sexta-feira, 28 de junho de 2013

ATRITOS



Ninguém muda ninguém;
ninguém muda sozinho;
nós mudamos nos encontros.

Simples, mas profundo, preciso.
É nos relacionamentos que nos transformamos.
Somos transformados a partir dos encontros,
desde que estejamos abertos e livres
para sermos impactados
pela idéia e sentimento do outro.

Você já viu a diferença que há entre as pedras
que estão na nascente de um rio,
e as pedras que estão em sua foz?

As pedras na nascente são toscas,
pontiagudas, cheias de arestas.

À medida que elas vão sendo carregadas
pelo rio sofrendo a ação da água
e se atritando com as outras pedras,
ao longo de muitos anos,
elas vão sendo polidas, desbastadas.

Assim também agem nossos contatos humanos.
Sem eles, a vida seria monótona, árida.
A observação mais importante é constatar
que não existem sentimentos, bons ou ruins,
sem a existência do outro, sem o seu contato.
Passar pela vida sem se permitir
um relacionamento próximo com o outro,
é não crescer, não evoluir, não se transformar.

É começar e terminar a existência
com uma forma tosca, pontiaguda, amorfa.
Quando olho para trás,
vejo que hoje carrego em meu ser
várias marcas de pessoas 
extremamente importantes. 

Pessoas que, no contato com elas,
me permitiram ir dando forma ao que sou,
eliminando arestas,
transformando-me em alguém melhor,
mais suave, mais harmônico, mais integrado.
Outras, sem dúvidas,
com suas ações e palavras
me criaram novas arestas,
que precisaram ser desbastadas

Faz parte...
Reveses momentâneos
servem para o crescimento.
A isso chamamos experiência.
Penso que existe algo mais profundo,
ainda nessa análise.
Começamos a jornada da vida
como grandes pedras,
cheia de excessos.

Os seres de grande valor,
percebem que ao final da vida,
foram perdendo todos os excessos
que formavam suas arestas,
se aproximando cada vez mais de sua essência,
e ficando cada vez menores, menores, menores...

Quando finalmente aceitamos
que somos pequenos, ínfimos,
dada a compreensão da existência
e importância do outro,
e principalmente da grandeza de Deus,
é que finalmente nos tornamos grandes em valor.

Já viu o tamanho do diamante polido, lapidado?
Sabemos quanto se tira
de excesso para chegar ao seu âmago.

É lá que está o verdadeiro valor...
Pois, Deus fez a cada um de nós
com um âmago bem forte
e muito parecido com o diamante bruto,
constituído de muitos elementos,
mas essencialmente de amor.
Deus deu a cada um de nós essa capacidade,
a de amar...
Mas temos que aprender como.

Para chegarmos a esse âmago,
temos que nos permitir,
através dos relacionamentos,
ir desbastando todos os excessos
que nos impedem de usá-lo,
de fazê-lo brilhar

Por muito tempo em minha vida acreditei
que amar significava evitar sentimentos ruins.
Não entendia que ferir e ser ferido,
ter e provocar raiva,
ignorar e ser ignorado
faz parte da construção do aprendizado do amor.

Não compreendia que se aprende a amar
sentindo todos esses sentimentos contraditórios e...
os superando.
Ora, esse sentimentos simplesmente
não ocorrem se não houver envolvimento...

E envolvimento gera atrito.
Minha palavra final: ATRITE-SE! 

Não existe outra forma de descobrir o amor.
E sem ele a vida não tem significado."
(Roberto Crema)

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Por uma época de ESPERAS


  • Florentino Ariza e Fermina Daza, os inesquecíveis personagens do romance O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez, cultivaram um amor envolto em lentidão e paciência por mais de 50 anos. Neste longo período de vida, avistaram-se e falaram-se não mais do que uma dúzia de vezes. A tudo este sentimento furioso e oceânico sobreviveu. Era uma época de esperas, que se dilatava dentro de uma realidade que observava a si mesma. Cada existência ia sendo torneada num ritmo muito próximo ao da natureza. Estações para os rios e as florestas. Estações para a alma e o coração, que queimavam como uma sarça ardente. Nada se fazia para acelerar os batimentos cardíacos de cada dia. Não se pensava em abrir com violência uma fresta entre as horas, reclamando que não eram suficientes para a demanda dos fazeres. Entre o nascimento e a morte, os rituais embalavam a colheita das palavras e dos atos. E, num estado de atenção reverencial, esse casal de solenidades emocionais e olhares furtivos foi construindo, para si e para o outro, a certeza de que se pode vibrar sem tocar. Que se pode praticar a idolatria sem o medo da oxidação do desejo que as grandes paixões provocam.

    Tenho pensado com frequência nesses dois seres que há tanto habitam dentro de mim. E, de maneira mais incisiva ainda, toda vez que alguém se aproxima falando ou escreve na tela do computador: “precisamos disso com URGÊNCIA”. Essa palavra tão desgastada, gritada em maiúsculas e que já não diz quase mais nada sobre o que realmente importa. Ou sobre a nossa autonomia para poder adiar algo, pespegando-lhe uma etiqueta de pouca premência. Tudo passou a ter um caráter de imediatismo e ai daquele que não interrompe a furtiva alegria do descanso para dar uma resposta satisfatória ao inquieto pedinte. Amigos e colegas me cobram, com doçura na voz: “Tentei falar contigo durante toda a manhã e não consegui, fiquei preocupado”. Com o que, então, precisamos estar disponíveis as 24 horas do dia para a necessidade alheia, tenha ela a fisionomia das relações ligeiras ou dos interesses profissionais?

    Ah, como aprecio enfurnar-me na chácara, ouvindo apenas o rumor das montanhas que viverão mil vezes mais do que eu. Sorver cada minuto, gordo e macio, simplesmente olhando, certo de que não precisam de mim. Não me tragam notícias do mundo, senão aquelas anunciadas pelos poetas e pelos grandes mestres do espírito. Sei que na esmagadora maioria das vezes posso resolver o grave, gravíssimo problema no dia seguinte, no outro, ou mesmo na semana que virá. Nada é mais importante do que o cultivo do meu jardim, do que a surpresa da primeira petúnia que se abre sob o rubor do sol da manhã. Mais tarde, sim, mais tarde sei que preciso dar conta de afazeres que me permitem trocar por algumas notas de papel o alimento que me mantém vivo. Mas é apenas para isso, e em horas contadas, que devemos vender nossos talentos. No mais, apenas a deliciosa sensação descrita por Alberto Caeiro: “Sentir a vida correr em mim como um rio por seu leito. E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme”.

    Não poderei, acaso, responder ao “urgente” e-mail amanhã, ou mais tarde ainda? Que haverão de querer de mim esses homens e mulheres apressados de tudo, apressados por nada? Ainda ontem esperávamos sem angústia (só com sofreguidão lírica) pela carta que demorava dias e mais dias para chegar. Que vontade de responder, na delicadeza de um bico de pena: “sim, eu o farei, mas depois, bem depois”. Incômoda é essa sensação que já não separa mais a necessidade do que é puramente a confirmação da impaciência alheia. Mas não são somente as indagações virtuais que precisam ser resolvidas com a rapidez de um relâmpago. Igual destino é previsto para os encontros. Rápido, rápido, queremos saber de Maria, de Clara e de Pedro, todos ávidos na fila de espera, antes de buscar outro refúgio: o das companhias evanescentes.

    Ah, o desejo de estar quieto, bocejando ante a correria de todos. Quero ser filho da lentidão, esse doce pássaro exilado. Transformem o mundo sem mim. Em meu dicionário, a palavra urgência insiste em não nascer.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Mar

Nos meus sonhos ele está cada vez mais frequente.
Quero estar dentro dele. Despida. Inteira.
Sentir o roçar do seu toque em mim. O gosto salgado na minha língua, que toca seu corpo fluido. Água, fluindo.
Mar, Oceano. Pacífico. Sereno, límpido e vivo.
Quero encarar seu olhar forte, seguro, protetor. E escutar o sussurro de seu respirar.
Agitado de dia. Quieto, tranquilo à noite.
Preamar. Maré baixa.
Submersão diurna, para viver seus encantos.
Mergulhar noturno, revelando luminescências, plânctons a nos acompanhar o rastro.
Amar. Entregar
Morrer nos braços dele
Oceano sem fim.
 — com Ricardo Branco Treinador.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O CORPO manda


  • O poder de manipulação que alguém tem em suas mãos quando é destinatário da libido alheia é quase inesgotável

    Você acredita que só amamos com a mente, a alma, et cetera e tal, num manancial sem fim de emoções? Eu também atravessei a vida apostando nisso. Ultimamente estou revendo este conceito. Darei um exemplo concreto para ilustrar os argumentos que seguirão texto afora. Conheço um casal que está junto há mais de 12 anos. Brigam o tempo todo, gato e rato que arrepiam o pelo na presença um do outro. A mais recente cena que presenciei foi tragicômica. Estavam numa quitanda comprando frutas. Ele queria peras bem verdes e ela, bem maduras. Simples: comprem algumas em cada estado de maturação. Mas, imagine, por que desperdiçar uma valiosa chance de discutir? E foi o que fizeram. Em público e sem mostrar constrangimento. Por um triz não partiram para a agressão física. E sabe como se referiam um ao outro? “Mas, amor...” Vá lá entender a mecânica que une os casais.

    Não fiquei satisfeito com esse testemunho de esquizofrenia afetiva. Logo depois tive a oportunidade de conversar com eles, separadamente. E ambos foram categóricos na resposta ao que os levava a permanecer junto, entre tapas e beijos: na cama é uma maravilha. Pois é, muitas vezes nos rendemos aos apelos do corpo. Disseram que a separação foi aventada em várias conversas, mas que, diante da ideia de não fazerem mais sexo, preferiam tudo tolerar. Não vai aqui nenhuma crítica a esses amigos que vão levando a vida com um arranjo muito particular. O que me chamou a atenção, inclusive depois de confirmar a repetição desse tipo de comportamento, é que duas pessoas com fortes laços sexuais acabam aceitando o impensável nas situações em que não é só o coração quem dita o roteiro amoroso.

    Soterrados debaixo de montanhas de preconceitos quando o assunto é a carne e seus desejos (vide os preceitos católicos e seus congêneres), acreditamos piamente que a fisiologia não tem tanto peso na manutenção dos casamentos. Não há maior engano. E o poder de manipulação que alguém tem em suas mãos quando é o destinatário da libido alheia é quase inesgotável. Beleza e atração física contam, sim, não só na escolha de nossos parceiros, mas também como uma espécie de bônus adicional quando a rotina e o tédio dizem olá.

    É o tal do capital erótico, expressão em voga nesses tempos de hedonismo explícito. Não precisamos chegar a extremos, mas fechar os olhos diante de uma realidade óbvia é ingenuidade. Eu, você e grande parte da humanidade já fomos “vítimas” desse tipo de situação. Por que será que os mais bonzinhos são preteridos pelos que têm pegada boa? Machos e fêmeas agem igual. Uma explicação simplificada poderia nos remeter a inescapável teoria da perpetuação da espécie. Mas deve existir algo, além disso.

    Com essa nossa mania de entronizar o amor num altar esquecemos o peso da atração, o fato de que somos animais pensantes, com ênfase na palavra “animais”. Confirme apenas para si mesmo, mas é bem provável que você também já tenha passado por uma situação como a descrita acima. E nem tente invocar a razão, a lucidez e a preservação da própria dignidade. Tudo desaparece quando o prazer toma as rédeas. No meu ponto de vista, isso não é bom nem ruim. Basta perder a crença de que só amamos espiritualmente, como os anjos devem fazer entre si. Não há só enlevo e suspiros poéticos no encontro de dois seres.

    E o outro lado da moeda também é verdadeiro. Mesmo quando vamos para a cama sem conhecer absolutamente nada do outro, nunca será exclusivamente sexual. As coisas se misturam dentro da nossa cabeça. Vale para meninos e meninas. A velha dicotomia cartesiana que separa a fisiologia do mundo abstrato das sensações já foi largamente superada. Portanto, comecemos desde já a reavaliar o que está na base de nossos relacionamentos. O mais importante, acredito, é ser honesto e reconhecer a importância do desejo. Biologia é destino, sim. Leia alguns tratados escritos pelos filósofos gregos e você descobrirá o peso que eles deram ao amor físico.

    Por enquanto somos apenas isso: um emaranhado de células, fibras e nervos capazes de gerar uma crença no sublime. Depois... bem, depois talvez ouçamos sininhos e harpas ao reconhecer nossa alma gêmea. Por ora, não desperdice a oportunidade de vislumbrar o céu usufruindo um corpo que lhe dá tesão. Ou o inferno, se você não for capaz de aceitar que nem todos gostam de peras verdes.

EU ESPERO ALGUÉM...

EU ESPERO ALGUÉM...
Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse. Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, que realmente envelheça comigo. Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão dos meus irmãos. Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença. Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim. Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer. Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana. Espero alguém que nunca abandone a conversa quando não sei mais falar. Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos. Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens. Espero alguém disposto a conferir se a porta está fechada e o café desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso. Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros. Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade. Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine. Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado como se ainda fosse perfume. Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto. Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi seu dia. Espero alguém que procure um espaço acolchoado em meu peito. Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail. Espero alguém que ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência fora de mim. Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar. Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente. Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado. Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse. Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar. Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito. Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza. Espero alguém que curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas. Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir. Espero alguém que tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que largue o casaco no sofá e não seja educado a ponto de estendê-lo no cabide... (DESCONHEÇO A AUTORIA)