segunda-feira, 10 de junho de 2013

O CORPO manda


  • O poder de manipulação que alguém tem em suas mãos quando é destinatário da libido alheia é quase inesgotável

    Você acredita que só amamos com a mente, a alma, et cetera e tal, num manancial sem fim de emoções? Eu também atravessei a vida apostando nisso. Ultimamente estou revendo este conceito. Darei um exemplo concreto para ilustrar os argumentos que seguirão texto afora. Conheço um casal que está junto há mais de 12 anos. Brigam o tempo todo, gato e rato que arrepiam o pelo na presença um do outro. A mais recente cena que presenciei foi tragicômica. Estavam numa quitanda comprando frutas. Ele queria peras bem verdes e ela, bem maduras. Simples: comprem algumas em cada estado de maturação. Mas, imagine, por que desperdiçar uma valiosa chance de discutir? E foi o que fizeram. Em público e sem mostrar constrangimento. Por um triz não partiram para a agressão física. E sabe como se referiam um ao outro? “Mas, amor...” Vá lá entender a mecânica que une os casais.

    Não fiquei satisfeito com esse testemunho de esquizofrenia afetiva. Logo depois tive a oportunidade de conversar com eles, separadamente. E ambos foram categóricos na resposta ao que os levava a permanecer junto, entre tapas e beijos: na cama é uma maravilha. Pois é, muitas vezes nos rendemos aos apelos do corpo. Disseram que a separação foi aventada em várias conversas, mas que, diante da ideia de não fazerem mais sexo, preferiam tudo tolerar. Não vai aqui nenhuma crítica a esses amigos que vão levando a vida com um arranjo muito particular. O que me chamou a atenção, inclusive depois de confirmar a repetição desse tipo de comportamento, é que duas pessoas com fortes laços sexuais acabam aceitando o impensável nas situações em que não é só o coração quem dita o roteiro amoroso.

    Soterrados debaixo de montanhas de preconceitos quando o assunto é a carne e seus desejos (vide os preceitos católicos e seus congêneres), acreditamos piamente que a fisiologia não tem tanto peso na manutenção dos casamentos. Não há maior engano. E o poder de manipulação que alguém tem em suas mãos quando é o destinatário da libido alheia é quase inesgotável. Beleza e atração física contam, sim, não só na escolha de nossos parceiros, mas também como uma espécie de bônus adicional quando a rotina e o tédio dizem olá.

    É o tal do capital erótico, expressão em voga nesses tempos de hedonismo explícito. Não precisamos chegar a extremos, mas fechar os olhos diante de uma realidade óbvia é ingenuidade. Eu, você e grande parte da humanidade já fomos “vítimas” desse tipo de situação. Por que será que os mais bonzinhos são preteridos pelos que têm pegada boa? Machos e fêmeas agem igual. Uma explicação simplificada poderia nos remeter a inescapável teoria da perpetuação da espécie. Mas deve existir algo, além disso.

    Com essa nossa mania de entronizar o amor num altar esquecemos o peso da atração, o fato de que somos animais pensantes, com ênfase na palavra “animais”. Confirme apenas para si mesmo, mas é bem provável que você também já tenha passado por uma situação como a descrita acima. E nem tente invocar a razão, a lucidez e a preservação da própria dignidade. Tudo desaparece quando o prazer toma as rédeas. No meu ponto de vista, isso não é bom nem ruim. Basta perder a crença de que só amamos espiritualmente, como os anjos devem fazer entre si. Não há só enlevo e suspiros poéticos no encontro de dois seres.

    E o outro lado da moeda também é verdadeiro. Mesmo quando vamos para a cama sem conhecer absolutamente nada do outro, nunca será exclusivamente sexual. As coisas se misturam dentro da nossa cabeça. Vale para meninos e meninas. A velha dicotomia cartesiana que separa a fisiologia do mundo abstrato das sensações já foi largamente superada. Portanto, comecemos desde já a reavaliar o que está na base de nossos relacionamentos. O mais importante, acredito, é ser honesto e reconhecer a importância do desejo. Biologia é destino, sim. Leia alguns tratados escritos pelos filósofos gregos e você descobrirá o peso que eles deram ao amor físico.

    Por enquanto somos apenas isso: um emaranhado de células, fibras e nervos capazes de gerar uma crença no sublime. Depois... bem, depois talvez ouçamos sininhos e harpas ao reconhecer nossa alma gêmea. Por ora, não desperdice a oportunidade de vislumbrar o céu usufruindo um corpo que lhe dá tesão. Ou o inferno, se você não for capaz de aceitar que nem todos gostam de peras verdes.

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