A grama do vizinho...
...é sempre mais verde do que a nossa. Passamos a vida fazendo comparações. Falta algo em mim que está sobrando no outro. Temos uma tendência natural de imaginar que fulano é mais feliz, mais rico, mais tranqüilo que nós. Como não somos o travesseiro de ninguém, seria bom se começássemos a perceber como essas especulações são enganosas. Cada um aprende a lidar de forma específica com os talentos ou carências que têm e vai se adaptando aos fatos que provocam felicidade ou desgraça, na medida em que eles surgem.Quantas angústias seriam evitadas diante da compreensão, simples e objetiva, de que não importa o quão cercados de benesses estamos, sejam elas físicas, materiais ou afetivas, se não temos os mecanismos internos para usufruí-las. Exemplo: conheço pessoas belíssimas que se acham muito sem graça. Analisando-se friamente, é quase impossível imaginar que não se sintam bafejadas pelos deuses, em termos estéticos. Mas quais trocariam de bom grado seu biotipo, se lhes fosse dada essa oportunidade? Outros tantos, sedutores em sua capacidade intelectual, donos de enorme cultura, sentem-se destituídos cerebralmente. E, já que estamos exemplificando, como esquecer desse grupo que aparentemente se sobressai dos demais, o dos arrogantes, mas que, em última instância, se utilizam dessa postura para ocultar uma enorme insegurança?
É mais fácil estabelecer um julgamento baseado unicamente naquilo que aparece e que se pressupõe seja a nossa imagem real. E, de fato, quase todo mundo a compra como sendo. Mas é só vasculhar rapidamente a nossa vida para perceber que aquilo que muitas vezes motiva a inveja alheia pode ser fonte de sofrimento e apreensão. Todo julgamento é parcial e atinge somente a primeira camada, a das aparências. Um substrato mínimo de autoconhecimento é necessário para que possamos gastar nossos dias com mais tranqüilidade. Uma compleição física razoável ajuda. Um trabalho que não nos obrigue a passar longas horas fazendo tarefas repetitivas, também. Amor e sexo, bom humor e saúde, idem. Mas são apenas pontos de partida para realidades que não obedecem a nenhum enquadramento lógico.
A felicidade dos outros parece ser o resultado de uma equação cujos elementos não estão em nós. Talvez essa crença seja a maneira mais fácil de justificar nossa incapacidade de lidar melhor com o que nos pertence. Pode-se dizer, de uma forma simples, que o sentir se sobrepõe ao ser. No pequeno universo de nossas ações ordinárias, retomemos o conceito de que é preciso perder para ter a compreensão da real importância que as coisas têm. A imaginação é febril e gosta de espiar aquilo que não nos pertence. Enquanto isso, somos corroídos pelo tempo, e o que parecia ser fonte de preocupação ou, por outro lado, ser destituído de valor, revela-se precioso na ordem natural da existência.
São dez horas da manhã de uma segunda-feira, quando escrevo este texto. Meus pensamentos se distraem da tela do computador. Pela janela entreaberta vejo as folhas dos manacás caindo sobre a terra. Meus dois cachorros, Nicolau e Lilica, fazem seu passeio matinal pela grama orvalhada. Um pássaro, vermelho e amarelo, pousa num galho seco e fica parado por um tempo que me parece irreal. Por alguns instantes, a minha grama é mais verde que a do vizinho. Sei que sou privilegiado por esse silêncio que me cerca. E porque nada perturba minha observação do mundo e de mim mesmo. Mas são percepções provisórias, bem o sei. Logo estarei de volta a um universo de comparações, de dúvidas e lamentos. O tom do verde vai se alterando na medida em que se altera a nossa capacidade de absorver o sentido real do que nos toca. Preciso lembrar mais vezes dos versos de Fernando Pessoa: "Segue o teu destino/ Rega as tuas plantas/ Ama as tuas rosas./ O resto é a sombra de árvores alheias."
É só o foco que está errado. Às vezes, um pequeno ajuste nas lentes provoca uma mudança radical. Quando encontro uma pessoa muito, mas muito pessimista, inevitavelmente procuro o que pode haver de tão ruim em sua vida. E quase nunca encontro. Mas não há nada mais inútil do que ficar mostrando para ela as tantas coisas boas que estão em seu cotidiano. É como tentar explicar as cores para um cego. Nós nunca vemos o que existe. Tudo é filtrado pelo nosso eu. A salvação é um facho de luz voltado para dentro de si. Pastores, padres, curandeiros ou mesmo terapeutas só podem tentar traduzir. Raramente são capazes de reconfigurar. Quem muda a cor da grama somos nós mesmos.
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