terça-feira, 26 de junho de 2007

Seja gentil

Seja gentil

Sinto-me levemente constrangido por tocar num assunto que deveria estar absolutamente incorporado em nossa vivência cotidiana. O que você vai ler até poderá soar como auto-ajuda. Meu objetivo é que se pareça mais com um exercício de civilidade. Vou falar sobre gentileza, um tipo de comportamento que esquecemos quase que totalmente de praticar. Não me refiro à etiqueta, em como saber se portar em determinados momentos. O que me interessa analisar aqui é a diminuição de nossa capacidade de sermos amáveis com o outro.

Ao entrar em um elevador, poucos ainda se lembram de cumprimentar os que já estão lá dentro. E de apertar o botão quando alguém entra carregado de pacotes? Mais, de acionar outro botão, o que faz com que a porta permaneça aberta durante a saída dos demais... Talvez eu seja um azarado por não encontrar mais quase ninguém que se predisponha a essas práticas tão simples, tão necessárias para o convívio social e para a manutenção das regras mínimas de boa educação.

À gentileza deve sempre se seguir o agradecimento. Se alguém foi solícito com você, se uma secretária conseguiu adiantar uma consulta médica, um amigo se lembrou do seu aniversário, não esqueça nunca de demostrar que você está grato. Isso para ficar no mais óbvio. Eventualmente, temos a felicidade de cruzar com alguém que segue essa conduta. Eu estava numa festa, por esses dias, quando me deparei com uma bandeja recheada de doces de marzipã. Superlativo como costumo ser, quase me joguei em cima dos mesmos, deixando bem claro que eram os meus preferidos, dentre todos. Pois uma amiga testemunhou este êxtase quase religioso e, dois dias depois, eu estava recebendo em minha casa uma caixa cheia deles. A vida não se torna bem mais agradável quando temos o privilégio de conhecer pessoas com esse tipo de sensibilidade? Não importa o valor do presente, da lembrança, mas sim o gesto, o entendimento de que é através dessas atitudes que conseguimos manter uma densa noção de humanidade.

Tenho visto, todos os dias, criaturas esbarrando nas outras pelas ruas (estamos sempre com pressa) e que nem sequer viram para trás para ver se a pessoa está bem. Pedir desculpas, então, nem pensar. O que importa é como nós nos encontramos. Mas é no trânsito que a coisa chega ao extremo: esperto é aquele que aproveita para seguir em frente quando o sinal está amarelo, o que não se preocupa em ligar o pisca quando vai dobrar, ou, supra-sumo da vitória, não dá passagem a quem está querendo sair de uma transversal e precisa contar com a misericórdia alheia. Situações que se repetem na fila dos bancos, nos supermercados, no bar da esquina. Nem vou entrar no mérito de atribuir aos pais a responsabilidade pela precária educação que dão a seus filhos. Num mundo tão competitivo quanto o nosso, vale esbarrar no outro, atropelar um terceiro, enganar os mais incautos. Tudo para chegar em primeiro lugar, para "ganhar" dois minutos. Aí, quando a gente encontra alguém que ainda se lembra das regras mínimas de convivência, o encantamento se mistura com o espanto, como se tivéssemos feito contato com um extraterrestre.

Com essa nossa ilusão de auto-suficiência, acabamos esquecendo que todos dependem de todos o tempo todo para sobreviver. Tornamo-nos cada vez mais especialistas e, por conseqüência, mais arrogantes e prepotentes. Fazemos melhor, mas uma só atividade. O resto, ora, sempre podemos pagar para que alguém o faça. Até para trocar uma lâmpada. A vida é circular, estamos sempre precisando uns dos outros. É tão simples ser gentil que, ao escrever sobre isso, acabo me sentindo redundante. Tudo deveria ser natural, como tomar um copo de água quando estamos com sede.

Acredite, temos todas as oportunidades do mundo para demonstrar que já largamos o tacape: ceder o lugar para alguém que precisa mais do que nós; não avançar o semáforo antes do tempo, mesmo que não estejamos dirigindo; falar baixo no celular em espaços públicos. A lista é quase infinita. Ah, lembrei agora: existe alguma coisa mais irritante do que esses que colocam o som da música no volume máximo, achando que o seu gosto musical (sempre duvidoso) coincide com o nosso? Tudo bem, não precisaremos nos medicar num pronto-socorro, mas não deixa de ser uma espécie de agressão. O lugar que eu ocupo deve estar em concordância com aquele que está ao meu lado. A palavra do dia, de todos os dias, deveria ser esta: cuidado, pois você está entrando numa área que não lhe pertence.

O título deste texto poderia ser outro. Talvez este: com licença, obrigado, desculpe, por favor. Afinal, o mundo não existe para satisfazer unicamente às nossas necessidades. Estamos todos definitivamente comprometidos com os demais. Os espaços físicos e emocionais parecem estar encurtando consideravelmente. Não seria uma má idéia rever o que chamamos de valores. Para não deixar que o peso de nossa existência destrua a organização que estamos ensaiando desde que saímos das cavernas. Ou, pelo menos, daqueles que saíram.

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