Para compreender o corpo (e talvez a alma)
Num desses diálogos agradáveis que alimentam o que há de melhor dentro de nós, um amigo me diz: "não busco encontrar razões metafísicas, transcendentes, para entender o que acontece comigo. Não creio num destino traçado previamente e muito menos no acaso. Penso que somos o resultado objetivo de ações que tecem a nossa existência." Reflito sobre isso e concluo que esta é também a minha maneira de ver a vida. Organizo meu pensamento em termos sempre provisórios, lembrando, como sugeriu Mario Quintana, de datar sempre minhas opiniões.Acredito nesta fórmula, simples e clara: quem é do bem atrai coisas boas, quem é do mal sempre acaba sendo solapado por coisas ruins. Rumi, um poeta do Século 13, disse: "abra suas mãos se quiser ser sustentado." Pessoas generosas costumam receber presentes inesperados. Não que o universo seja guiado por leis morais, como gostaríamos. Provavelmente reine um grande silêncio cósmico, e nossos apelos ressoem no vazio. Não vejo nada de trágico nessa possibilidade. É bom sentir-se dono de si mesmo. Não com a arrogância de um ditador que pensa poder se apropriar do mundo. Mas com a clara certeza de que atitudes leves e saudáveis nos aproximam de pessoas portadoras dessas mesmas qualidades. Pude testemunhar, ao longo dos anos, diversas situações em que amigos de coração puro e destituídos de apego a bens materiais sofreram reveses financeiros de proporções catastróficas. Num primeiro momento, tendi a acreditar que tudo estava perdido e que o "vencedor", nos termos com que a nossa sociedade nos categoriza, era sempre o mais esperto, aquele que soube aproveitar-se da fraqueza alheia. Passados alguns anos, mantendo uma postura de aceitação e busca de novos caminhos, longe da ruminação rancorosa do que se passou, essas pessoas reconstruíram sua vida de forma admirável. Não se pode dizer o mesmo dos responsáveis por seu infortúnio provisório. Sem exceção, foram todos devolvidos a uma existência onde o principal objetivo de suas ações continuou sendo o de se locupletarem à custa da ingenuidade alheia. É uma roda sem fim. Enquanto os primeiros encontram quietude na tolerância e buscam perspectivas novas, os últimos ficam, invariavelmente, presos à necessidade de se sentirem os ganhadores. Sempre. Claro, é tudo uma questão de perspectiva, mas não creio que a religião ou mesmo a ciência possam desmentir as afirmações acima. Deve existir uma espécie de teia invisível que nos aproxima de nossos iguais, que faz com que ações desinteressadas gerem novas fontes de sustento para quem se permite consumir o seu tempo sem a violência de querer possuir o que não é seu. É uma lei física, nada mais do que isso. E que deve encontrar uma ressonância profunda em nosso cérebro, principalmente no inconsciente. É uma pena que ainda não se possa medir os benefícios que este tipo de atitude promove. O que podemos fazer, sim, é nos entregar a uma observação mais apurada do que acontece no âmbito de nossas relações, não só as de amizade, mas também as amorosas. Quando começamos a ter o entendimento de que a melhor colheita é aquela que se reparte, o nosso sustento estará garantido, como nos ensina o poeta. Reter é criar mensagens subliminares de que não há necessidade de repor nada, pois a despensa está cheia. Nesse tipo de lei, de caráter talvez espiritual, eu acredito. Não tenho pudor em me entregar a um raciocínio que, aos mais sofisticados de pensamento, pode parecer simplista, quase ordinário. Pouco ou nada me interessa buscar na complexidade uma razão para o que acontece conosco. Tenho convicção de que os poetas são mais qualificados para entender o que nos ocorre do que os filósofos, embora não rejeite os últimos como fonte de sabedoria. Tantas vezes somos tocados por situações que exigem de nós apenas um olhar mais despojado, um entendimento objetivo, que não se desdobra em sentenças de compreensão inalcansável. Somos intricados, mas somos também extremamente previsíveis. O roteiro de um indivíduo geralmente contém o roteiro de toda a humanidade. Eu repito, para mim mesmo, todos os dias: espalhe, espalhe, espalhe. Não existe outra obra a ser feita senão aquela que nos deixa livres para abandoná-la assim que depomos as ferramentas. Praticar o bem, para si e para os outros, não pode ser apenas um mandamento religioso, mas também uma afirmação científica. Embora ainda não saibamos traduzir as mudanças que isso desencadeia na nossa consciência, o certo é que estaremos sendo guiados rumo a algo que parece justificar a nossa presença aqui. Talvez seja o antídoto necessário para amenizar a nossa condição de predadores. Enfim, como sentenciou Zênon, sempre somos vítimas de uma armadilha qualquer. Sejamos nós submetidos a alguma espécie de julgamento ou não, a lógica nos empurra ao encontro de atitudes menos nocivas para o mundo físico e emocional. No mínimo, é menos trabalhoso passar a vida longe das estreitas prisões onde sonhamos nos apropriar de tudo e de todos. Não é essa matéria que deve viajar em nosso sangue.
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