Eu sou assim!
Sempre proferimos esta frase em nossa defesa, quando precisamos de uma justificativa para algum tipo de posicionamento que possa merecer críticas: “Eu sou assim!” Sucedida por ponto de exclamação. Ou vários. Não simpatizo com essa afirmação categórica, mesmo sabendo que os condicionamentos têm um poder avassalador sobre nossa forma de pensar e quase todas as decisões que tomamos. Conformar-se com essa pseudoverdade é concluir que somos seres acabados, que não há mais nenhuma brecha por onde possa entrar o novo, algo de inédito para inaugurar outra fisionomia. Deve ser muito cansativo passar meses, quando não anos, repetindo isso como uma espécie de mantra, algo que nos redima do pecado de cristalizar os mesmos tipos de pensamentos dentro de nós.
Dizemos, também, como outro salvo-conduto para nossas ações, que o hábito é uma segunda pele. Sou mais radical: acho que o hábito é a própria pele. E como é difícil se desfazer dele, seja pela circunstância trágica da morte de um ser com quem partilhamos um cotidiano carregado de abençoadas repetições, seja pela lucidez que nasce depois de um longo processo de análise em busca de novos caminhos para seguir. O fato é que, por preguiça ou incapacidade de mudar, nos aferramos à ideia da imutabilidade de certas coisas. Esse conformismo nos impede de superar o que incomoda, o que raspa uma camada muito tênue dentro da gente. Mas que pode ser alcançável pela disposição e boa vontade.
O abandono, muitas vezes, é mais benéfico que o acolhimento. Não falo de pessoas, mas desse suposto autoconhecimento. Ele nos priva de desbravar o diferente, o que nunca participou do nosso rosário doméstico. Claro que perdas são difíceis de absorver e mudanças de assimilar. Ninguém gosta de se sentir órfão. Queremos o conforto macio das situações já conhecidas, a segurança tépida das estações sem temporal. Olhando em retrospecto para o que vivi, descubro mais escombros do que construções a serem inauguradas. E me sinto feliz que assim seja. Se há algo que se possa chamar de crescimento, sua origem está na ousadia em derrubar, assimilando pedaços de horizontes que a vista não alcançava. Tenho dores que não posso dividir com ninguém. Enfrentei meus medos até descobrir que não existe nada além do medo, sempre tão frágil e movediço quando o encaramos nos olhos. Fugir é nossa primeira tentação, deixando que o animal manso se transforme num monstro com mil tentáculos. Abrir o quarto e enfrentar a solidão de uma cama que já não é mais habitada por quem amamos pode ser o melhor antídoto para escapar da tentação do acomodamento, quando não da desistência.
As impressionantes modificações que se operam em nós ao longo da vida acabam deixando um gosto de manhã que nasce, de discreta surpresa por estarmos vivos. Porém, é preciso ter cuidado: muito do que sentimos tem um sabor póstumo. Um sabor inútil. Distinguir aquilo que importa do que é superficial, mera convenção, é salvador. Que prazer conseguir descartar, dizer não, acolher o que nos deixa tranquilos, longe das obrigações e dos compromissos. Minha meta é atravessar o ano com a agenda cada vez mais vazia. Registro apenas na minha mente o que preciso fazer num futuro breve, bem breve. Aliás, nada tem me agradado mais do que essa despreocupação longamente ansiada por esgotar meu único pertencimento: o agora. Corro o risco de parecer óbvio. Que seja. Passei a desconfiar das grandes especulações metafísicas, dos projetos mirabolantes que acabam quase sempre esbarrando em algum interdito. Aprendi a me reconhecer somente dentro do momento. Encurto minha ansiedade toda vez que consigo dormir sem pensar em nada além do mergulho em um sono reparador.
Talvez amanhã eu seja outro, bem diverso do que sou hoje. Bendigo a maleabilidade da minha alma, tão duramente conquistada. Como disse Nietzsche, quem ama os abismos precisa criar asas. Fico encantado diante de toda nova possibilidade de ser, mas não me deixo seduzir por nenhuma utopia. Gosto da palavra movimento. Gosto da palavra lentidão. Juntas elas se transformam nessas asas que me afastam da comodidade de ser sempre eu mesmo. Daqui a pouco partirei. Não sem antes reconhecer que não preciso estar preso a nada. Preciso, sim, da contradição para me salvar. Eu não sou assim!
Dizemos, também, como outro salvo-conduto para nossas ações, que o hábito é uma segunda pele. Sou mais radical: acho que o hábito é a própria pele. E como é difícil se desfazer dele, seja pela circunstância trágica da morte de um ser com quem partilhamos um cotidiano carregado de abençoadas repetições, seja pela lucidez que nasce depois de um longo processo de análise em busca de novos caminhos para seguir. O fato é que, por preguiça ou incapacidade de mudar, nos aferramos à ideia da imutabilidade de certas coisas. Esse conformismo nos impede de superar o que incomoda, o que raspa uma camada muito tênue dentro da gente. Mas que pode ser alcançável pela disposição e boa vontade.
O abandono, muitas vezes, é mais benéfico que o acolhimento. Não falo de pessoas, mas desse suposto autoconhecimento. Ele nos priva de desbravar o diferente, o que nunca participou do nosso rosário doméstico. Claro que perdas são difíceis de absorver e mudanças de assimilar. Ninguém gosta de se sentir órfão. Queremos o conforto macio das situações já conhecidas, a segurança tépida das estações sem temporal. Olhando em retrospecto para o que vivi, descubro mais escombros do que construções a serem inauguradas. E me sinto feliz que assim seja. Se há algo que se possa chamar de crescimento, sua origem está na ousadia em derrubar, assimilando pedaços de horizontes que a vista não alcançava. Tenho dores que não posso dividir com ninguém. Enfrentei meus medos até descobrir que não existe nada além do medo, sempre tão frágil e movediço quando o encaramos nos olhos. Fugir é nossa primeira tentação, deixando que o animal manso se transforme num monstro com mil tentáculos. Abrir o quarto e enfrentar a solidão de uma cama que já não é mais habitada por quem amamos pode ser o melhor antídoto para escapar da tentação do acomodamento, quando não da desistência.
As impressionantes modificações que se operam em nós ao longo da vida acabam deixando um gosto de manhã que nasce, de discreta surpresa por estarmos vivos. Porém, é preciso ter cuidado: muito do que sentimos tem um sabor póstumo. Um sabor inútil. Distinguir aquilo que importa do que é superficial, mera convenção, é salvador. Que prazer conseguir descartar, dizer não, acolher o que nos deixa tranquilos, longe das obrigações e dos compromissos. Minha meta é atravessar o ano com a agenda cada vez mais vazia. Registro apenas na minha mente o que preciso fazer num futuro breve, bem breve. Aliás, nada tem me agradado mais do que essa despreocupação longamente ansiada por esgotar meu único pertencimento: o agora. Corro o risco de parecer óbvio. Que seja. Passei a desconfiar das grandes especulações metafísicas, dos projetos mirabolantes que acabam quase sempre esbarrando em algum interdito. Aprendi a me reconhecer somente dentro do momento. Encurto minha ansiedade toda vez que consigo dormir sem pensar em nada além do mergulho em um sono reparador.
Talvez amanhã eu seja outro, bem diverso do que sou hoje. Bendigo a maleabilidade da minha alma, tão duramente conquistada. Como disse Nietzsche, quem ama os abismos precisa criar asas. Fico encantado diante de toda nova possibilidade de ser, mas não me deixo seduzir por nenhuma utopia. Gosto da palavra movimento. Gosto da palavra lentidão. Juntas elas se transformam nessas asas que me afastam da comodidade de ser sempre eu mesmo. Daqui a pouco partirei. Não sem antes reconhecer que não preciso estar preso a nada. Preciso, sim, da contradição para me salvar. Eu não sou assim!