terça-feira, 26 de abril de 2011

E ainda sobra tempo


Sentimo-nos valorizados cada vez mais pela ação

Existe uma equação simples para tentar decifrar esse grande mistério da falta de tempo na vida das pessoas. É só parar e fazer a conta das horas desperdiçadas em atividades completamente inúteis. A relação é tão vasta que nem vale a pena fazê-la. Mas pode-se tentar uma tomada de consciência a partir de acontecimentos do nosso cotidiano. Você conhece uma situação que nos deixa com mais culpa do que não fazer nada? O corpo pode até estar em estado de repouso, mas a mente viaja quilômetros e mais quilômetros, sofrendo por tudo que deveria estar fazendo e não faz. Provavelmente seja por isso que muitos de nós damos um jeitinho de levar o notebook para a praia ou o hotel da cidade em que vai tirar férias. O ócio passou a ser o oitavo pecado capital dos nossos dias. Em gravidade, deve estar entre os primeiros.

Sentimo-nos cada vez mais valorizados pela ação. Empilhamos atividade sobre atividade e, ao fim do dia, a descoberta do não cumprimento de uma meta causa grande sofrimento. Contemplar tornou-se obsoleto, coisa de quem tem alma de poeta. Poeta extraviado. As estações passam por nós como se fossem todas da mesma cor, da mesma textura. É claro que muitos se entregam a essa compulsão porque há uma cobrança permanente pairando no ar. Só os melhores, os mais ágeis e espertos sobrevivem no mercado. E isso acabou virando senso comum – multidões andando por aí em busca do que fazer.

Já há alguns anos tenho adotado um olhar diferente. Tento cortar tudo o que posso e reduzir a vida a certos núcleos que me parecem vitais. Todos reclamam que não sobra uma mísera hora diária para a leitura. Mas sobram três ou quatro para assistir televisão. Os pais reclamam que os filhos quase nunca estão em casa. Mas eles muitas vezes passam mais tempo diante do computador do que os filhos. Namorados trocaram a intimidade física por mensagens online. Um breve monitoramento para saber onde estão parece dar conta de qualquer insatisfação amorosa. E todos convencidos de que é assim mesmo e não há nada o que se fazer. Mas há, sempre há.

O desejo exagerado de obter sucesso nos enredou de tal modo que acabamos aceitando tudo como natural. E com justificativas racionais e fundamentadas. Recusar passou a ser uma falta de educação que poucos se permitem. Participam de tudo, mesmo estando presentes só fisicamente, loucos para voltar pra casa e se livrar do evento chato. Está aí uma expressão que não sai da nossa boca: “Eu não queria ir, mas era um compromisso irrecusável.” E vamos, totalmente sem vontade, cumprir mais um ritual destituído de prazer.

Tenho recuperado umas boas horas depois que aprendi a dizer não. Existem parcerias, existem amizades e existem necessidades profissionais e afetivas. Tudo certo. Mas esse excesso de cuidado para não magoar ninguém está nos transformando em seres amargurados, queixosos. Lembremos do verso de Rimbaud: “Por delicadeza, eu perdi minha vida.”

Consigo fazer muitas coisas e ainda sobra tempo. Resultado de algumas escolhas conscientes. Um exemplo? Na minha casa ninguém leva trabalho que ficou pendente durante o dia. Com a TV quase sempre desligada, conversamos, lemos, assistimos filmes, saímos para jantar. Ou simplesmente ficamos preguiçosamente deitados no sofá, falando ou em silêncio. Isso se tornou tão importante que já não questionamos mais se é certo ou errado. É simplesmente a nossa maneira de ser feliz. E de reclamar menos.

Daqui a pouco teremos que devolver tudo, como nos ensinam os mestres budistas. Melhor pensar na vida como uma brincadeira. E se divertir. Estamos ficando velhos muito cedo. E sérios. E responsáveis. E resmungões.

Estou tentando diminuir o peso das malas que carrego. Não quero perder meu trem para Pasárgada. Sem poesia já é noite. Corremos o risco de morrer sem descobrir que a luz era a própria paisagem.

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