sábado, 29 de maio de 2010

Quem me pega no colo?


O medo de ficar só, mesmo que seja por um curto período, embota a inteligência

Ela tem feito grandes estragos. Em seu nome, tudo parece justificável. Até um crime. A carência costuma cegar e faz com que nos submetamos a humilhações só para receber um afago, um olhar mais comprido. Atire a primeira pedra quem nunca se sentiu órfão de afeto. Quem nunca fez coisas absurdas porque precisava de alguém ao seu lado. Preço alto, altíssimo, a ser pago. Como é mais difícil olhar para si mesmo, a gente acaba sempre se espantando com o que o vizinho ou os amigos fazem.

Há pessoas que, no auge da crise, cumprimentam manequins de loja e agradecem ao elevador que abre à sua frente. E cedem a qualquer apelo de quem está ao lado para não se sentirem sós. Mas se descobrem cada vez mais isoladas de tudo, porque este tipo de barganha tem o efeito de um bumerangue. A questão é atávica e costuma ser a aflição de homens e mulheres, indiscriminadamente. Nós nos escondemos, com medo de que descubram nossas fraquezas, pois a fragilidade é vista como sinal de pouca masculinidade. Elas expõem mais seus sentimentos, analisando com clareza e honestidade o que está se passando.

Somos todos, de alguma maneira, mendigos e pedintes. Precisamos dos outros para sobreviver. Mas há um limite saudável para essa falta. Ultrapassado, torna-se patologia em estado puro. Chega um ponto em que não nos importamos até de pagar pela companhia de alguém. Penso em pessoas que conheci ao longo da vida, no quanto sofreram porque não se permitiram, entre uma relação e outra, recompor-se em solidão. Esse hiato é necessário para que possamos reencontrar nossa própria fisionomia, que muitas vezes se perde porque precisamos agradar. Está aí uma palavra bem nefasta. Quando se necessita de aprovação além do que é razoável, deveria tocar um sino dentro de nossa mente para nos alertar que estamos entrando em campo minado. Mas não parece que a lógica se subverte e, quanto mais ficamos com cara de cachorro abandonado, mais nos tornamos reféns do desejo do outro?

Remédio? Difícil fazer um bom diagnóstico e mais difícil ainda pensar em algo preventivo. Cada um tem seus buracos interiores e sabe que é complicado enfrentar esses demônios à luz do dia. Às vezes, o início de tudo está lá na infância. Em outras, situações amorosas mal resolvidas nos deixam com uma sensação de fracasso, de que a culpa é sempre nossa. E então, num processo de repetição que pode se estender pelo resto da vida, saímos por aí esmolando, em desespero. Quanto mais nos diminuímos, mais idealizamos o objeto do nosso afeto.

O medo de ficar só, mesmo que seja por um curto período, embota a inteligência e faz com que não consigamos raciocinar com clareza. Quem olha de fora costuma se espantar diante de situações em que um carente e um aproveitador se encontram. Porque é geralmente assim que acontece. Para cada vítima, um bandido de prontidão. Um olhar mais passageiro não revela o que está por trás desse tipo de contrato. Não adianta alguém apontar o óbvio: é preciso que algo muito dramático sinalize o absurdo do que está ocorrendo. Só assim acontecerá o rompimento.

Quem não precisa de companhia em algum momento? O problema é que não dá para ficar em débito pelo resto da vida. Fortes ou fracos, somos apenas isso: seres que só se reconhecem quando aceitos. Os mais sábios descobriram, entretanto, que o bom casamento é o que fazemos com nós mesmos.

domingo, 23 de maio de 2010

O novo oráculo


Grupo  RBS A internet pode ser uma ótima ferramenta para a construção de uma democracia

A polêmica continua e nada prenuncia o seu fim. A expansão da tecnologia é boa ou traz mais malefícios para o homem? Como tudo na vida, um posicionamento radical só impede que vejamos com clareza o que melhorou e o que resultou em malogro, depois que nos instalamos dentro do universo virtual. Preciso fazer um mea culpa. Durante muitos anos vociferei contra a invasão da internet, atribuindo a ela a responsabilidade pela degradação dos relacionamentos. Reconheço que me exacerbei. As pessoas nunca se encontraram tanto, nunca tiveram tantas possibilidades de comparar, analisar e escolher o que mais se adapta ao seu modo de ver a realidade. Há os exagerados, claro. Esses que se sentem totalmente obsoletos quando não estão em rede social. Twitter, Facebook, blogs, Orkut, chats... Um verdadeiro inferno. Mas não é desses que estou falando.

Veja como a internet possibilitou a pluralidade de pensamentos. Hoje, uma parcela considerável da humanidade fica sabendo quase que instantaneamente o que acontece em qualquer parte do mundo. Qual é o ganho? Está ficando mais difícil para os donos da verdade esconderem os seus atos de tirania. Não por acaso uma recente campanha publicitária, muito premiada, mostra isso. Numa sacada genial, colocou-se a imagem de três dos maiores ditadores da atualidade – Hugo Chávez, Raúl Castro e Mahmoud Ahmadinejad – com uma expressão de pavor, no momento em que surge um simples ratinho na sala em que despacham. Mas não um ratinho comum: o que aparece é um mouse de computador. Para quem se acostumou a mandar indiscriminadamente, nada assusta mais do que constatar que a informação está disponível a qualquer um. O exemplo mais sintomático é a recente saída do Google da China, depois de sofrer pressões durante anos. Para um sistema político tão fechado, é extremamente perigoso que as pessoas tenham acesso a outras realidades.

Se conclui que a disseminação geral e irrestrita do que acontece longe dos nossos olhos pode ser a melhor ferramenta para a construção de uma democracia. E mais, muito mais do que isso. Imagine-se morando numa pequena cidade do interior. À parte os encantos bucólicos, a quietude dos contatos mais íntimos que se pode estabelecer com amigos e vizinhos, não há muita graça em passar os dias fazendo sempre a mesma coisa. Se você for adolescente, pior ainda. É o tédio total. Um exemplo disso está no premiado filme Os Famosos e os Duendes da Morte, do gaúcho Esmir Filho. Claro, quanto mais a gente avança, quanto mais vai abrindo portas, mais aumenta nossa fome e a vontade de ir além. Pode ser um passaporte para a angústia. Mas tenho gostado muito dessa perspectiva que nos joga para além de nós mesmos. Isso significa encontrar o outro. Se você é dos que se preocupam com o rumo que as coisas estão tomando, imagine-se na Idade Média, por exemplo. Não sendo rei ou um nobre qualquer, seu destino quase que certo seria o da servidão completa ao seu amo e senhor.

Reconheçamos: os avanços tecnológicos não precisam ser exorcizados e nem endeusados. Eles trazem grandes benefícios e também podem nos induzir a uma solidão brutal, mesmo tendo milhões a um clique de distância. Tudo depende do uso que fazemos deles. Tenho buscado o meio termo. Acolho com simpatia as novidades nessa área, mas sempre com um olhar crítico. Lembro que não preciso ser uma vítima desse processo. Uma boa conversa, olho no olho, também pode provocar uma revolução.

domingo, 9 de maio de 2010

Posted by Picasa

A pele

A pele

Grupo  RBS Imagine um mundo assim: “Todos os seres humanos possuem uma doença de pele. Ninguém pode tocar o outro porque irá doer. Como todos possuem pústulas espalhadas pelo corpo, a infecção e a dor são vistas como normais; acreditamos que as coisas devam ser assim.” Esta situação está descrita no livro Os Quatro Compromissos, do mexicano Don Miguel Ruiz. A páginas tantas, ele nos faz meditar sobre como seria viver na impossibilidade de tocar e ser tocado. Eu, que sou um exagerado nessa questão de abraços e beijos, tenho certeza de que me sentiria como um condenado à morte.

Qual é a graça de estar entre amigos e não poder estreitar os braços ao redor do corpo alheio, tendo que reduzir a afetividade a um mero exercício de palavras? Todo o bem-querer pede calor, proximidade, espaços convertidos em intimidade. Reservas, para que? A menos que alguém sofra de um distúrbio psíquico grave, parece inconcebível abdicar do contato, da mistura altamente recomendável de algumas substâncias que compõem o organismo.

Há os que acreditam que a busca desenfreada pelo poder é uma espécie de incapacidade amorosa. Troca-se um prazer legítimo por outro genérico, de eficácia duvidosa. Substitui-se a libido pelo mando. Já que algumas pessoas não conseguem espontaneamente o amor de alguém, vão buscá-lo à força, extorquindo em terreno árido o que deveria ser benesse, gratuidade. Afeiçoam-se a esse falso prêmio porque não conhecem a possibilidade de se derramar em outros corpos e almas, transformando tudo num deserto de cifras e valores materiais.

Se a juventude é uma explosão hormonal que nos joga rumo ao primeiro que atravessa o nosso caminho, encontramos na maturidade um certo pudor, uma certa cautela que nos paralisa. É uma pena. Precisamos lutar para que não morra a coragem que nos faz caminhar até aquele que também tem fome idêntica à nossa. Se eu tivesse que morar num desses países onde as pessoas, por mais próximas que sejam, mal se tocam, provavelmente seria um forte candidato a contrair doenças e neuroses. Porque é mais do que sabido que muitas patologias resultam desse distanciamento, por vezes intransponível, em relação aos que nos cercam.

É importante manter o respeito pelo limite que o outro estabelece, claro. Não se pode chegar escancarando portas e janelas, como se estivéssemos sempre em nossa casa. Somos cheios de repressões. Mas eu costumo ver com desconfiança os que têm excesso de pudor. Mal sabem eles que é em quintais vizinhos que encontramos o alimento que nos permite continuarmos vivendo. Triste de quem ainda não descobriu que o melhor remédio para a angústia que por vezes sentimos pode ser a presença de uma pele morna, como um pedaço de veludo reduzindo o atrito contra o muro que às vezes é a vida.

Por mais acabado que este pareça, cada um pode ir alterando o roteiro que traçou. A rigidez ou flexibilidade de conceitos é estabelecida por nós mesmos. Um bom terapeuta ajuda, mas o poder de decisão é intransferível. E a recompensa supera o esforço exigido.

Gosto de fazer uma festa com quem está ao meu lado. Nada de palavras ditas em tom sussurrante ou daqueles cumprimentos quase profissionais – metódicos, frios. Eu sou da turma dos que se jogam, escandalosamente, ao encontro do primeiro que aparece.