domingo, 13 de março de 2011

Exibidos

A maioria de nós não quer mais ver, quer apenas ser visto

Conheço pessoas que envelheceram cedo, muito cedo. Olham para tudo com melancolia e saudade. Sonham com um tempo que nunca existiu, mas que, na sua fantasia, era perfeito. Suspiram em busca de uma infância e uma juventude perdidas. É seu Éden imaginário. Lá, acreditam, ficaram ancoradas as melhores paisagens de sua existência. E quando alguém aponta uma novidade, não querem nem saber do que se trata. Pensam que o melhor do mundo já ficou para trás.

É uma tentativa de reter lembranças que parecem mofar nas gavetas da memória. Mas é, também, uma recusa em perceber o movimento que gera a vida. Há 100, 200 anos, outros sentiram isso como nós, vislumbrando o esfacelamento de tudo que sustentava sua maneira de ver a realidade mais imediata. E assim acontecerá num futuro próximo e distante. É da natureza humana aparentar-se da insatisfação.

Tenho me esforçado consideravelmente para não parecer pai ou avô de mim mesmo. Sou muito crítico, o que dificulta um pouco a aceitação tácita do que o senso comum considera como as maravilhas da época em que vivemos. Computadores, por exemplo. São instrumentos utilíssimos, que facilitam o trabalho e aproximam mais as pessoas. Mas sigo viciado em abraços, olhares e sensações. Continuo analógico em grande parte do meu dia. Porém, quando recebo e-mails, respondo-os num curto espaço de tempo. Quem os envia fica nessa expectativa e não é simpático provocar frustração nos outros. Só que faço isso sem afobação, sem desespero. Por enquanto, meu maior desafio no universo virtual é o de escrever diariamente num blog. E acho admirável quem se dedica a outras formas de comunicação on-line. Desde que estabeleça limites e não ultrapasse a lógica do razoável.

Essa prédica toda é para chegar a um ponto que considero patológico. Estou cercado de colegas, parentes, vizinhos e desconhecidos que têm Orkut, Facebook, Twitter. Eles parecem se divertir muito com isso e não sou eu quem vai dizer que estão errados. Mas um fato preocupante tem me chamado atenção. Ilustro com uma situação recente: um casal de amigos viajou para Nova York. Assim que desembarcaram do avião, começaram a postar mensagens para que todos soubessem o que estavam vendo, fazendo, visitando, comendo. Estas informações chegavam aos correios eletrônicos a cada 20 minutos, meia hora, no máximo. Do início da manhã até o “boa noite, estamos indo dormir”. Verdade. Não passou um dia sem que o atarefado casal descrevesse em minúcias tudo o que passava pela sua frente. A conclusão óbvia é que aproveitaram pouquíssimo o passeio dos seus sonhos. Não queriam ver, queriam ser vistos, seja em palavras ou em fotos. É claro que depois do terceiro ou quarto dia ninguém estava mais interessado em suas aventuras. O detalhe importante é que eles estão loucamente apaixonados. Quando entre nós, passavam o tempo todo arrulhando, o que nos fazia lembrar esse adorável verso do Quintana: “Não existe nada mais chato no mundo do que o amor... dos outros”.

Conclusão: estamos nos transformando em Narcisos com endereço incerto. Só conseguimos ver a nós mesmos e achamos que todos estão sinceramente interessados em saber o que fazemos a cada segundo de nossa nem sempre interessante vida. Desde a roupa que estamos usando até o que jantamos. Sem entrar em outros detalhes que poderiam parecer escatológicos às almas sensíveis. Tem alguma importância dividir isso? Ajudem-me a entender, porque eu não consigo. Será que corro o risco de ser um sério candidato ao mais velho da turma?

O certo é que a banalidade (quase digo a vulgaridade) se transformou numa espécie de moeda universalmente aceita. Tudo virou platitude, carne de segunda servida em louça Limoges. Que venha o novo para arejar a vida. Sempre, sempre. Mas seria de bom tom se o pudor, algumas vezes, ainda enrubescesse a nossa face.

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