quinta-feira, 5 de julho de 2007

Quando o excesso de amor mata

Quando o excesso de amor mata
Zelo em demasia nunca foi uma boa idéia. Mães que protegem seus filhos 24 horas por dia não os tornam fortes para a vida. Amantes opressivos, que monitoram todos os passos de quem está ao lado, nada mais fazem do que fragilizar aqueles a quem juram devotar um afeto incondicional. Isso vale para o corpo também. Abrigue permanentemente uma criança, sempre em temperatura adequada, sem pegar chuva, frio ou sol, e você verá o resultado. Quando ficar exposta, ela estará tão sem defesas que será vítima de qualquer vírus. Qualquer resfriado a deixará de cama. Falta de amor mata alguém? O contrário, muitas vezes, mata. Não acredito que o ideal seja abandonar por aí as pessoas que queremos bem só para ver como elas reagirão diante da primeira adversidade. Mas não dá para deixar em estufa o tempo todo. Até porque, procedendo dessa maneira, estaremos formando criaturinhas arrogantes, prepotentes e que pensam que tudo deve girar ao redor delas. Aos 12, 20 ou 60 anos. Os danos são quase irreversíveis e a constatação final, bastante provável: "Eu não entendo, passei a vida inteira me preocupando com ele e olha no que deu". Pois sempre dá nisso. Ninguém gosta de se sentir o tempo todo dentro de uma bolha de plástico, mesmo parecendo seguro. As melhores coisas sempre acontecem do lado de fora. Claro que há os ganhos secundários e são justamente eles que fazem com que tantos de nós permaneçamos passivamente sob a tirania dos amores que transbordam. Tente contrariar alguém muito mimado, que nunca precisou lutar por nada. Ninguém garante que você sairá ileso dessa briga. É impressionante a nossa tendência para confundir afeto com opressão. Vamos ficar no exemplo das crianças, porque é nessa idade que se cristalizam os comportamentos que irão reger nossos atos futuros. Eu conheço uma meia dúzia delas e posso afirmar que o convívio se torna praticamente inviável. Todas as suas vontades têm que ser satisfeitas na hora. E a expressão que se observa nas carinhas, a expressão de vitória, é uma das coisas mais deprimentes dessa vida. Mandam e desmandam como se fossem os donos da casa. Como será que elas vão encarar as frustrações futuras? Vale para mães, pais, tios e avós, que nenhum de nós está a salvo do perigo de superproteger. Quem já não ouviu a expressão "matar por amor"? Pois até para isso usamos esse sentimento que deveria ser o que nos distingue de outras tantas espécies. Os homens, principalmente, se valem desse excesso de proteção, de guarda permanente, para justificar os atos mais insanos. Quem é que gostaria de merecer tal distinção? Amor que mata é sempre doença, patologia que deve ser tratada. Quanto mais livre deixarmos quem está ao nosso lado, mais o estaremos fortalecendo. Quanto mais nos sentirmos autorizados para partir, mais teremos vontade de ficar. Ninguém é feliz sugando, sem intervalos, a atenção do outro. Um dia ainda vamos entender isso e descobrir que o que acontece conosco é o mesmo que se dá com as plantas colocadas em estufa: elas ficam lindas, mas dentro daquele restrito espaço em que foram criadas, nas condições ideais. Condições essas quase impossíveis de serem reproduzidas em outros lugares. Quando uma criança esfola o braço, é melhor esperar um pouco antes de enchê-la de abraços e carinhos e beijinhos sem ter fim. A sensação de desproteção fortalece a nossa imunidade. É nesses momentos que encontramos dentro de nós forças que não supúnhamos existir. Todos pecamos nessa questão e é muito difícil não estender os braços diante de alguém que nos manipula amorosamente. Mas não custa ficar atento. É preciso fazer um certo esforço e, às vezes, dizer não. Ou fazer de conta que não se viu e nem ouviu nada quando as chantagens tomam o lugar do bom senso. A têmpera moral, a capacidade de suportar os reveses e a maturidade construída também através das perdas encontram o fiel da balança na nossa perseverança em cair e levantar quantas vezes for necessário. Sozinhos. Sempre sozinhos, que muletas servem para outra coisa. Não é preciso colocar as mãos no pescoço de alguém para estrangulá-lo. Existem formas bem mais sutis, aceitas socialmente. Amando em excesso, por exemplo. Envolvendo o corpo e a alma de quem amamos. Um dia acabamos exigindo tudo isso de volta. No mínimo, em dobro.

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