segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Sensibilidade e testosterona

Sensibilidade e testosterona
O empório da sensibilidade está praticamente liberado para uso masculino. Podemos chorar à vontade, mostrar nossas carências, usar os cremes mais modernos e até, supra-sumo da permissão, fazer cirurgias plásticas. As fronteiras que nos separam do feminino se tornam cada dia mais tênues. Estamos todos participando do festival das igualdades. Quem tem mais de 40 anos (estimativa generosa) sabe do que se está falando. Há algumas décadas, e vamos ficar nessa medida de tempo, existiam divisões claríssimas entre os sexos, que deveriam ser respeitadas tanto por eles quanto por elas. E ai do infeliz que se atravesse a ultrapassá-las. Sua virilidade seria questionada imediatamente. Hoje passeamos mais livremente dentro desse campo quase infinito de possibilidades que define, antes de mais nada, a nossa condição de seres humanos.Mas será que é mesmo um bom negócio ser homem e sensível? Há controvérsias. Todas as minhas amigas suspiram por um ser de alma feminina, seja lá o que isso signifique. Dizem estar cansadas de namorar brucutus, criaturas toscas e simplórias que se interessam unicamente por falar de futebol, anatomia feminina (estou usando um eufemismo) e negócios. Querem um companheiro com quem possam dividir suas angústias existenciais, seus sentimentos mais profundos, enfim, um ser que as entenda em sua condição especialíssima - assim se definem. Procura aqui, procura ali, no máximo acabam encontrando um bom amigo para partilhar horas e mais horas de conversa sobre a triste solidão em que se encontram. Se o amigo for gay, perfeito. Excetuando-se o fato de não poderem ir para a cama com ele (embora haja as que, como os evangélicos, acreditam em conversão), formam o par ideal para as longas noites regadas a champanhe e tédio. Mas só isso, claro, não basta. Os instintos mais básicos vêm à tona e elas precisam acenar em adeus para o que antes parecia ser a redenção de todo o sofrimento. De onde se conclui o óbvio: as mulheres passam a vida suplicando por um homem sensível, mas acabam se unindo mesmo a um representante do sexo masculino que pinga testosterona. Quanto mais, melhor. Deve ser algum chamamento atávico vindo lá dos confins da nossa história: para a perpetuação da espécie há que se respeitar, com clareza absoluta, quase chocante, o espectro de características viris que compõem a geografia física e psíquica de um homem. Não acho que seja uma escolha consciente. Deve tocar uma espécie de sininho, muito sutil, nos ouvidos de uma mulher, toda vez que ela se aproxima de alguém assim. Existem forças poderosas que não podem ser traduzidas pela linguagem. É a natureza lutando sabiamente para não se extinguir.Digo isso baseado em fatos concretos, reais. Eu poderia até fornecer nome e endereço, mas o pudor e a noção do risco me impedem de cometer tal indiscrição. Já não posso contar somente nos dedos das mãos o número de amigas e conhecidas que foram cortejadas por homens que nutriam sentimentos sinceros, ouviam longa e silenciosamente suas queixas, que sabiam escolher os melhores vinhos e as presenteavam com flores que pareciam ter sido cultivadas numa estufa do paraíso. E, acredite, daqueles que, no limite do anacronismo, ainda pensavam em dar um livro como demonstração de afeto. Pois bem. As coisas pareciam encantadoras até aparecer aquele indivíduo que provava, sem sombra de dúvida, que descendemos diretamente dos macacos. As pernas começaram a tremer (uso palavras delas), uma espécie de cegueira tomou conta de sua visão e... adeus busca de sensibilidade e delicadeza. Ainda não ouvi nenhuma reclamando a presença de um tacape, mas temo por isso. Não vai nessas mal traçadas linhas uma crítica ao comportamento feminino. Nada mais é do que uma observação, seguida de uma constatação. Toda escolha está eivada de ganhos e perdas. Mesmo que a gente se entregue a essas tais opções erradas, acabamos fazendo determinados arranjos internos que nos possibilitam tocar a vida para frente, sem grandes lamentações. Nisso consiste a sabedoria humana. Ou o auto-engano. Enfim, o que se vê por aí é um longo e inflado discurso, calcado na dificuldade dos relacionamentos, uns sendo de Marte, outras de Vênus e coisa e tal. Mas quando aparece a oportunidade de romper com isso, poucas se atrevem a escolher aquele que se apresenta com a tal da alma feminina. No balanço dos queixumes e desencontros, restam dois universos um pouco desfocados, mirando seus desejos no alvo errado. De um lado, as que rogam por mais entendimento, mais aproximação. Do outro, os que se apresentam com tais atributos, mas que parecem não receber a aprovação biológica das supostamente interessadas. Exceções, claro que as há. As revistas femininas estão cheias de matérias contando lindas histórias de homens que lavam a louça com imenso prazer e sabem trocar uma fralda como ninguém. Cozinham com técnica e talento de chef e são ótimos de cama. Colocam todo o Kama Sutra em prática, com direito a apêndice. É uma espécie de loteria que poucas felizardas ganham. Enquanto a discussão parece não ter fim, eles e elas se olham com estranheza, como se a idéia de companheirismo não fosse um item indispensável na cesta básica dos relacionamentos. Diferenças, sim, desde que elas não nos desfoquem do objetivo primeiro da vida. O amor não precisa ser uma Torre de Babel ou algo que se pareça com uma montanha a ser escalada. É possível ser feliz nas planícies, olhando para quem está ao nosso lado como uma página que podemos e queremos decifrar.

Nenhum comentário: