sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Raízes da inocência

 

“O ciclo do ser não é diferente do ciclo da água”

Das mil faces que acompanham o ser, poucas carregam a pureza. Nos segundos quando se diz “eu te amo” ou quando nos despedimos de alguém talvez caiba uma plenitude intocável, preservada em algum cantinho obsoleto de nossa memória. A pureza da infância não se repete, apenas é brevemente visitada.
Ali, nesse longínquo tempo o qual muitos se enganam ser passado, está o ‘le grand finale’ do que seremos por toda a vida. É nossa criança interior que desperta nosso exterior de ações e, consequentemente, aquilo que seremos.
Se a pureza se dissolve em algum canto inacessível de nosso inconsciente, se a esponja de nossa formação se preenche do perturbador de outros, eis que se desperdiça uma vida. Bem verdade que há quem ascenda no caos, mas quem pode garantir não ter sido a mínima pureza da infância a qual originou a revolução e luz? Quem duvida que a força para se erguer também não está nas raízes do que nos foi mostrado?
Há uma criança dentro de cada um, alguns a sufocam e pedem que se cale; alguns a escutam por demais e não se permitem o crescimento. A criança dentro de nós quer e merece ser visitada, mas ela não quer somente ser ouvida ou que lhe falem, ela clama atitudes. São atitudes que ensinam e moldam o ser com o qual conviveremos durante toda nossa vida.
Dos choros aos sorrisos: mesmo aqueles os quais você não lembra. São esses que lhe molduram as etapas da vida. O que torna o final de tarde lindo para uns e normal para outros? Por que uns temem o mar e outros o reverenciam? Onde se definiu o ser que resolve problemas e aquele que os causa?
Somos o brando leito de um rio, límpido e lento, mas nosso fluxo aumenta, nossa densidade nos torna turvos, logo correremos às margens estreitas e, revoltosos, cairemos na cascata do que aprendemos. E é neste momento que se moldam as rochas que nos esperam. O ciclo do ser não é diferente do ciclo da água. Cada um de nós tem sua profundidade, sua matéria viva, porém, nossa formação, nossas margens – atitudes observadas – são as que moldam o rio destrutivo e aquele pronto a permitir que a vida flua também dentro dele.
Uma criança não deveria ser vista somente como o início. Crianças são o rumo, nelas que cabem respostas do tipo: “Há esperança para o homem? Estamos no caminho certo? Qual será nosso futuro?”. Traz uma criança a propriedade de nossas escolhas, pois se já não nos permitimos solucionar as tristezas de nossa própria raça, deveriam ser as crianças a revolução do que sabemos e sentimos estar errado.
No entanto, seguimos poluindo as crianças. Esquecemos – ou fingimos esquecer – que, aos olhos de uma criança, palavras são sons a se desintegrarem, enquanto atitudes são a força a preenchê-las.
Como respeitará a vida aquele criado sobre uma tela de computador? Que horizontes serão belos para aqueles que observam o mundo crescer ao formato de prédios? Quais fantasias vão habitar os sonhos daqueles que moram dentro de programações de TV? E se isso tudo é recorrente às novas gerações, como as antigas esperam um legado menos triste do que o atual?
A criança que há em nós grita, mas ela não quer ser simplesmente ouvida, ela clama para não ser esquecida. Fazer-se cego diante da mais pura face que um dia tivemos significa a destruição do eu e, consequentemente, do nós.
A tão sonhada paz não é recorrente da mudança externa. Encontrar o melhor da vida é um reencontro com o melhor de si.
Nenhum de nós nasce mau.
Felipe Sandrin