Ela tem feito grandes estragos. Em seu nome, tudo parece justificável. Até um crime. A carência costuma cegar e faz com que nos submetamos a humilhações só para receber um afago, um olhar mais comprido. Atire a primeira pedra quem nunca se sentiu órfão de afeto. Quem nunca fez coisas absurdas porque precisava de alguém ao seu lado. Preço alto, altíssimo, a ser pago. Como é mais difícil olhar para si mesmo, a gente acaba sempre se espantando com o que o vizinho ou os amigos fazem.
Há pessoas que, no auge da crise, cumprimentam manequins de loja e agradecem ao elevador que abre à sua frente. E cedem a qualquer apelo de quem está ao lado para não se sentirem sós. Mas se descobrem cada vez mais isoladas de tudo, porque este tipo de barganha tem o efeito de um bumerangue. A questão é atávica e costuma ser a aflição de homens e mulheres, indiscriminadamente. Nós nos escondemos, com medo de que descubram nossas fraquezas, pois a fragilidade é vista como sinal de pouca masculinidade. Elas expõem mais seus sentimentos, analisando com clareza e honestidade o que está se passando.
Somos todos, de alguma maneira, mendigos e pedintes. Precisamos dos outros para sobreviver. Mas há um limite saudável para essa falta. Ultrapassado, torna-se patologia em estado puro. Chega um ponto em que não nos importamos até de pagar pela companhia de alguém. Penso em pessoas que conheci ao longo da vida, no quanto sofreram porque não se permitiram, entre uma relação e outra, recompor-se em solidão. Esse hiato é necessário para que possamos reencontrar nossa própria fisionomia, que muitas vezes se perde porque precisamos agradar. Está aí uma palavra bem nefasta. Quando se necessita de aprovação além do que é razoável, deveria tocar um sino dentro de nossa mente para nos alertar que estamos entrando em campo minado. Mas não parece que a lógica se subverte e, quanto mais ficamos com cara de cachorro abandonado, mais nos tornamos reféns do desejo do outro?
Remédio? Difícil fazer um bom diagnóstico e mais difícil ainda pensar em algo preventivo. Cada um tem seus buracos interiores e sabe que é complicado enfrentar esses demônios à luz do dia. Às vezes, o início de tudo está lá na infância. Em outras, situações amorosas mal resolvidas nos deixam com uma sensação de fracasso, de que a culpa é sempre nossa. E então, num processo de repetição que pode se estender pelo resto da vida, saímos por aí esmolando, em desespero. Quanto mais nos diminuímos, mais idealizamos o objeto do nosso afeto.
O medo de ficar só, mesmo que seja por um curto período, embota a inteligência e faz com que não consigamos raciocinar com clareza. Quem olha de fora costuma se espantar diante de situações em que um carente e um aproveitador se encontram. Porque é geralmente assim que acontece. Para cada vítima, um bandido de prontidão. Um olhar mais passageiro não revela o que está por trás desse tipo de contrato. Não adianta alguém apontar o óbvio: é preciso que algo muito dramático sinalize o absurdo do que está ocorrendo. Só assim acontecerá o rompimento.
Quem não precisa de companhia em algum momento? O problema é que não dá para ficar em débito pelo resto da vida. Fortes ou fracos, somos apenas isso: seres que só se reconhecem quando aceitos. Os mais sábios descobriram, entretanto, que o bom casamento é o que fazemos com nós mesmos.