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Traduzir o mundo com avidez é, não raro, equivocar-se
Aos poucos, quase sem perceber, já não deixamos nossos olhos repousarem sobre coisas e pessoas. Não mais a sabedoria da espera. O recolher-se em si mesmo e aguardar. Em um de seus romances, o escritor Philip Roth faz uma personagem dizer: “Não há vida sem paciência.” E vamos encontrar nos diários de Kafka semelhante observação: “Pela impaciência, o homem foi expulso do paraíso.” Traduzir o mundo com avidez é, não raro, equivocar-se. Em todas as tradições religiosas se ensina que o apaziguamento da alma requer tempo. Tempo e boa vontade.
Quem se propuser a fazer qualquer exercício de meditação perceberá quanto é difícil olhar para dentro de si mesmo, em busca de uma observação silenciosa e profunda do que se passa na mente. É ela que nos rouba a paz. Queremos colher tudo antes do tempo. Gostamos dos atalhos porque eles são a escolha dos mais espertos, dos que acreditam que a agilidade é nossa cúmplice. Na verdade, eles solapam o processo que gera o entendimento.
A rapidez em julgar, igualmente, faz com que nos equivoquemos com frequência. Tomados pelo desejo de sermos os primeiros, vamos transformando o dom da reflexão num instrumento de segunda categoria. Embora eu não seja um homem dado a rituais, interesso-me pela maneira como os monges vão atravessando seus dias. Há qualquer coisa neles que se alonga, que se desdobra, protegendo-os da leviandade de um cotidiano via de regra comprometido com a eficiência, com a pressa. Eu os admiro, mesmo me sentindo distante deles, pois raramente sou tocado pelo sentimento de que tudo está de acordo, que não é preciso fazer nada para que a roda da vida siga o seu destino.
Um livro que se lê ao sabor das horas, uma doença que nos debilita e testa nossa capacidade de sermos meros expectadores, o acolhimento das derrotas e a sensação quase sobre-humana da chegada de um novo amor. Como damos conta dessas vertigens? As grandes aventuras interiores exigem de nós paciência e denodo para que possamos nos debruçar sobre elas com serenidade. Mas parece que se não fizermos tudo simultaneamente perderemos alguma coisa. Comemos o fruto sem lhe sentir o gosto, pois o que importa é chegar logo ao caroço.
É preciso aprender a esperar pelos resultados. O bom pode se transformar no ruim e vice-versa. A sucessão de fatos e estados emocionais nos mostra que o essencial escapa quando nos precipitamos. Com a respiração curta e os gestos afoitos, sempre nos arriscamos a interpretar de forma equivocada. Muitas vezes pensei estar perdendo, e no entanto... Da mesma forma, o espetáculo de certos ganhos revelou-se enganoso. A resposta mais verdadeira nunca é instantânea.
Como o velho sábio budista que, interrogado sobre algum fato que o tocava diretamente, se achava que algo era bom ou ruim, respondia: “Talvez...” Porque é sempre assim. O que vemos está próximo demais, comprometido com interesses que não obedecem ao sentido do ser. Para mim, a verdadeira postura filosófica é sentar-se calmamente, deixando que tudo passe através. Não dentro de nós.
Pode ser que sim, pode ser que não. Só mais adiante saberemos.
sábado, 17 de abril de 2010
Talvez
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