emanado da palavra de um profeta.

***

Não podia ser outra coisa aquela constante palpitação, aquela ruidosa esperança, aquele contentamento ansioso nas manhãs e o meu pulsante e taquicárdico coração vibrando ante a obsequiosa visão de sua esplendente silhueta vespertina.

Só podia ser amor a minha alma assim tão cheia de cuidados para preservar o meu segredo, o medo de que minha palavra ou o meu escrito, num escorregão, violassem o esplêndido sigilo do sentimento abrasador que me dominava.

***

Só podia ser amor que, depois de ela ter surgido luminosa na escarpa da caverna da minha solidão, eu deixasse de me entregar ao exercício fastidioso da comparação. Ninguém ou nada mais se equivalia ou se assemelhava a ela, mãe, irmã, parceira, namorada, companheira. Cheguei loucamente a pensar que a única cidadela capaz de manter íntegro aquele meu frágil amor inconfessável era mantê-lo em segredo, imune ao conhecimento dos outros e até mesmo incrivelmente dela.

Dar a conhecê-lo arrastaria ao tremendo risco de fazê-lo soçobrar ali adiante, presa fácil do fastio da convivência ou de uma resposta contundentemente adversa.

***

Ah, silencioso amor cheio de delícias e ilusões. Precavido amor que não se declara com medo da quebra do cristal. Ah, amor que quanto mais distante mais crescente, quanto mais errante mais certeiro, quanto mais secreto mais ditoso, quanto mais expectante mais real, quanto menos empírico mais ideal, quanto menos dela mais meu, quanto mais irrealizado mais duradouro, quanto mais prometido mais honrado. Quanto menos compartilhado, mais definitivo. Amor por eleição, tão alto, tão profundo, tão desinteressado, que não importa sequer o que faça dele e do seu mandato a sua eleita.

Nem que o malbarate por não pressenti-lo.

Paulo santana-Zero hora