terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Bronzeados, magros e quase felizes

Bronzeados, magros e quase felizes
A cidade está linda. Decotes profundíssimos desfilam pelas ruas. Pernas longilíneas competem entre si. E músculos, muitos músculos rasgando camisetas sempre um número menor do que recomendam os fazedores de moda. Corpos que se mostram para uma estação de sol do Saara. A pele, bronzeada, variando apenas em gradações, é o sinal inequívoco de que não existe mercadoria mais valiosa que o corpo. Perfeito. Ninguém, em sã consciência, não sente os hormônios entrarem em ebulição por esses dias. Estamos todos mais disponíveis, mais atentos às possibilidades que se apresentam. O único problema parece ser a exclusão que sofrem todos aqueles que não acreditam piamente que a felicidade se resume em intensificar a melanina, reduzir as gorduras a quase zero e ensaiar um olhar bem blasè diante da primeira tentativa de sedução. Vivemos dias em que a liberdade, obtida arduamente, se tornou o maior prêmio, uma conquista que nos enche de orgulho. Só que liberdade, assim como a entendo, é sempre fruto de uma escolha individual, que não obedece a nenhuma padronização. E o que se tem visto por aí é exatamente o contrário: todos se sentem livres na medida em que se parecem com seus pares. Quanto mais uniformes for possível usar, melhor. E isso se evidencia muito no verão, pois é preciso seguir todas as tendências, desfilar padrões que nem sempre se adaptam à totalidade e à variedade dos biotipos humanos. Chegamos muito próximos do ridículo, diversas vezes, só por não ter a coragem de impor aos outros nosso jeito de ser, um comportamento que não compactue com o que está na moda. Afinal, nem todo mundo gosta de praia e um tom mais alvo também pode sugerir sensualidade. E, convenhamos, dá pra ser feliz tendo mais do que quarenta e poucos quilos. Penso nisso tendo a clara consciência de que sou um hedonista, que aprecia sobremodo um corpo bonito, bem definido. O que me causa desconforto é ver tanta gente por aí sofrendo, achando que a vida não vale mais a pena só porque está fora dos padrões considerados normais. E quando eu digo sofrimento, não estou exagerando. Tenho uma amiga que se recusa a ir a qualquer festa só porque engordou cinco quilos. E não há argumento que a convença de que ela continua linda e, no mínimo, bem diferente dessas anoréxicas que desfilam por aí seus ossos. Sejamos magros e bronzeados, mas sem esquecer que nem todo mundo está disposto a passar por verdadeiras sessões de tortura para chegar ao ideal sonhado. Sem contar que muitas vezes é nossa saúde quem mais sofre com todo esse desequilíbrio, pois não há nada pior do que se privar dos prazeres mais elementares, sempre com uma fita métrica na mão. Quando entramos no campo da cirurgia plástica, nem se fala. Se, ao se olhar no espelho, algo estiver incomodando muito, não hesite: vá correndo a um cirurgião. Ele poderá devolver sua auto-estima. Mas, cuidado, nem sempre você ficará muito diferente da boneca Barbie. Três ou quatro cabeças masculinas (as femininas o farão por inveja) se virarão quando passarem por você. Nada mais. Donde se conclui que a sensação de bem-estar que algumas vezes sentimos não está necessariamente atrelada à proporção dos seios ou dos glúteos. O perigo de pender só para um lado é que acabamos nos viciando justamente naquilo que mais nos faz mal. E sempre com um sorriso aparvalhado no rosto, como que a dizer que encontramos a fórmula da alegria perpétua. Existem maneiras bem mais interessantes de conquistar um homem ou uma mulher. Imagine o espanto que se pode causar ao citar um livro ou um filme. Você surpreenderá, na certa. Só não vale os que estão na lista dos mais vendidos ou assistidos. Mas isso demanda disciplina interna, perseverança e, às vezes, a constatação de que nem sempre é fácil ou necessário ser o centro das atenções. Claro, que mulher não gosta de constatar que, à sua simples passagem, a construção da casa do seu vizinho sofrerá um considerável atraso, diante da paralisação de quase todos os funcionários, que estarão com os olhos colados nela? Sem esquecer as palavras de baixo calão que muitas fingem se horrorizar ao ouvir. Delícias às quais não é preciso se furtar, desde que se saiba que tudo isso é periférico, um mero entretenimento para dar mais sabor à existência. Por mim, viveríamos num eterno janeiro e fevereiro. Como é bom fechar atrás de nós a porta de casa e sair por aí, flanando, namorando com os olhos o despudor que se anuncia já nas primeiras horas da manhã. Porém, cuidado, muito cuidado. Quando aceitamos tudo como verdade inquestionável é porque dentro de nós já não há mais nenhum senso crítico, nenhuma vertente analítica. Magros, gordos, branquelos, morenos, altos ou baixos. Cada um a seu modo procura ser reconhecido, num tempo em que nos dizem que é preciso refazer tudo para ter alguma chance afetiva ou profissional. Não ceder a esse primeiro chamamento já é um sinal de que nem tudo está perdido. Sem falar que é muito interessante variar o cardápio. Afinal, photoshop só vale para página de revista ou jornal. A realidade é sempre mais imperfeita. E muito mais interessante.

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