Perfeito, mais que perfeito
Desconfio das pessoas que nunca saem da linha. Que são rígidas demais. É provável que dentro delas more um psicopata. Ou um tarado. Na melhor das hipóteses, alguém com sérios desvios de personalidade. Exemplos não faltam. Muitos pedófilos, que seduzem os filhos dos vizinhos e os amigos dos filhos, são pais exemplares, amantíssimos, esposos impecáveis, geralmente devotos praticantes de alguma religião e severíssimos com quem transgride qualquer regra. São duros, inflexíveis consigo mesmos e com os outros. Mas na intimidade tudo muda de figura. É apenas um exemplo. Mas ele pode ser estendido quase ao infinito. E os que nunca se cansam de lavar, passar, esfregar, limpar? Quem tem esse tipo de obsessão procura uma maneira de compensar o que lhe causa sofrimento. Porque é impossível você viver neste estado de cobrança permanente sem encontrar alguma válvula de escape. Que se dá na forma de transgressões, praticando o que é condenado socialmente, o que não pode ser feito sob a luz do sol. Sempre me senti mais à vontade ao lado de pessoas que, independentemente da posição social ou profissional, conseguem ser leves, exercer o senso de humor tão saudável e necessário para desmanchar os nós que o dia-a-dia deixa. Isso é sinônimo de equilíbrio. O contrário também é verdadeiro. Imagine a tensão em que vive aqueles que cobram o máximo de si mesmos. Não é humano. Aliás, não é nem divino. Em algum momento, Ele também deve ter folgado. É interessante observar como se portam os que vivem com uma régua na mão, medindo não o máximo, mas o mínimo, o pequeno, aquilo que costuma passar despercebido para os razoavelmente normais. Que ninguém precisa exagerar. A extrema intolerância para com os demais é sintoma inequívoco de algum problema. Pois é doentio não tolerar, eventualmente, a visão de um guardanapo amarfanhado quando vamos a um restaurante. Ou querer que as roupas estejam guardadas em rigorosa ordem cromática. Mais: imaginar que se possa sempre evitar que alguma sujeira esteja próxima de nós. Importar-se menos significa saber usufruir mais. Aceitar a falta, o exagero, o descuido. Não é preciso ficar o tempo todo com o chicote na mão, policiando a si e aos demais. Pois somos assim: uma mistura de atos que nem sempre alcançam as bordas da perfeição. Até porque é preciso que o tempo deixe suas impressões sobre seres e coisas para transformá-los em algo mais belo. Uma xícara levemente lascada, a maciez de uma camisa usada por muitos anos, a familiaridade de um corpo amado, que se pode reconhecer somente pela intimidade. Tudo isso contribui para tornar a vida mais intensa. Assepsia total, excesso de normatização? Obrigado, prefiro me divertir em outra praia. É fácil identificar os que não se permitem nada além da obediência cega a algum contrato que fizeram consigo mesmos. Você não encontrará um fio de cabelo fora do lugar, a meia combinará com a blusa e eles nunca atrasarão uma tarefa. E só perpetuam isso porque não conseguem desentranhar de si nenhuma outra possibilidade. Sem contar que, pelo menos num primeiro momento, costumam conquistar a admiração de quase todos aqueles com os quais estabelecem relações. Eu acho de uma tristeza mortal. Sem contar que fico morrendo de vontade de dar um chute nas suas canelas para descobrir que reação teriam. Porque é impossível alguém seguir por um caminho tão estreito sem querer conhecer o que se encontra nos arredores. O mais preocupante, me parece, é que essa espécie de ser, quando resolve se manifestar em seu avesso, nunca o faz por pouca coisa. As cadeias abrigam muitos assassinos que costumavam levar a vida da maneira mais prosaica possível. E é difícil reconhecê-los. Até porque costumam ser sedutores, envolventes, o que faz com que um batalhão se apresente para a adoração. Com as exigências do nosso tempo, com a necessidade de estarmos cada vez mais atualizados, pois a competição é ferrenha, não é de estranhar o aumento desmesurado dos que costumam nos enganar, com sua pele de cordeiro. Quando a gente vê, tudo já passou, terminou. Quem nós amamos, a casa que nos protegia, os amigos que eram o nosso melhor patrimônio emocional. Não vale a pena querer tudo, querer tanto o tempo todo. Sem falhas. Eu já tive um bocado dessa patologia. Me tratei a tempo e já não me preocupo em deixar a roupa corretamente arrumada assim que a desvisto no final do dia. A louça pode ser lavada amanhã, e o vermelho combina com o roxo, quem disse que não? Já experimentei não organizar a minha mesa de trabalho, errar a conjugação dos verbos, andar com a barra da calça suja de terra. Fiquei uns vinte quilos mais leve. E não foi numa balança que detectei isso. Aprendi com Horácio: "Não é sábio o sábio, nem justo o justo, se seu amor à virtude é exagerado." Relaxe e seja feliz.
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