Toda mãe é míope?
Sim. Ou, pelo menos, umas 95%. É impressionante como elas são incapazes de perceber quando seus adorados pimpolhos ultrapassam todos os limites. Filho é sempre filho e não há oftalmologista que consiga ajustar as lentes fora de foco. O pequeno bárbaro pode estar derrubando a casa, destruindo móveis e utensílios, barbarizando o poodle da vizinha... e nada. Ainda assim ele continuará sendo o anjinho da casa, a dócil criaturinha que só existe dentro da sua cabeça. Eu, que não consigo me curar do complexo de Herodes, tenho ímpetos homicidas quando vejo esses diabinhos em miniatura tripudiando, rindo e se divertindo a custa da, digamos assim, ingenuidade materna. Não me venham com teorias psicanalíticas. Freud, Lacan, Jung e congêneres. Eu sinto a palma da minha mão ficar quente toda vez que vejo uma criança brincando de reizinho da casa. E mamãe, com sua nova teoria de que antes de filho ele é amigo, vai perdoando, perdoando, perdoando. E a palmatória, mesmo que imaginária, repousa num passado que deveria ser presente. Não, nada de ressuscitar métodos nazistas para fortalecer o caráter infantil. Bem, talvez só de vez em quando. Mas, por favor, pra que tanta teoria? Pra que tanto discurso, se no final são os filhos mesmo que acabam decidindo tudo? É sempre muito saudável manter o diálogo entre adultos e crianças. Porém, há um determinado momento em que é preciso dizer "não, agora chega". Assim, bem simples, de fácil entendimento, nada dúbio. Porque, senão, é o que se tem visto por aí: esses bichinhos ainda não adestrados começam a invadir o já pequeno universo reservado aos mais crescidos. Suspeito que muitos pais se retraem quase com medo diante de situações em que as crianças se mostram mal-educadas, simplesmente porque não querem causar nenhum trauma na personalidade delas, ora em formação. Só que quem acaba traumatizado não são exatamente eles. Tenho visto por aí genitores exauridos, sem a coragem de dizer "pois é, às vezes eu penso que teria sido melhor nem ter filhos". Mas que pensam, pensam, nem é preciso ser vidente para descobrir. Claro, há mil razões para explicar essa arrogância infantil que tomou conta de quase todos. Nos tornamos praticamente desconhecidos para eles, terceirizando os cuidados, delegando a professores mal remunerados e pouco preparados a difícil tarefa de "modelar" uma massa informe e resistente. Mais fácil destinar um terço do nosso salário a essas instituições que ficar em casa sovando uma massa que parece crescer rápido demais. Quem os há de culpar? Eu faria a mesmíssima coisa. Como sou razoavelmente bem-educado, acabo me obrigando a dar um sorrisinho de viés diante de cada traquinagem ou ato de prepotência que vejo em crianças já aos três, quatro anos de idade. Sem contar que muitas vezes os orgulhosos pais confundem tudo isso com precocidade, "olha só, que lindo, ele já quer fazer tudo sozinho, detesta quando damos algum palpite, quer até bater na gente". Encantador, não é? Talvez para quem tem vocação masoquista. Estar presente só nos intervalos não nos habilita a exercer um tipo de autoridade tão necessário em nossos dias, quando o sentido do que se pode ou não fazer praticamente desapareceu. São as mães que geralmente acabam endossando esse tipo de comportamento. Derretem-se diante de qualquer bobagem que os principezinhos fazem, confundindo falta de modos com criatividade. E depois dê-lhe sessões semanais com psicólogos já nos primeiros anos de vida, quando se dão conta do erro que cometeram. Muitas nem se dão. Quando não os entopem de antidepressivos. Não sei, mas alguma coisa deve estar errada, pois tudo parece fugir do controle e o sentido da palavra "limite" se esvai no ar. Na minha infância, por questões educacionais e mesmo financeiras, fui privado de muitas coisas. E, sinceramente, acho que cresci razoavelmente normal, aprendendo a lidar com as frustrações e os desejos não realizados. Mais tarde corri atrás por conta própria e parece estar tudo bem. Comecei a trabalhar com nove anos e me lembro da alegria que tive ao receber meu primeiro pagamento. Sobrevivi e não fico me debruçando sobre as dificuldades pelas quais passei. Hoje, marmanjos de 17 anos passam as tardes jogando videogame e parecem sempre cansados, muito cansados. Ó vida! Ó tédio! Por isso é de se perguntar: criança feliz é aquela que não recebe um "não" e que empilha quinquilharias dentro desses novos bazares em que se transformaram os seus quartos? O assunto é velho, batido e deve ter rendido algumas dúzias de livros. Mas parece que não adiantou muito. Tudo continua como dantes, só que pior. As crianças estão expandindo cada vez mais seu raio de ação. Logo, ninguém será capaz de contê-las mesmo. Será que as mãezinhas continuarão sorrindo? E aprovando? Comecem suas apostas.
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